O Brasil que mata seu futuro a bala Número de vítimas de homicídio entre 1 e 19 anos cresce 475% em 23 anos. Negros são mais atingidos
HOMICÍDIOS NO BRASIL
A grande maioria das vítimas é
negra. Ao final de um ano, a contagem chega a 10.520 vítimas fatais. E o mais
assustador é que no período de 1980 a 2013 este número cresceu 475%, e segue em
tendência de alta. Se analisada a taxa de homicídios por 100.000 habitantes, o
aumento foi de 426%, de 3,1 para 16,3. A Organização
das Nações Unidas (ONU) considera como epidêmicas taxas acima de 10.
Comparado com outros 85 países, o Brasil fica em 3º lugar no ranking de
homicídios de crianças e adolescentes, atrás apenas de México e El Salvador, nações
que enfrentam sérios problemas de disputa de gangues e cartéis de drogas.
Os dados estão no relatório Violência
Letal contra as Crianças e Adolescentes do Brasil, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de
Ciências Sociais (Flacso) e divulgado nesta quinta-feira. O documento, que
utiliza dados do Ministério da Saúde, mostra o retrato de um país que conseguiu
avançar em algumas áreas, mas não soube progredir em outras. As mortes por
causa natural de crianças e adolescentes, por exemplo, são um exemplo do Brasil
que andou para frente: em 1980 a taxa de mortes por causas naturais desta
parcela da população era vergonhosa, 387 por 100.000 habitantes. Já em 2013,
caiu drasticamente para 83,4, redução de 78,5%, reflexo da ampliação do sistema
de saúde pública, saneamento básico, educação e melhoria nas condições de vida
da população.
No entanto, se levados em conta
os homicídios, andamos para trás. O cenário é ainda mais preocupante se
considerado apenas a evolução dos homicídios na faixa etária dos 16 aos 17. O
aumento no período foi de 640%, de 506 em 1980 para 3.749 em 2013. Quase metade
das mortes matadas de crianças e adolescentes acontecem nesta idade. “Na
contramão da realidade, inclusive a do Brasil, onde a história recente marca
decisivos avanços na esperança de vida da população, ao observar a evolução da
violência homicida na faixa de 16 e 17 anos de idade, as previsões são sombrias
e preocupantes”, diz o relatório.
O coordenador do estudo, o
sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, critica o posicionamento do Congresso
Nacional no enfrentamento do problema: “Se as coisas continuarem nesse ritmo,
vamos precisar de mais necrotérios e não mais prisões, já que os parlamentares
só querem saber de reduzir
a maioridade penal”, lamenta o professor. As armas de fogo estiveram
presentes em 78,2% dos homicídios de crianças adolescentes de até 17 anos de
idade em 2013.
Para Julio, a disparada nestes
números só é possível devido ao processo de “naturalização e aceitação social
da violência”. Segundo ele, existe um processo de “culpabilização” das vítimas
como mecanismo para justificar as violências dirigidas “contra setores mais
vulneráveis”. “Assim como no caso do estupro frequentemente
se evoca a roupa curta da mulher, no caso dos homicídios do relatório o
adolescente que é vítima é apontado como marginal, delinquente e drogado”,
afirma.
Assim
como na população em geral, as crianças e adolescentes negros são as
principais vítimas das mortes matadas. A chance de que sejam vítimas de
homicídio é 178% maior do que a de brancos, levando em conta o tamanho das
respectivas populações. Em 2013, no conjunto da população de até 17 anos de
idade, a taxa de homicídios de brancos foi de 4,7 por 100.000, enquanto que a
de negros, 13,1. Proporcionalmente, morreram quase três vezes mais negros que
brancos.
Julio aponta ainda que o perfil
dos mortos, majoritariamente negros, moradores das periferias dos grandes
centros urbanos e com baixo grau de escolaridade são um indicativo claro de uma
ausência de políticas públicas eficazes. “Nossas políticas públicas estaduais e
federais se concentram majoritariamente na proteção da população branca,
enquanto a população negra é desassistida”, afirma o professor.
Indígenas
O relatório também traz
informações sombrias sobre a epidemia de suicídios de crianças e adolescentes indígenas. Os municípios
que aparecem nos primeiros lugares nas listas de mortalidade suicida “são
locais de amplo assentamento de comunidades indígenas, como São Gabriel da Cachoeira,
Benjamin Constant e Tabatinga, no Amazonas, e Amambai e Dourados, no Mato
Grosso do Sul”. Nesses municípios, do total de suicídios indígenas, os
suicídios na faixa de 10 a 19 anos representam entre 33,3%, em São Gabriel da
Cachoeira, e 100%, em Tacuru (MS), “uma verdadeira situação pandêmica de
suicídios de jovens indígenas”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário