por Augusto Nunes
O Brasil nasceu por engano.
Buscavam um atalho para as Índias os tripulantes das caravelas que em
abril de 1500 perderam o rumo tão espetacularmente que acabariam despencando
nos abismos do fim do mundo se não tivessem topado com o mágico mosaico de
praias com areias finas e brancas banhadas por ondas verdes ou azuis,
matas virgens e florestas do tamanho do mar, flores deslumbrantes e frutas
sumarentas, lagos plácidos e rios selvagens, peixes de água doce ou salgada,
bichos mansos de carne tenra e, melhor que tudo, aquela demasia de índia
pelada.
O Brasil balançou no berço da
safadeza. Nem imaginaram que assim seria aqueles primitivos viventes cor de
cobre, sem roupas no corpo nem pelos nas partes pudendas, os homens prontos
para trocar preciosidades por quinquilharias, as mulheres prontas para abrir o
sorriso e as pernas para qualquer forasteiro, pois os nativos praticavam
sem remorso o que só era pecado do outro lado do grande mar, e não poderiam
ser tementes a um Deus que desconheciam nem a castigos prescritos pela religião
que aqui nunca existira.
O Brasil nasceu carnavalesco. Nem
um Joãosinho Trinta em transe num terreiro de candomblé pensaria em juntar na
Sapucaí ─ como fez num porto seguro frei Henrique Soares, celebrante da
primeira missa, pelo menos é o que está no quadro famoso ─ um padre de batina
erguendo o cálice sagrado, navegantes fantasiados de soldados
medievais, marinheiros com roupa de domingo, nativos com a genitália
desnuda que séculos depois seria banida por bicheiros respeitadores dos bons
costumes e a cruz dos cristãos no convívio amistoso com arcos,
flechas e bordunas.
O Brasil balançou no berço da
maluquice. Marujos convalescentes da travessia do Atlântico, atarantados com
a visão do paraíso, decidiram que aquilo era uma ilha e deveria
chamar-se Ilha de Vera Cruz, e assim a chamaram até alguém desconfiar,
incontáveis milhas além, que era muito litoral para uma ilha só, e então
lhes pareceu sensato rebatizar o colosso ausente de todos os mapas com o nome de
Terra de Santa Cruz, porque disso ninguém duvidava: era terra aquilo que
pisavam.
O Brasil nasceu sob o signo da
preguiça. Passou a infância e a adolescência na praia, e esperou 200 anos
até criar ânimo e coragem para escalar a muralha verde que
separava a orla do planalto, e esperou mais um século antes de
aventurar-se pelos sertões ocultos pela floresta indevassada, e o esforço seria
de tal forma extenuante que ficou estabelecido que, dali por diante, tanto os
aqui nascidos quanto os vindos de fora, e todos os descendentes de uns e de
outros, sempre deixariam para amanhã o que deveriam ter feito ontem.
Tinha que dar no que deu.
Coerentemente incoerente, o Brasil parido por engano hostilizou os
civilizadores holandeses para manter-se sob o jugo do império português, o
Brasil amalucado teve como primeira e única rainha uma doida de hospício, o
Brasil safado acolheu o filho da rainha que roubou a matriz na vinda e a
colônia na volta, o Brasil preguiçoso foi o último a abolir a escravidão,
o Brasil sem pressa foi o último a virar República, o Brasil carnavalesco
transformou a própria História num tremendo samba do crioulo doido.
O cortejo dos presidentes,
ministros, senadores, deputados federais, governadores, deputados estaduais,
prefeitos e vereadores aberto em 1889 informa que a troca de regime não
mudou a essência da coisa: o Brasil republicano é o Brasil
monárquico de terno e gravata, mais voraz e mais cafajeste.
Extraordinariamente mais cafajeste, informa a paisagem do começo do século 21. Passados
500 e poucos anos, os piores tetranetos dos piores filhotes dos degredados
promoveram o grande acerto dos amorais, instalaram-se no coração do poder
e tornaram intragável a geleia geral brasileira.
Nascido e criado por devotos da
insensatez, o Brasil que teve um imperador que parecia adulto aos 5
anos de idade foi governado por um marmanjo analfabeto que sempre se portou
como moleque e agora é presidido por uma avó menos ajuizada que neto de fralda.
Com um menino sem pai nem mãe no trono, os habitantes do império da
loucura não sentiram tanto medo. Com dois sessentões no comando, os brasileiros
aprenderam o que é sentir-se sem pai nem mãe.
O início do terceiro mandato de
Lula parece uma continuação dessa biografia em miniatura do Brasil publicada no
começo do primeiro mandato de Dilma. Parece mas não é, gritam as mudanças na
paisagem ocorridas desde o julgamento do Mensalão. A crise econômica pulverizou
de vez a farsa da potência emergente inventada pelo deus dos embusteiros. Ainda
há juízes no Brasil, vem reiterando há meses o irrepreensível desempenho de
Sérgio Moro. A Polícia Federal e os procuradores federais já provaram que a
seita no poder é um viveiro de corruptos, vigaristas e incompetentes.
A Operação Lava Jato vai
clareando a face escura do país. O PT está morrendo de sem-vergonhice. Figurões
do partido trocaram o palanque pela cadeia. Logo faltará cela para tanto
bandido. A supergerente de araque já foi reduzida a ex-presidente. O fabricante
de postes agoniza nas pesquisas eleitorais. Nas ruas, nos restaurantes ou no
botequim da esquina, os indignados amplamente majoritários exigem o fim destes
tempos de tal forma infames que uma Mãe dos Ricos pôde delinquir impunemente
com o disfarce de Pai dos Pobres.
A nudez escancarada do reizinho
quase setentão confirmou que o filho de uma migrante nordestina é um
multimilionário pai de multimilionários. Multidões de crédulos vocacionais
descobriram a tapeação: o maior dos governantes desde Tomé de Souza era a
fantasia que camuflava o guloso camelô de empreiteira. Lula não demorará a
entender que desemprego cura abulia, que os truques empoeirados já não
funcionam, e que o que deveria ter sido uma aula de esperteza foi um tiro no
pé.
Ao instalar-se de novo em
Brasília, ficou mais perto de Curitiba. O início do terceiro mandato vai
antecipar a extrema-unção da Era da Canalhice.
Antes que o pai chegasse ao
poder, Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha, era monitor do zoológico de São
Paulo. Em 2004, a Telemar pagou 5 milhões de reais para associar-se ao
primogênito do presidente numa empresa de fundo de quintal. Hoje, Lulinha é
latifundiário, industrial e nada em dinheiro.
Antes que o pai acampasse no
Planalto, Luis Cláudio Lula da Silva era ajudante de preparador físico de time
de futebol. Soube-se nesta semana que o irmão de Lulinha também protagonizou um
suspeitíssimo milagre da multiplicação de pixulecos.
Agora dono de uma empresa de
marketing esportivo, embolsou 2 milhões e 400 mil reais repassados por um
escritório de advocacia interessado na aprovação de uma medida provisória que
beneficiava a indústria automobilística. Com as bênçãos de Lula, naturalmente,
a jogada deu certo.
“Sigam o dinheiro”, recomendou o
informante conhecido como Garganta Profunda aos repórteres que desvendaram o
caso Watergate. Para descobrir o tamanho real da fortuna do pai, a Polícia
Federal só precisa seguir o dinheiro dos filhos.
Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/
Nenhum comentário:
Postar um comentário