Redes marginais: o submundo
do Facebook, do WhatsApp e do Youtube
Apps e sites vivem um paradoxo: oferecem mais
privacidade aos usuários, mas ficam vulneráveis ao uso por criminosos, que se
sentem seguros para delinquir
Por Jennifer
Ann Thomas
A bandidagem já não ocupa somente
a ‘internet profunda’, de acesso difícil; ela agora se sente à vontade na
internet de todos nós.
Sendo uma atividade humana, o
crime está onde o homem está — e, claro, está na internet. Sempre esteve,
praticamente desde que a rede se tornou suficientemente rápida e extensa. Em
abril passado, porém, uma novidade tecnológica, introduzida sem muito alarde,
transformou a internet num terreno muito mais propício à criminalidade. Antes,
o grosso de crimes como tráfico de armas, terrorismo e pedofilia ocorria na
chamada deep web, a internet profunda, tão complexa que poucas pessoas
costumam acessá-la. A internet comum, essa que as crianças e os adolescentes
usam todo dia, era lugar de alguma criminalidade, como tráfico de drogas e
roubo de carros, mas de forma velada, cifrada, discreta. Agora, os bandidos se
sentem cada vez mais seguros para atuar na internet comum, a internet de todos
nós. E, para isso, servem-se de instrumentos também mais populares, como o
Facebook, o WhatsApp e, com menor intensidade, o YouTube. A grande diferença
está na nova tecnologia.
Em 5 de abril, o WhatsApp,
aplicativo usado por 100 milhões de brasileiros, resolveu instalar um novo
mecanismo de segurança que tornou as mensagem trocadas na ferramenta
praticamente invioláveis. A bandidagem logo percebeu. E está à solta como
nunca. Não, isso não significa que as crianças e os adolescentes devem ser
imediatamente afastados da internet e proibidos de usar o Facebook ou o
WhatsApp. Significa, isto sim, que é preciso que pais, professores, familiares
estejam alertas para os riscos do que pode acontecer num ambiente que, embora
possa parecer higiênico, está escondendo cada vez mais sujeira.
Ao longo de seis semanas, VEJA
mergulhou em aplicativos e redes sociais com o objetivo de detectar a ação dos
criminosos. A reportagem encontrou casos anteriores à instalação do novo mecanismo
de segurança do WhatsApp e também posteriores. O resultado é forte. VEJA
localizou catorze traficantes de drogas atuantes no WhatsApp, tentando
fisgá-los. Sete deles chegaram a dar início às negociações — que a reportagem,
então, interrompeu, para não infringir a lei. VEJA também encontrou grupos que
comercializam carros roubados, notas falsas e armas, tanto no WhatsApp quanto
no Facebook. E ainda localizou vendedores ilegais de animais silvestres, cujas
ofertas aparecem em diferentes ambientes digitais.
“Desde os 10 anos esse moleque
rouba (…) e aconteceu isso aí (…). Numa situação dessas, mira na cara. É pra
matar geral.” Essa autêntica sentença de morte, por exemplo, aparece em uma
conversa estabelecida via WhatsApp entre os integrantes de um grupo ligado à
facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Na troca de mensagens,
capturada neste ano pela Polícia Civil paulista, os marginais inicialmente
lamentam a morte de um dos seus comparsas, num tiroteio, e, na sequência,
recomendam assassinar os policiais que participaram da ação. Isso mostra como o
aplicativo está se tornando a ferramenta predileta da bandidagem.
Sentindo-se seguros e blindados,
os delinquentes nos ambientes digitais estão explorando o mesmo escudo protetor
que as empresas dispensam aos seus usuários honestos. Quando a Justiça
solicita, por meio de mandados, que as proprietárias dos serviços forneçam
informações que possam levar à captura de traficantes de drogas e armas ou
mesmo pedófilos, depara com uma posição intransigente de recusa. Para os
gigantes da web, o fundamental é resguardar a privacidade do cliente. Pouco
importa se esse “cliente” é um criminoso. Defende o americano Mark Khan,
advogado-geral do WhatsApp: “Priorizamos nossos usuários. Por isso, adotamos
sistemas cada vez mais avançados de proteção de dados”. Com reportagem
de Talissa Monteiro
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