O Brasil está com ódio de si mesmo
“O Brasil está
irreconhecível. Nunca pensei que a incompetência casada com o delírio
ideológico promoveria este caos. Há uma mutação histórica em andamento. Não é
uma fase transitória; nos últimos 12 anos, os donos do poder estão a criar um
sinistro "espírito do tempo" que talvez seja irreversível. A velha
"esquerda" sempre foi um sarapatel de pop
A chegada do PT ao
governo reuniu em frente única os dois desvios: a aliança das oligarquias com o
patrimonialismo do Estado petista. Foi o pior cenário para o retrocesso a que
assistimos.
Antes dessa
terrível dualidade secular, a mudança de agenda do governo FHC por sorte criou
um pensamento mais "presentista", começando com o fim da inflação,
com a ideia de que a administração pública é mais importante que utopias, de
que as reformas do Estado eram fundamentais. Medidas simples, óbvias,
indutivas, tentaram nos tirar da eterna "anestesia sem cirurgia". Foi
o Plano Real que tirou 28 milhões de pessoas da pobreza e não este refrão
mentiroso que os petistas repetem sobre o Bolsa Família ou sobre o PAC
imaginário.
Foi um período
renegado pelo PT como "neoliberal" ou besteiras assim, mas deixou,
para nossa sorte, algumas migalhas progressistas.
Tudo foi ignorado e
substituído pelo pensamento voluntarista de que "sujeitos da
história" fariam uma remodelagem da realidade, de modo a fazê-la caber em
suas premissas ideológicas. Aí começou o desastre que me lembra a metáfora de
Oswald de Andrade, de que "as locomotivas estavam prontas para partir, mas
alguém torceu uma alavanca e elas partiram na direção oposta".
Isso causa não
apenas o caos administrativo com a infraestrutura morta, como também está
provocando uma mutação na psicologia e no comportamento das pessoas. O Brasil
está sendo desfigurado dentro de nossas cabeças, o imaginário nacional está se
deformando.
Há uma grande neurose
no ar. E isso nos alarma como a profecia de Lévi-Strauss de "que
chegaríamos à barbárie sem conhecer a civilização". Cenas como os 30
cadáveres ao sol no pátio do necrotério de Natal, onde os corpos são cortados
com peixeiras, fazem nossa pele mais dura e o coração mais frio. Defeitos e
doçuras do povo, que eram nossa marca, estão dando lugar a sentimentos
inesperados, dores nunca antes sentidas. Quais são os sintomas mais visíveis
desse trauma histórico?
Por exemplo, o
conceito de solidariedade natural, quase 'instintiva', está acabando. Já há uma
grande violência do povo contra si mesmo.
Garotos
decapitam outros numa prisão, ônibus são queimados por nada, com os passageiros
dentro, meninas em fogo, presos massacrados, crianças assassinadas por pais e mães,
uma revolta sem rumo, um rancor geral contra tudo. O Brasil está com ódio de si
mesmo. Cria-se um desespero de autodestruição e o País começa a se atacar.
Outro nítido efeito na cabeça das pessoas é o
fatalismo: "É assim mesmo, não tem jeito não". O fatalismo é a
aceitação da desgraça. E vêm a desesperança e a tristeza. O Brasil está triste
e envergonhado.
Outro sintoma claro
é que as instituições democráticas estão sem força, se desmoralizando, já que o
próprio governo as desrespeita. Essa fragilização da democracia traz de volta
um desejo de autoritarismo na base do "tem de botar para quebrar!".
Já vi muito chofer de táxi com saudades da ditadura.
A influência do petismo também recriou a cultura do
maniqueísmo: o mal está sempre no outro. Alguém é culpado disso tudo, ou seja,
a 'media conservadora' e a oposição.
A ausência de uma
política contra a violência e a ligação de muitos políticos com o tráfico
estimula a organização do crime, que comanda as cadeias e já demonstra uma
busca explícita do horror. A crueldade é uma nova arte incorporada em nossas
cabeças, por tudo que vemos no dia a dia dos jornais e TV. Ninguém mata mais
sem tortura. O horror está ficando aceitável, potável.
O desgoverno, os
crimes sem solução, a corrupção escancarada deixam de ser desvios da norma e
vão criando uma nova cultura: a cultura da marginalidade, a
"normalização" do crime.
Uma grande surpresa
foi a condenação da Copa. Logo por nós, brasileiros boleiros. Recusaram o 'pão
e circo' que Dilma/Lula bolaram, gastando mais de 30 bilhões em estádios para
"impressionar os imperialistas" e bajular as massas. Pelo menos isso
foi um aumento da consciência política.
Artistas e
intelectuais não sabem o que pensar - como refletir sem uma ponta de esperança?
Temos aí a "contemporaneidade" pessimista.
Cria-se uma
indiferença progressiva e vontade de fuga. Nunca vi tanta gente falando em
deixar o País e ir morar fora. As mutações mentais são visíveis: nos rostos
tristes nos ônibus abarrotados, na rápida cachaça às 6 da manha dos operários
antes de enfrentar mais um dia de inferno, nos feios, nos obesos, no desânimo
das pessoas nas ruas, no pessimismo como único assunto em mesas de bar.
Vimos em junho
passado manifestações bacanas, mas sem rumo; contra o quê? Um mal-estar
generalizado e sem clareza, logo escrachado pelos black blocs, a prova estúpida
de nosso infantilismo político.
É difícil botar a
pasta de dente para dentro do tubo. Há uma retroalimentação da esculhambação
generalizada que vai destruindo as formas de combatê-la. Tecnicamente, não
estamos equipados para resolver as deformações que se acumulam como enchentes,
como um rio sem foz.
E o pior é que, por
trás da cultura do crime e da corrupção, consolida-se a cultura da mentira, do
bolivarianismo, da preguiça incompetente e da irresponsabilidade pública.
O Brasil está
sofrendo uma mutação gravíssima e nossas cabeças também. É preciso tirar do
poder esses caras que se julgam os "sujeitos da história". Até que
são mesmo, só que de uma história suja e calamitosa.”
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