“A crise na segurança pública do Rio de Janeiro teve um novo capítulo na tarde de 23 de outubro, com o ataque de criminosos a 35 ônibus e um trem, todos incendiados.
A polícia atribuiu os atos a
um protesto de criminosos contra a morte de um miliciano em ação da Polícia
Civil naquele mesmo dia.
Segundo especialistas
entrevistados pela BBC News Brasil, os acontecimentos têm relação com
atividades de milícias em áreas pobres e com mudanças recentes na geografia e
no comportamento do
crime organizado no território fluminense.
Grupos paramilitares
originalmente criados por policiais, as milícias dominam dezenas de comunidades
nas zonas oeste e norte da capital, além da Baixada Fluminense e em cidades da
região leste do Estado, como São Gonçalo e Itaboraí.
Em anos recentes, alguns
desses grupos racharam e se associaram ao tráfico, o que mudou inclusive sua
forma de agir. O ataque violento contra o transporte público – o maior de que
se tem notícia no Estado – era prática comum de traficantes, não de milicianos,
observam pesquisadores do setor.
"A milícia mudou",
explica o coronel da reserva da Polícia Militar Robson Rodrigues, que foi chefe
do Estado-Maior da corporação e coordenador das Unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs) e é doutor em ciências sociais e pesquisador do Laboratório
de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LAV-UERJ).
"O Comando Vermelho
mudou, a milícia mudou, e um grupo começou a absorver o aprendizado e técnicas
e estratégias do outro", afirma.
"Então, você vê a
milícia hoje traficando, se envolvendo com operações, e o tráfico de drogas se
envolvendo na exploração de serviços e explorando a população. Hoje tem
uma linha que separa essas duas fronteiras, mas elas diminuíram”,
prossegue o pesquisador.
Proximidade com poder favorece milícias em disputa por
territórios no Rio, diz pesquisador25 outubro 2023
Um dos pontos criticados por
pesquisadores foi o fim da Secretaria de Segurança (Seseg), no início de 2019,
por iniciativa do então governador Wilson Witzel (PSC). A medida foi mantida
por seu sucessor, o atual governador, Cláudio Castro (PL).
Por meio de sua assessoria,
Castro afirmou à BBC News Brasil que atribuir ao fim da Seseg a atual crise é
uma "análise rasa". Leia no fim desta reportagem a íntegra das
declarações de Castro à BBC News Brasil sobre as críticas feitas por especialistas
nesta reportagem.
Com base em entrevistas com
especialistas, a BBC News Brasil elaborou perguntas e respostas que ajudam a
explicar o novo cenário da violência no Rio.
Cerca de 4,4 milhões de pessoas vivem em território controlado pelo
crime organizado no Rio, segundo o Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de
Janeiro.
Especialistas em segurança
pública criticam a medida, que teria desmantelado políticas de planejamento e
de metas e levado as polícias de volta ao passado.
Segundo eles, hoje as
corporações estão isoladas e trabalham em operações com foco na
"visibilidade". São, dizem, incursões espetaculosas em comunidades,
por exemplo, mas que têm pouco resultado por não abalarem a estrutura do crime
organizado, segundo pesquisadores da área de segurança.
“Houve muito retrocesso, ou
seja, (uma volta) às muitas formas antigas que já foram adotadas anteriormente
e não deram certo”, diz Rodrigues.
Ele afirma ainda que faltam
investimentos na reforma do aparato policial e na eficiência das corporações.
Jacqueline Muniz,
antropóloga e professora de Segurança Pública na Universidade Federal
Fluminense (UFF), tem crítica semelhante.
"Ninguém faz polícia,
foi todo mundo fazer operação, porque fazer operação é a única dimensão visível
que o cidadão desesperado por segurança reconhece", explica ela. “É algo
que dá poder, prestígio.”
2. Quais acontecimentos antecederam os ataques a ônibus na semana
passada?
O ataque que resultou no
incêndio de 35 ônibus e um trem em oito bairros do Rio de Janeiro na semana
passada foi o ponto culminante de uma sequência de episódios especialmente
violentos na cidade ao longo dos últimos 30 dias.
Em 24 de setembro, o
programa Fantástico, da Rede Globo, exibiu imagens de traficantes recebendo
treinamento militar com fuzis em uma área de lazer no Complexo da Maré,
conjunto de favelas na zona norte carioca.
Três dias depois, ladrões
lançaram uma granada contra um ônibus, após assaltarem seus passageiros, na
Avenida Brasil, na altura de Barros Filho, na zona norte. Três pessoas ficaram
feridas.
Uma semana depois, na
madrugada de 5 de outubro, quatro médicos que bebiam cerveja em um quiosque em
frente ao Hotel Windsor, na Barra da Tijuca, foram
atacados a tiros por desconhecidos que chegaram em um carro.
Três deles morreram.
O motivo, para policiais,
foi a semelhança física de uma das vítimas com um criminoso rival dos
atiradores - há uma guerra de quadrilhas pelo controle da zona oeste da cidade.
Algumas horas depois, quatro
suspeitos do crime foram encontrados mortos -, segundo a polícia, eles foram
assassinados por ordem da cúpula da quadrilha, devido ao erro que teriam
cometido.
Em 19 de outubro, quatro
policiais civis e um advogado foram presos pela Polícia Federal, acusados de
terem negociado com traficantes a liberação de 16 toneladas de maconha
apreendidas.
A negociação, segundo a
Polícia Federal, ocorreu na Cidade da Polícia, complexo de delegacias
especializadas na zona norte. Imagens do caminhão carregado com a droga,
escoltado por carros da Polícia Civil para ser entregue a traficantes em uma
favela, foram divulgadas.
Na mesma data, agentes da
Delegacia de Repressão a Entorpecentes anunciaram ter achado, em um carro vazio
na Gardênia Azul, oito das 21 armas desviadas de um arsenal do Exército, em São
Paulo. Segundo policiais, o armamento provavelmente seria usado na “guerra” da
zona oeste.
Câmera de segurança da Polícia
Militar do Rio mostra um dos ônibus incendiados na zona oeste da cidade
Um dia depois, nova operação
da PF apontou que três policiais civis e um delegado desviaram parte de uma
carga de cocaína apreendida. Os quatro foram afastados de suas funções pela
Justiça, que também ordenou que usem tornozeleiras.
A morte, em ação policial,
de Matheus da Silva Rezende, de 24 anos, conhecido como Faustão e sobrinho de
Luiz Antônio da Silva Braga, o Zinho, chefe de uma das milícias em luta pela
zona oeste, desencadeou o ataque aos meios de transporte, segundo a polícia do
Rio...”
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