Perdas, pânico e até
morte: a hecatombe do coronavírus no mercado. O avanço da Covid-19
provocou uma crise histórica no Índice Bovespa, varreu fundos de investimento
alavancados e cuspiu investidores para fora da bolsa diz Veja e já o Estadão: “MORTES,
CONTAMINAÇÃO, CALAMIDADE E RECESSÃO”
O DRAMA DA CIVILIZAÇÃO
Por Vicente Vilardaga
Vivemos uma experiência inacreditável,
uma situação de guerra contra um inimigo invisível, uma peste de proporções
alarmantes — e mergulhamos num cenário desconhecido e apocalíptico. Desde a
Segunda Guerra Mundial, como destacaram duas lideranças globais na quarta-feira
18, o presidente americano, Donald Trump, e a primeira ministra da Alemanha,
Ângela Merkel, o planeta não enfrentava um desafio tão grande. E não há
soluções a curto prazo. A recomendação universal é se isolar, sozinho ou com a
família e manter a calma para minimizar os danos sociais. Enquanto o
coronavírus se espalha por todos os continentes e já chega ao interior mais
longínquo, resta ao cidadão comum se recolher para não se contaminar ou
infectar o próximo.
Centenas de milhões de pessoas estão
parando de trabalhar e de ir à escola. Países fecham fronteiras, cidades ficam
sob o domínio do medo e a população se sente desprotegida. Ainda não há vacinas
e nem remédios eficazes e a medida fundamental de contenção da doença é o
isolamento social, que vai durar o tempo que os governos quiserem. Até a última
quinta-feira foram registrados 235.404 mil casos da doença em todo o mundo e
9.785 mortes, segundo dados compilados pela Johns Hopkins University. Mais de
500 pessoas estão morrendo diariamente, principalmente na Itália, na Espanha e
no Irã. Na Itália, quarta-feira, foi batido o recorde de mortes em um só dia,
475. Nem na China, origem da doença, se alcançou essa terrível marca. Caminhões
do Exército italiano estão cruzando o país para transportar corpos de vítimas
para a cremação. “A única saída para conter a Covid-19 é restringir a
circulação de pessoas e parar a sociedade”, diz o médico infectologista Fábio
Gaudenzi. “Quando se tem um vírus transmitido por indivíduos assintomáticos é
virtualmente impossível conter a doença”. Autoridades italianas determinaram
que quem sair de casa sem um motivo essencial será processado por epidemia
culposa, com penas de até 12 anos de prisão. No Brasil, onde foi decretado
estado de calamidade pública por causa dos efeitos devastadores da doença, os
últimos dados do Ministério da Saúde confirmam 534 casos e seis mortes, quatro
em São Paulo e duas no Rio. O total se suspeitos de contágio já chega a 11.278
pessoas. Nas próximas semanas esses números crescerão exponencialmente.
Além do isolamento, outra iniciativa
recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que já se provou eficaz, é
a realização de testes clínicos para o maior número de pessoas. “A mensagem
central é: testar, testar e testar”, disse Maria Van Kerkhove, médica do
programa de emergência sanitária da entidade. “Você não consegue parar essa
pandemia se não souber quem está infectado”. A orientação da OMS surpreendeu o
governo brasileiro, que por falta de kits de testes de biologia molecular vem
diagnosticando apenas os casos mais graves e com necessidade de internação,
além de profissionais de saúde e pacientes do grupo de risco. Mas uma pesquisa
realizada por cientistas chineses e americanos mostrou que são os
infectados assintomáticos e não identificados que aceleraram a proliferação de
casos na China e estão matando a população italiana.
Por outro lado, na Coréia do Sul,
graças a ampliação dos testes, houve uma importante contenção no número de
mortos. Os testes biológicos são feitos em laboratórios e hospitais e exigem
equipamentos, reagentes e pessoas treinadas. Há um gargalo no Brasil por falta
de testes e os diagnósticos estão demorando até uma semana. Os laboratórios
públicos, como a Fiocruz, aumentaram a produção de testes e estão treinando
seus servidores para realizá-los. Mas há um atraso nessas providências.
AUMENTO DA LETALIDADE
Enquanto na Ásia houve um crescimento
paulatino no número de casos desde o início de janeiro, no Ocidente está
havendo uma evolução explosiva da doença. Houve demora na reação das autoridades
italianas, como também na Espanha e no Brasil e a letalidade da Covid-19
cresceu de maneira assustadora. Na China esse índice ficou em torno de 2%, mas
na Itália já supera os 7%, por conta de uma grande população idosa. A gravidade
da situação estaria levando o país a um dilema civilizacional. O jornal
britânico The Telegraph divulgou um documento preparado pelo Departamento de
Defesa Civil de Piemonte em que se considera a possibilidade de negar o
atendimento médico em UTIs para pacientes com mais de 80 anos que apresentem
más condições de saúde. Um médico ouvido pelo jornal disse que “quem vive e
quem morre é decidido pela idade e pelas condições de saúde do paciente. É
assim que ocorre em uma guerra”. Na última quarta-feira, a Europa superou a
Ásia em número de mortes provocadas pelo coronavírus. Enquanto o continente
europeu somava 3.421 mortes, os países asiáticos somavam 3.384. Só na Itália,
que se tornou o principal foco da doença e contabiliza 41.035 infectados, havia
3.405 mortes – na China foram 3.130 até agora.
No mundo inteiro, escolas e
universidades suspenderam as aulas, empresas liberam funcionários do trabalho e
museus e outros equipamentos culturais fecham suas portas. Eventos esportivos
foram suspensos ou cancelados em todo o mundo. A Liga Europeia de futebol foi
interrompida, assim como os campeonatos nacionais europeus. Na América do Sul
foram adiadas a eliminatória da Copa, a Taça Libertadores e os campeonatos
nacionais. O santuário de Lourdes, na França, fechou pela primeira vez por causa
do coronavírus. O mundo vive uma distopia, uma situação de desespero e privação
que pode se prolongar por muitos meses e mudar definitivamente hábitos
e costumes. Continuarão circulando informações, mas o movimento de
pessoas e mercadorias será cada vez menor nos próximos meses e demorará a se
normalizar. As barreiras sanitárias entre os países serão enormes. Blocos
comerciais viraram letra morta de uma hora para outra por questões de saúde.
No Brasil, até quinta-feira, a decisão
de fechar as fronteiras não havia sido tomada, embora outros países
sul-americanos tenham adotado a medida.
A Comissão Europeia anunciou que
estrangeiros não poderão entrar em 31 países do continente por pelo menos 30
dias. “A batalha será dura e longa e vai precisar da ajuda de cada um. Cada
cidadão, individualmente, deve obedecer às restrições de seus países para que
consigamos vencer a crise”, afirmou o presidente do Conselho Europeu, Charles
Michel. Em cinco países – Itália, Espanha, Eslováquia, Áustria e Lituânia –,
foi estabelecida a quarentena total, ou seja, as pessoas só devem sair de casa
por motivos essenciais. Junto com o vírus uma nova ordem planetária se impõe e
se descortina um futuro sombrio em que a vida se torna ainda mais incerta e
perigosa. Há um drama civilizacional que se desenvolve como tragédia. A
globalização, que deu o tom das relações internacionais nas últimas décadas,
está em franco retrocesso.
A ESPERANÇA DA VACINA
Vários países já estão tratando a crise
como um esforço de guerra. O presidente francês Emmanuel Macron instituiu uma
quarentena de 15 dias para que a França possa combater o coronavírus. “Nós
estamos em guerra contra um inimigo invisível”, repetiu várias vezes Macron.
“Quem desobedecer as orientações poderá ser punido”. O primeiro-ministro inglês
Boris Jonhson também falou em guerra. Os Estados Unidos, que têm infectados em
50 estados, fechou a fronteira com o Canadá. Em artigo para a revista Time, o
filósofo e historiador israelense Yuval Noah Harari, diante do movimento
antiglobalista que acompanha o combate ao vírus, diz que “o verdadeiro
antídoto para a epidemia não é a segregação, mas a cooperação”.
“Embora a quarentena de curto prazo
seja essencial para interromper a epidemia, o isolacionismo de longo prazo
levará ao colapso econômico sem oferecer nenhuma proteção real contra doenças
infecciosas”.
O caso de maior sucesso no combate ao
coronavírus e que deve ser observado com atenção é o da Coreia do Sul, onde a
doença chegou no dia 20 de janeiro e o índice de letalidade é inferior a 1%, o
mais baixo entre os países afetados.
Lá, houve mais de oito mil infectados e
75 mortes até o dia 16 de março. A explicação que é dada para o êxito
na contenção do vírus é a aplicação de testes para a população
assintomática. A Coreia do Sul orientou seu sistema de saúde a se concentrar no
diagnóstico da Covid-19 nos habitantes das áreas mais críticas. Qualquer pessoa
que tivesse tido algum contato direto com casos confirmados passou pelo
teste. Agentes de saúde passaram a monitorar a expansão do vírus
visitando a casa de pacientes com suspeitas de contagio para impedir sua
proliferação. Cerca de 15 mil testes tem sido realizados diariamente na
Coreia. No Brasil, eles não passam de mil por dia.
Apesar das dificuldades iniciais,
pesquisadores correm contra o tempo em busca de uma vacina para a Covid-19.
China, Estados Unidos e Alemanha estão na frente nessa corrida e há cerca de 20
grupos dedicados a encontrar uma imunização contra a doença. A China
desenvolveu seu primeiro protótipo e o Ministério de Defesa anunciou,
terça-feira 17, que o país está pronto para iniciar os ensaios clínicos em
seres humanos. Voluntários entre 18 e 60 anos estão sendo chamados para testar
a vacina.
Os Estados Unidos, que iniciaram a
primeira fase dos seus ensaios clínicos um dia antes do anúncio chinês, também
perseguem uma solução rápida, eficaz e segura. Trump considera indispensável a
descoberta de uma vacina antes das eleições para aumentar suas chances de
vitória. No início da semana, ele se reuniu com executivos da indústria
farmacêutica para cobrar o alcance desse objetivo. O problema da vacina, porém,
não termina com a descoberta. É necessário produzi-la em larga escala e
distribui-la para milhões de pessoas. Nenhum governo acredita que isso pode
acontecer em menos de doze meses.
Outra notícia promissora vem do Japão, onde um medicamento chamado favipiravir, também conhecido por Avigan,
foi recomendado por autoridades sanitárias chinesas porque acelera a
recuperação de infectados. O remédio, desenvolvido por uma subsidiária da
Fujifilm e usado para o tratamento de novas cepas de Influenza, demonstrou
resultados encorajadores em um ensaio clínico feito com 340 pacientes. Aqueles
que receberam o favipiravir ficaram negativos para o vírus depois de uma média
de quatro dias após se tornarem positivos, enquanto os que não usaram a droga
precisaram de uma média de onze dias para se recuperar. Outro medicamento, a
hidroxicloroquina, droga que regula o sistema imunológico diante de infecções,
foi aprovada pela Food and Drug Administration, dos Estados Unidos, para
tratamento da Covid-19. A hidroxicloroquina é vendida nas farmácias
brasileiras. Começa a aparecer uma luz no fim do túnel. Vacinas e remédios
podem ser o antídoto para a pandemia. Mas isso não virá tão cedo e o que nos
resta, por enquanto, se quisermos colaborar com a sociedade, é o isolamento. Neste
momento, condutas individuais podem ser mais importantes para
conter a peste do que ações do governo.
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