Um tiro na Lava-Jato, por Elio Gaspari
Partiu de um juiz federal uma argumentação que
compara a busca da colaboração com a Viúva às torturas
Numa
entrevista ao repórter André Guilherme Vieira, o juiz João Batista Gonçalves,
da 6ª Vara Federal de São Paulo, disse o seguinte:
“Que
diferença tem a tortura de alguém que ia para o pau de arara para fazer
confissões e a tortura de alguém que é preso e só é solto com tornozeleira
depois que aceita a delação premiada?”
Como
magistrado, ele sabe que há uma primeira diferença: a tortura é ilegal, e a
colaboração com a Justiça é um mecanismo previsto em lei.
Felizmente,
o doutor também não sabe o que é um pau de arara. Quando a tortura faz parte do
processo de investigação, uma sessão de suplícios não é tudo. O preso volta
para a cela sabendo que, a qualquer momento, poderá ser pendurado de novo no
pau de arara. Essa é outra diferença, tenebrosa.
Em 2009,
a empreiteira Camargo Corrêa foi apanhada pela Operação Castelo de Areia. Era
acusada de aspergir propinas em troca de contratos. Deu em nada. Na Lava-Jato,
o presidente da Camargo foi preso e, diante das provas que havia contra ele,
fez um acordo com o Ministério Público. Não chegou a essa decisão pelo
constrangimento da prisão preventiva. Ele e todos os outros colaboraram para
reduzir as penas a que eventualmente seriam condenados. Tanto é assim que mais
de uma dezena de colaboradores fizeram acordos sem que fossem decretadas suas
prisões preventivas. Todos trocaram o risco de uma condenação a uma longa
permanência em regime fechado pela admissão de culpas e pela revelação de
esquemas criminosos. Para um réu do andar de cima, é melhor ficar de
tornozeleira na sua casa de Angra dos Reis do que temer o cotidiano de uma
penitenciária.
Entre o
fiasco judicial da Castelo de Areia e a Lava-Jato, ocorreu uma novidade: o
julgamento dos réus do mensalão. Nele, Kátia Rabelo, ex-presidente do banco
BMG, foi condenada a 16 anos de prisão e José Dirceu, o ex-chefe da Casa Civil,
foi para a penitenciária. O “efeito Papuda” mostrou que as portas dos cárceres
estavam abertas para o andar de cima e abriu o caminho para as confissões da
Lava-Jato.
Graças a
essa operação, a Camargo Corrêa fechou um acordo de leniência com o Ministério
Público e poderá se transformar numa empreiteira de obras públicas que não suja
sua marca. Coisa jamais vista desde 1549, quando Tomé de Souza desembarcou no
Brasil trazendo mestres de obras para fundar uma cidade na Baía de Todos os
Santos.
Com
quatro séculos de experiência, os interesses e costumes abalados pela Lava-Jato
defendem seus interesses. Depois de oito meses de inútil teatralidade, a CPI da
Petrobras terminou seus trabalhos. Entre as sugestões que colheu, está a de
impedir a colaboração de pessoas presas. Resta saber se esse critério valeria
para as confissões da turma do andar de baixo. A CPI foi relatada pelo deputado
Luiz Sérgio (PT-RJ).
O juiz
Gonçalves tem na sua Vara a ação penal que trata lavagem de dinheiro por
empresas de equipamentos ferroviários daquilo que se denominou Caso Alstom.
Nele investigam-se, há sete anos, contratos assinados durante governos tucanos.
Mudou de cara quando a empresa alemã Siemens passou a colaborar com o
Ministério Público de seu país. Durante a campanha eleitoral do ano passado, a
doutora Dilma referiu-se a esse escândalo: “Todos soltos”.Elio Gaspari é jornalista Fonte: http://oglobo.globo.com/opiniao/um-tiro-na-lava-jato-17832224#ixzz3pDVDM3yo
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