quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

FAÇA AS PAZES COM O SEU MAIOR INIMIGO

Por Nanci Hass da Cruz*

Neste artigo te convido a fazer as pazes com o seu maior inimigo. Falarei sobre um dos conceitos mais importantes desenvolvidos por Carl Gustav Jung dentro da Psicologia Analítica.

Ela é composta pelo que ficou reprimido ou recalcado; também é composta de qualidades, instintos, reações que são apropriadas, além de percepções realistas e criatividade. Essas qualidades que podiam pertencer à personalidade são temidas ou são sentidas como se fossem erradas. É a parte psíquica que negamos em nós mesmos e que projetamos nos outros. E que Jung chamou de Sombra.

Olharmos para nossa própria Sombra seria como olhar nossas próprias costas, ou seja, você não a enxerga. Enxergamos a nossa sombra nos outros, neste fenômeno que chamamos de “projeção”, quando coloco no outro aquilo que é meu, mas não aceito. Tudo aquilo que negamos e guardamos dentro de nós, mas não sabemos disso. A projeção no outro faz com que o projetor enxergue no outro o que, na verdade, é sombrio nele mesmo.

A projeção acontece porque o contato com o lado sombrio da personalidade é para a consciência um contato com um         ”eu inferior”, e isso é chocante. Por isso, há resistência da consciência em reconhecer a sombra como sendo parte de sua psique.

Os conteúdos psíquicos dos quais não temos consciência aparecem de forma projetada como se realmente estivessem em conteúdos externos. A projeção acontece de forma inconsciente e não intencional. O inconsciente não faz isso de forma aleatória, mas escolhe um objeto que possa conter alguma ou muitas das características daquele que projeta. Jung fala de um ‘gancho”, objeto no qual a pessoa que faz a projeção a “pendura” como se fosse um casaco.

Excessos de amor e de ódio por algo ou alguém podem conter boas doses de projeção. A intensidade emocional em discussões acirradas dá boas pistas para percebermos a entrada em ação no palco dos desafetos dessa personagem espinhosa e nem sempre bem-vinda: a “sombra projetada”.

A Sombra é parte integrante da nossa natureza e nunca pode ser simplesmente eliminada. Uma pessoa sem sombra não é um indivíduo completo. Sendo assim, conhecer a Sombra é essencial para que ela não seja projetada nos outros.

Para alcançarmos a maturidade psicológica e avançarmos em direção à individuação, teremos em algum momento que entrar em contato com nossa Sombra. A retirada lenta e gradual das projeções é uma etapa crucial do processo analítico, mas conhecer a Sombra e conhecer o que está oculto em nós é um grande passo em direção a uma vida mais realizada.

Marie-Louise von Franz falava: “Quanto mais a pessoa se conhece e, por conseguinte, menos faz projeções sobre os outros, mais pode se relacionar consigo mesma e com as outras pessoas de maneira mais objetiva, genuína e sem ilusões. …Todo o progresso realizado na compreensão mútua e na melhora das relações entre as pessoas depende da retirada das projeções”.

Um dos objetivos da Arteterapia é a integração da personalidade: integrar o que parece inferior e que foi ficando de lado, excluído de nossa vida, para que possamos ampliar nossa experiência e assumir a responsabilidade por isso.

O ser humano sempre temeu sua própria sombra, pois nela pressente a presença de tudo que, na verdade, desejaria esquecer ou fingir que nunca existiu. Mas sem a conscientização da natureza sombria não há processo de individuação que se sustente.

Neste sentido, o indivíduo terá, invariavelmente, a companhia da Sombra em sua viagem evolutiva rumo à individuação. E terá que derrotar sem cessar seus medos e tudo o mais que o impeça de trazer à esfera da consciência o que está na periferia da psique, partindo constantemente da percepção de sua natureza sombria. A Arteterapia pode contribuir muito para isso, muitas vezes constituindo o primeiro passo no processo de admissão da presença deste atributo negativo, que pode, igualmente, se revelar positivo ao conferir intensidade à criatividade, à inspiração e a todas as emoções que envolvem o processo da criação.

A Arteterapia se utiliza das projeções feitas nas produções artísticas do paciente, onde o inconsciente se revela nos aspectos simbólicos da arte. Sua validade como instrumento de expressão e de projeção da personalidade do indivíduo é comprovada por várias pesquisas e estudos.

Em toda a sua obra, Jung enfatizou a importância dos símbolos, e um dos modos pelos quais os símbolos se expressam é através da arte, pois possui uma linguagem que vem direto do inconsciente do indivíduo – e a possibilidade de uma interação de diversas áreas e aspectos manifestos ou reprimidos, da psique da pessoa.

Com as produções artísticas, terapeuta e paciente trazem a reflexão, que é um movimento psíquico contrário ao da projeção (fora). Significa um voltar-se para dentro, um dobrar-se em si mesmo.

A pessoa não mais simplesmente descarrega suas energias para o lado externo da vida. As reações instintivas e as compulsões cedem lugar a mais liberdade. Não é o mesmo que reprimir a Sombra, mas aceitá-la, dar-lhe um outro significado através de um novo olhar. Se não reconhecermos a nossa Sombra, certamente não seremos capazes de transformá-la. Sim, é uma árdua tarefa!

Como nos diz Jung, para ter a copa livre no céu claro, temos de ter raízes profundamente agarradas à escuridão da terra.

Mas o que acontecerá se descubro, porventura, que o menor, o mais miserável de todos, o mais pobre dos mendigos, o mais insolente dos meus caluniadores, o meu inimigo, reside dentro de mim, sou eu mesmo, e precisa da esmola da minha bondade, e que eu mesmo sou o inimigo que é necessário amar?”  (Carl Gustav Jung)

Através do autoconhecimento no decorrer do processo arteterapêutico vai se integrando a Sombra. Esse aspecto sombrio e desconhecido da personalidade. Com isso, a pessoa vai diminuindo as projeções no outro e trazendo esses conteúdos antes projetados para si mesma – diminuindo conflitos exteriores onde projetava o ódio, diminuindo paixões doentias onde projetava o amor. Podendo perceber a si mesma sem culpabilizar as pessoas com quem convive. A retirada das projeções com o reconhecimento da própria Sombra é o processo desafiador da Arteterapia rumo às pazes consigo mesmo de forma criativa.

“As pessoas, quando educadas para enxergarem claramente o lado sombrio de sua própria natureza, aprendem ao mesmo tempo a compreender e amar seus semelhantes.” (Carl Gustav Jung)

https://www.fazeraqui.com.br/faca-as-pazes-com-o-seu-maior-inimigo/

Um comentário:

  1. Getúlio Bastos, médico, Pé de Serra/BA: ruzcredu inimigo não. Façamos a paz com eles o mais rápido possível reconhecendo as virtudes q eles possuam. Temos que ser habilidosos nessa hora para que ele não utilize o ego dele como instrumento

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