A velha política leva tudo
Por Carlos
Alberto Sardenberg
Não foi apenas o fim orquestrado da Lava-Jato. Há uma sequência de movimentos que revigoram a velha política (aqui incluídos Executivo, Legislativo e Judiciário), abafam o combate à corrupção e tornam o Estado brasileiro cada vez mais ineficiente.
Começando pela Lava-Jato. A força-tarefa não
apanhou “apenas” alguns casos de corrupção. Mostrou que o sistema operacional
do Estado estava dominado por diversos “quadrilhões” — associações de
políticos, empresários, advogados e, sim, membros do Judiciário —, com o
objetivo de roubar o setor público e distribuir o dinheiro entre eles,
estivessem na esquerda, no centro ou na direita.
Dizem que a Lava-Jato exagerou, que a dupla Sergio
Moro e Deltan Dallagnol não poderia ter mantido aquelas conversas hackeadas;
que, em busca de mais eficiência, romperam os limites do devido processo legal.
É verdade que os dois não agiram pelas vias ditas
ortodoxas em Brasília. Mas o que eram, e continuam a ser, agora reforçadas, as
vias ortodoxas? São os caminhos tortuosos dos tribunais para anular processos,
não pela prova da inocência dos réus, mas pelo tempo de prescrição e supostos
equívocos formais.
O que é pior, o ativismo da Lava-Jato ou os
conchavos brasilienses entre políticos, advogados e juízes? Encontram-se nas
festas de casamento, são compadres entre si, almoçam e jantam nos bons
restaurantes — à custa de dinheiro público — e promovem os filhos nas suas
carreiras. Deputado filho de deputado, advogado filho de juiz, que facilita a
prática dos “embargos auriculares”. Uma conversinha entre um uísque e outro.
Dia desses, um ministro de corte superior me disse
que poderia perfeitamente frequentar essa corte brasiliense e julgar com a
devida isenção os seus participantes.
Não pode, é claro. Assim como um filho de juiz
simplesmente não pode advogar na corte do pai. Quer dizer, não poderia, mas
advoga e ganha bem.
Como a Lava-Jato poderia ganhar disso? Utilizando
os métodos modernos de combate à corrupção, usados em todo o mundo civilizado,
que consistem em reunir polícia, Receita e Ministério Público, investigando e
trocando informações, inclusive com os juízes do caso e — por que não?
—partilhando com a imprensa, vale dizer, com o público.
Tem algum inocente posto na cadeia pela Lava-Jato?
Mas tem culpado sendo libertado pelos métodos transversos da velha ortodoxia. O
triplex e o sítio não existiram? Isso não importa. Importa desqualificar o
processo e o juiz.
E, assim, parece normal que deputado processado em
dois casos no STF se eleja presidente da Câmara. Numa das denúncias, correndo
na Primeira Turma, já há maioria para aceitá-la. Mas tudo parou por um pedido
de vista do ministro Dias Toffoli.
A nova direção do Congresso diz estar alinhada com
Bolsonaro na agenda vacina, reformas e privatização. A agenda deveria ser essa
mesmo. Mas não é. A verdadeira inclui: auxílio emergencial, mas sem tirar
dinheiro de outros setores, especialmente da elite do funcionalismo e da
política, fim da prisão em segunda instância, liquidação da ficha limpa e juiz
de garantias, para atrasar ainda mais os processos.
Outro dia, o deputado Ricardo Barros, líder do
governo Bolsonaro, disse que a prisão em segunda instância nunca existiu no
Brasil e que foi um casuísmo para tirar Lula da disputa presidencial. Duplo
erro: a prisão em segunda instância era regra. Eliminá-la foi a exceção de
alguns anos. E Lula foi afastado por ser ficha-suja.
Será que o líder não sabe mesmo ou está aí para
confundir o público?
Esse pessoal acha que enunciar a agenda é o
suficiente. Muita gente nos meios econômicos acredita ou finge acreditar. Mas,
sem a pressão da sociedade, da imprensa livre e independente, dos políticos e
agentes públicos do bem, vamos continuar com vacina de menos e ineficiência de
mais. https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/velha-politica-leva-tudo.html