Em,
1978, encontro casual com escultor internacionalmente famoso Frans Krajcberg e atualmente residindo
em Nova Viçosa/BA, tive também o prazer de ficar conhecendo seu companheiro de
excursão pela Amazônia, especificamente o Rio Negro, o Sr. Pierre Restany,
critico de Arte famoso em Paris.
Eles
haviam chegado de uma excursão de cerca de três meses subindo o Rio Negro até a
fronteira com a Venezuela. 0 Sr. Frans Krajcberg mostrava-se visivelmente
revoltado com a devastação da floresta
amazônica para transformá-la
em pastagens para gado bovino. "É uma mistificação: para
que tanto espaço devastado para o boi?
Os índios, é um' crime o que estão fazendo com os índios na Amazônia. Criaram
degenerados. Ensinaram-lhes a utilizar a arma de fogo para caçar e como não têm
dinheiro para comprar munição estão numa situação deplorável, não sabem mais
pescar nem caçar.
Tornaram-se uns degenerados. É uma completa
mistificação", dizia em tom de revolta o escultor Krajcberg. Farei um
manifesto denunciando o que vi na Amazônia", disse.
Quanto ao Sr. Pierre Restany, disse-me que publicara sua experiência tão
logo chegue a Paris.
- 0
que e que o senhor achou de sua experiência, Sr. Pierre? - Perguntei-lhe.
-
Bem, disse-me ele, o que mudou em mim não foi somente a barba crescida que o senhor
esta vendo. Essa excursão pelo Rio Negro mudou toda a minha estrutura de
pensamento, de filosofia de vida, de concepção de tempo e espaço, o conceito de
"natura" que tinha, todo o meu modo de. pensar. - A essa altura
falava com os olhos cerrados e a cabeça apoiada na mão direita, com o ·polegar
e o indicador apertando as têmporas.
- No princípio, na primeira semana, a coisa
foi difícil. Mas a
medida que subíamos o rio e o tempo passava,
meus sentidos foram ficando mais aguçados, o olfato percebia a fragrância do
ar, das plantas, ouvia mais nítido o canto das aves, o murmúrio do ar balançando
as folhas. Mas o Rio Negro é indescritível
É um espelho; ele reflete tudo. O que os olhos veem. Não há
mosquito, quase não há peixe e muito pouca caça em suas margens. É um rio
misterioso. É uma coisa indescritível - dizia ainda com os olhos cerrados e voz
mansa e vagarosa, o Sr. Pierre Restany - Ainda me encontro como se tivesse conhecido
um outro mundo. Vocês brasileiros, não devem permitir a destruição daquele
mundo. A chuva, o vento... tudo ali é diferente.
- 0
senhor tem toda razão, senhor Pierre. Nós estamos visivelmente preocupados com
o tipo de ocupação que estão adotando para a Amazônia. Como o senhor sabe, há áreas
equivalentes a países da Europa que foram devastadas para transformar-se em
grandes fazendas de gado, utilizando o método de jogar desfolhantes nas árvores
e quando as folhas secam um pouco no chão, ateiam fogo, queimando tudo. Houve
incêndio tão grande que um astronauta em órbita terrestre ficou alarmado com o
que via, parecia que um pais inteiro pegava fogo. Depois de tudo devastado pelo
fogo, voltam a sobrevoar a área jogando semente de capim e quando o capim toma
uma certa altura soltam o gado dentro. É assim que as multinacionais e grandes empresas estão ocupando a Amazônia.
Um verdadeiro crime contra a natureza. Vão transformar tudo aquilo num deserto
em pouco tempo. Há áreas em que a
camada de solo aproveitável é tão fina, que o pisoteio de campos de
pelada viram um areal em pouco tempo, parecendo o Saara. Isso nos preocupa
muito. Como o Brasil poderá aproveitar a Amazônia sem destruí-la? Esse assunto
me preocupa muito e gostaria de ter a honra de receber cópias dos relatórios
que o senhor fará sobre essa sua viagem, inclusive do manifesto que o Sr. Frans
Krajcberg pretende lançar à Nação.
-
Mas, Sr. Krajcberg, como gostaria algum dia de percorrer o Rio Negro, em termos
de gastos, o que o senhor tem a dizer?
-
Olhe, gastei nessa viagem o equivalente a mais de uma volta ao mundo. Não há
transporte regular, parece uma colônia do Brasil, muita revolta com o
esquecimento daquilo lá. Um barco cobra uma
fortuna e um pratico só conhece determinado
trecho do rio. Dali em
diante terá de se conseguir
outro pratico. Tem trecho
com mais de 40 ilhas e ninguém sabe a direção a tomar.
É uma aventura muito difícil, mas compensa
pelo que se vê. 0 Rio Negro é algo muito misterioso e indescritível. É um
espelho; ele reflete o que seus olhos veem. Não sei o que dará, mas farei um
manifesto à Nação, denunciando o que vi, finalizou.
Fonte: livro
A PROCURA DO DESTINO, autor Theodiano Bastos https://www.amazon.com.br/dp/B01GCWLGFM
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