UFBA.
ALUNO CONDENADO À PENA DE MORTE EM 1970
Por
Theodiano Bastos
Getúlio
Bastos lança manifesto em 1971 em apoio a Theodomiro Romeiro dos Santos e
fica mais de 5 anos sem poder voltar a estudar
“Apresentei minha defesa em jornais de Salvador -
Tribuna da Bahia deu bastante destaque (A Tarde também publicou) - e na
Secretaria Geral de Cursos da UFBa, reiteradas vezes, até que - se não me falha
a memória - em 1977 retornei à Universidade”
Fiz na época
em Salvador um concurso da Petrobrás e fui bem classificado. Acho que
fiquei entre os dez primeiros. Foram chamados além desses dez e meu nome
não saiu, informa.
Durante o primeiro semestre redigi um manifesto
contra a pena de morte contra um colega da UFBA que ganhou expressiva
repercussão através do então senador Josafá Marinho que levou para ser
discutido em plenário e também o referido manifesto foi capa de alguns jornais
de Salvador e provavelmente do Jornal do Brasil, pois um repórter desse jornal
me entrevistou em Salvador.
Getúlio
Antônio da Silva Bastos formou-se em Medicina em 1986 com, 47 anos, casado e com três filhos.
Aos 80 anos, aposentado pelo INSS com pouco mais de R$ 2 mil, continua trabalhando como Médico de Família em Pé de Serra, perto de Feira de Santana.
A Faculdade de Medicina da Bahia foi a primeira do Brasil, onde nosso Pai, Ostiano Cerqueira Bastos, também se formou em 1935.
Aos 80 anos, aposentado pelo INSS com pouco mais de R$ 2 mil, continua trabalhando como Médico de Família em Pé de Serra, perto de Feira de Santana.
A Faculdade de Medicina da Bahia foi a primeira do Brasil, onde nosso Pai, Ostiano Cerqueira Bastos, também se formou em 1935.
Hoje juiz aposentado, Theodomiro Romeiro dos Santos tinha 18 anos quando foi condenado à pena capital pela morte de sargento da Aeronáutica durante regime militar.
Hoje juiz aposentado, Theodomiro Romeiro dos Santos tinha 18 anos quando foi condenado à pena capital pela morte de sargento da Aeronáutica durante regime militar.
"Fugi para não ser morto", diz Theodomiro
A TARDE, Salvador, 15/12/13 Patrícia
França
“Ex-militante do PCBR, grupo de esquerda que
defendeu a luta armada na ditadura militar, o baiano Theodomiro Romeiro fez
história ao ser o primeiro condenado à pena de morte no Brasil no período
republicano. A pena máxima lhe foi dada por ter matado um sargento da
Aeronáutica, em outubro de 1970, após ser abordado por agentes à paisana. Tinha
18 anos. Morando em Recife, Theodomiro esteve em Salvador, na última semana,
para depor na Comissão Estadual da Verdade e gravar cenas para um documentário.
A TARDE conversou com ele.Como é retornar à mesma cena (Quartel do Barbalho) onde você foi torturado?
Vejo as coisas, já há algum tempo, com um distanciamento muito grande. Identifico, vejo, rememoro, mas do ponte de vista emocional, já não me traz nenhuma angústia, nenhum tipo de abalo.
Como foi o episódio da sua prisão na avenida Vasco da Gama, em 1970?
É necessário que se tenha conhecimento de um fato. No início dos ano de 1970, no Rio de Janeiro, houve uma grande prisão de militantes do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário). Um dos principais militantes, o secretário-político Mário Alves, um baiano que foi jornalista, não reagiu à prisão e, mesmo assim, foi assassinado empalado com um cassetete dentado. A direção do partido se reuniu e decidiu, então, que os militantes deveriam reagir à prisão, porque a tortura estava institucionalizada e os militantes assassinados das formas mais cruéis.
Por isso o senhor atirou no sargento da Aeronáutica?
Eu reagi à prisão quando o DOI-CODI (órgão de repressão subordinado ao Exército) foi me prender. A prisão foi absolutamente ilegal e irregular. Eu não estava fazendo nada errado, não havia ordem de prisão. As pessoas estavam vestidas à paisano, não tinham qualquer identificação que fossem autoridades policiais nem militares. O carro também era comum. Reagi à prisão depois que verifiquei que era um grupo de agentes do DOI-CODI que estava me prendendo para me levar a uma penitenciária e me torturar;
O PCBR combateu a ditadura por meio da luta armada. Fazia assaltos a bancos. Essa ação era, de fato, necessária naquele momento?
Era, porque os partidos de esquerda não tinham condições de captar recursos legalmente, como se faz hoje. Então para financiar a guerrilha, que era a forma como se imaginava na época que a ditadura seria derrubada, era necessário buscar dinheiro de quem tinha. E quem tinha dinheiro era banqueiro, e o dinheiro estava nos bancos.
Após a prisão o senhor foi condenado à pena de morte por fuzilamento. Como recebeu essa notícia?
Foi recebida com absoluta tranquilidade por todo mundo. Não pense que é uma fanfarronice que não é. Na época, quando a ditadura queria matar alguém, matava. Matava clandestinamente, sumia com o corpo e dizia que havia tido um confronto de rua. No meu caso, eu tinha todas as atenuantes legais que uma pessoa podia ter. Eu era menor de 21 anos, e isso era um atenuante pelo Código de Processo Penal Militar. Não tinha antecedentes criminais, tinha residência, família estruturada. Então não podia, para alguém que só tem atenuantes, atribuir pena máxima, como foi meu caso.
E isso ocorreu porque?
A pressão dos militares da Aeronáutica da Bahia. Neste processo eu fui condenado à pena de morte e Paulo Pontes (preso junto com ele) foi condenado à prisão perpétua. Três meses depois esse processo chega no Supremo Tribunal Militar. Minha pena de morte é imediatamente comutada em prisão perpétua e Paulo Pontes é absolvido. Para você vê como minha pena foi desproporcional, sem nenhum tipo de consideração jurídica. Por isso tínhamos convicção de que, quando o processo chegasse ao STM, as penas seriam reduzidas e a pena de morte comutada. Por outro lado, esse caso gerou um problema de gravidade razoável para eles (militares), porque depois do AI-5 uma das primeiras campanhas de mobilização popular no País foi pela comutação da minha pena de morte.
Foram nove anos de prisão, torturas....
A tortura que sofri foi praticada dois dias na antiga delegacia da Polícia Federal, que ficava perto do Mercado Modelo. O restante ocorreu no Forte do Barbalho.
O senhor tem como identificar os seus torturadores?
Alguns. O comandante das torturas era Luiz Arthur de Carvalho, na época superintendente da Polícia Federal da Bahia e Sergipe. Ele era o chefe da tortura, o responsável pelo DOI-CODI, o cara que mandava. Ele não se sentia confortável torturando, mas mandava, supervisionava a execução da tortura o tempo todo.
E os executores?
O executor principal era o comandante da Polícia do Exército (PE) no Forte do Barbalho, o capitão gaúcho Hemetério Chaves Filho. Fui torturado por 12 dias. Havia outras pessoas que participavam, mas a identificação é mais difícil. Quando ia ser torturado, chegavam dois militares, algemavam a mão para trás e colocavam um esparadrapo bem largo vendando os olhos. Depois levavam para a sala do comando. Era o local da tortura, que fica na frente do forte, na entrada principal. É a sala do meio, que tem uma ante sala com os azulejos muito bonitos. Também tem uma cisterna onde eles praticavam afogamento. Então não tem como identificar. Mas Hemetério Chaves Filho eu vi, porque ele não fazia questão de se esconder.
E depois Na Penitenciária Lemos de Brito?
Antes, ainda no Barbalho, eu fui torturado mais uma vez por um cabo da 4ª Companhia de Guarda do Exército, chamado Dalmar Caribé. Era um lutador de Karatê muito famoso aqui na Bahia. No dia 27 de novembro, ele chegou na minha cela, eu com o joelho acabado de tanta pancada que eu tinha levado quando estava pendurado no pau-de-arara. Ele entrou com mais três pessoas, vestidos à paisano. Me cobriram de pontapé, sem dizer nada. Só queriam bater.
Mas e na Lemos Brito?
Lá fui para a Galeria F. Encontrei Rui Patterson, Carlos Sarno, Nemésio Garcia, Getúlio Gouveia, Fernando Mesquita, Airton Ferreira, irmão de Juca (ex-ministro da Cultura). Chegamos ao todo cinco: eu, Emiliano José, Paulo Pontes, Dirceu Régis Ribeiro e Wellington Freitas. Fiquei lá de janeiro de 1971 a agosto de 1979.
Porque você fugiu da Lemos Brito, quando o País já caminhava para a Anistia?
A anistia não estava aprovada ainda, mas a formatação dela já tinha sido dada pelo governo militar que estava saindo do poder. Teotônio Vilela (senador do MDB-AL, presidente da Comissão Mista que elaborou o projeto de anistia) e Cristina Tavares (deputada federal, MDB-PE) foram nos visitar na prisão para saber o que os maiores interessados na anistia queriam. Uma das questões era saber se devia ser ou não recíproca.
E qual a foi a posição de vocês?
Contra, claro. No final acabou sendo aprovado o modelo do governo que anistiava todos os torturadores e excluia os que tinham participado da luta armada, matado ou feito assalto a bancos.
Você então não seria contemplado?
Eu tinha três processos. Em dois deles não fui contemplado. No terceiro eu fui, era o processo por pertencer ao PCBR.
Mas, então, por que fugir, se a anistia era certa?
Uma notícia que Fernando Escariz (jornalista, autor do livro Porque Theodomiro fugiu) me deu numa das vezes que foi à penitenciária. Um dia, já depois da anistia, da redução das minhas penas, ele relatou que numa entrevista com Antonio Carlos Magalhães (então governador da Bahia), quando ele já falava em off com os jornalistas, um dos repórteres disse: governador, Theodomiro vai sair agora, não é? Ele respondeu: não sei, porque Theodomiro agora vai ficar sozinho na penitenciária e você sabe que penitenciária acontece muita briga de preso.... Eu tinha pedido a liberdade condicional, mas o juiz-auditor não autorizou, apesar de eu ter cumprido muito mais pena do que era necessário. Eu ia de fato ficar sozinho na prisão, porque os outros dois presos políticos que tinha na época - Paulinho Vieira, do Partidão (PCB), e Haroldo Lima, do PCdoB - iam sair com a anistia, com certeza.
O que o senhor acha que ACM quis dizer?
ACM era um fanfarrão. Ele podia estar fazendo uma fanfarronice ou divulgando informação consolidada que ele havia recebido dos órgãos de repressão. Porque além de ser fanfarrão, ele era uma pessoa que tinha ligações íntimas com a repressão.
Você temeu ser morto?
Sim, por isso fugi. Fui para a Nunciatura Apostólica (Brasília), depois fui para o México, onde passei dez dias, e depois para a França. Fiquei lá todo o período do meu exílio. Cheguei na França em 24 de dezembro de 1979 e só voltei em 5 de setembro de 1985.
Como foi sua fuga da Lemos Brito?
Com a perspectiva de ocorrer a anistia, a vigilância já não era tão rigorosa com os presos políticos. Era possível até circular na área externa, na vizinhança. Saí da penitenciária no dia 17 de agosto de 1979, por volta das seis e meia da manhã. Acordei, tomei café como de costume, e fui para a porta. Dei tchau para o guarda, e saí dizendo que ia pegar umas plantas. Eles estavam acostumados com essa nossa movimentação . No dia anterior, eu havia deixado uma muda de roupa lá fora, um óculos de metal de aro fino, dourado, que mandei fazer porque sou míope. Na penitenciária eu usava um óculos de plástico escuro com aro bem grosso. Também deixei lá fora um espelhinho e um barbeador. Assim que saí, tirei a barba e o bigode que usei nos nove anos em que estive preso, troquei a roupa de presidiário, e sai andando pela Mata Escura (bairro da periferia de Salvador onde fica a Lemos Brito). Peguei um taxi e fui até o cemitério do Campo Santo. Lá, encontrei um militante do PCBR que me levou para Ilhéus. Na Lemos Brito tive a ajuda de Haroldo Lima, que tomou as providências dentro do presídio para que minha fuga só fosse descoberta dois dias depois.
Quem foi que auxiliou na sua fuga fora do presídio?
Dois grupos de pessoas do PCBR e da Igreja Católica. Na Bahia tive ajuda do militante Renato Afonso de Carvalho, um dos dirigentes estaduais do partido, e de Bruno Maranhão e Abigail Paranhos, dirigentes nacionais do PCBR.
Qual foi exatamente o papel da Igreja Católica?
Me ajudou do ponto de vista financeiro e de estrutura para me manter na clandestinidade até eu deixar o Brasil. O principal articulador da minha fuga pela igreja foi o padre Renzo Rossi, que deu assistência a presos políticos de todo o País. Em segundo lugar, o padre jesuíta Claudio Perani. Fiquei em vários locais protegido por eles. Fiquei escondido em Vitoria da Conquista, no Mosteiro das Irmãs Beneditina, a pedido de dom Climério, bispo de Vitória. Depois fui para Bom Jesus da Lapa, na fazenda dos padres que administram o santuário de lá. Dois meses depois segui para Arraial do Cabo, município do Rio de Janeiro.
Como foi lá no Rio?
Na época, Chico Pinto (deputado federal baiano do MDB) estava articulando a "anti-candidatura" de Euler Bentes Monteiro (general que foi derrotado no colégio eleitoral contra o general João Figueiredo), que morava em São Pedro da Aldeia (município próximo a Arraial do Cabo). Chico Pinto foi contactado pelo PCBR e se dispôs a me acompanhar até a Nunciatura Apostólica quando eu chegasse em Brasília. Segui de carro para Brasília e fui para o apartamento de Chico Pinto e de Airton Soares (MDB-SP). Depois, eles me acompanharam até a Nunciatura, onde fui recebido pelo conselheiro Renato Raffaele Martino. Fiquei na Nunciatura de outubro 1979 a dezembro, quando fui para o México.
Como o senhor vê, hoje, o Brasil?
Nós vivemos numa democracia, não há dúvida nenhuma. Não há risco ponderável de retrocesso à direita. O grosso do eleitorado, hoje, é dividido entre partidos de centro esquerda, o PT, PSB , o PSDB, o PCdoB. A votação da direita é insignificante. Há extremistas de direita sim, como Jair Bolsonaro (PP-RJ). Ele é um integralista da pior qualidade, mas que não tem representatividade política nenhuma. A disputa pela hegemonia, hoje, não se dá entre direita e esquerda. Dá-se entre setores da centro-esquerda.
Então valeu a pena a luta?
Valeu muito. Amanhã você vai publicar esta matéria no seu jornal sem ninguém (censores) encher o saco. https://atarde.uol.com.br/
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