EM 2014, quando a Rússia anexou a península da Crimeia, ao sul da Ucrânia, a
chanceler alemã Angela Merkel definiu Vladimir Putin como “um líder que usa
métodos do século XIX no século XXI”. Em outros termos: recorre a recursos
bélicos e nacionalismo em tempo de leis e globalização. Agora, é acusado pelo
presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e pelo primeiro-ministro britânico,
Boris Johnson, de querer deflagrar “a maior guerra na Europa desde 1945”. Há
algum exagero nessa acusação, talvez não se chegue a um conflito dessa
dimensão, e mesmo com tiros já disparados sempre haverá algum espaço — mínimo
que seja — para a diplomacia. Contudo, convém sempre lembrar que o
autocrático líder russo reza pela cartilha da célebre máxima do militar
prussiano Carl von Clausewitz (1790-1831): “A guerra é a continuação da
política por outros meios”. A Rússia do neoczar vê a nação ucraniana como
extensão de sua própria e não admite o ingresso do país vizinho na Otan, a
aliança militar da Guerra Fria que se opunha ao Pacto de Varsóvia. Do outro
lado, os americanos, como em todo balé geopolítico, se alinham com a Ucrânia
para fazer valer sua influência naquela porção do planeta.
O comportamento agressivo de Putin é tudo o que o mundo menos precisava
agora, em tempos de pandemia e de extrema polarização ideológica. As guerras
começam com estrondo, mas seus efeitos não cessam num piscar de olhos, como
um disparo de pólvora — costumam ser duradouros e insidiosos. Um modo de
enxergar os danos que provocam, para além das vidas perdidas, claro, é
entendê-las do ponto de vista econômico, cujos resultados cruzam oceanos,
como peças de dominó derrubadas. Não custa lembrar que, antes mesmo da
declaração de fogo, os mercados já reagiram, com investimentos congelados e o
aumento do preço de uma série de commodities. Na terça-feira 22, o barril de
petróleo chegou a 100 dólares, o maior valor em sete anos. O custo do gás na
Europa também teve salto, na ordem de 13%. A explicação é simples: a Rússia
supre mais de um terço do gás consumido pelos europeus e boa parte dele passa
por gasodutos na Ucrânia. Pode haver outros sobressaltos, como mostra a
reportagem a partir da página 40, também como resposta às sanções que algumas
nações do Ocidente anunciam impor à Rússia.
Nesse jogo político, é importante levar em conta a teimosia de Putin. Desde a
invasão da Crimeia, há oito anos, as sanções fizeram com que os russos
perdessem 100 bilhões de dólares, arrocho insuficiente para frear os anseios
expansionistas do presidente megalômano. Tudo indica que, uma vez mais, não
haverá recuo completo — ainda que as negociações diplomáticas possam trazer
algum alívio. A questão, agora, é saber até que ponto Putin manterá a
pressão. É o caso de prestar atenção a uma declaração dúbia e irônica dita
por ele em 2005, em raciocínio inspirado em Winston Churchill sobre o
comunismo: “Aquele que não lamenta o fim da União Soviética não tem coração,
mas quem quer restaurá-la não tem cérebro”. Tal afirmação permite entender a
ambiguidade do projeto. Em seu íntimo, ele deseja uma volta aos tempos de
superpotência. Na prática, sabe que não será tão fácil. Enquanto testa os
limites do Ocidente impulsionado pela nostalgia do passado, Putin afeta o
humor e a economia globais, acrescentando doses desnecessárias de drama a
dias tão difíceis como os de agora, emoldurados pela Covid-19. Uma pena.
Boa leitura,
Mauricio Lima
Diretor de Redação de Veja
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Rubens Pontes, 99 anos, Capim Branco/MG: Excelente análise de uma conjuntura que teve início, desdobramento e parece não ter fim.
ResponderExcluirA reintegração da Ucrânia ao território físico e político da Rússia e a moderada reação ao movimento
poderá ser o teste proposto pelo presidente de um País que se coloca na posição de vítima, não de agressor.
Vale acompanhar.