No pós-eleições há a oportunidade de se
olhar no espelho, resolver seus traumas e melhorar.
O
Brasil está como uma criança em meio à separação litigiosa dos pais.
Psicanalistas
decifram um país em busca de tratamento. Um ser cindido, em quadro de psicose, com um
lado delirante e outro satisfeito com a realidade. Alguém não exatamente
desprovido de memória, mas condicionado a cultivar esquecimentos. Ou a
contrapor a fantasia do “bem total” ao “mal radical”. Estes são alguns dos
diagnósticos dados por quatro psicanalistas, baseados em São Paulo, Rio e
Salvador, em uma imaginária primeira consulta do Brasil pós-eleições. O GLOBO
pediu que eles levassem o país ao divã e todos diagnosticaram, nas conversas
editadas abaixo, um paciente partido ao meio, com traumas centenários por
resolver, mas também com oportunidade singular de se olhar no espelho e
melhorar de fato após, claro, bons anos de terapia.
‘O amor é a chave para superar nossas
diferenças’
Vera Iaconelli, doutora em psicologia pela USP e
diretora do Instituto Gerar de Psicanálise
‘O país é uma criança com os pais se
separando’
Christian Dunker, psicanalista e professor do
Instituto de Psicologia da USP
O paciente chega tal qual uma criança, desorientada
após a separação litigiosa dos pais, com dois discursos opostos e convocada a
tomar partido quando deseja os pais unidos pois, crê, todos ganharão com isso.
Ela, no entanto, desconhece as razões mais profundas do conflito.
É central perceber onde o Brasil errou. Mas a
retomada só será possível após se superar a convicção delirante de que quem
errou foi o outro, posição egoica que aparece quando a raiva domina.
Uma tarefa clínica importante é deixar claro que a
situação mudou, a briga acabou e o inimigo não organiza mais quem você é.
Precisa-se passar por um período de luto, aceitar que a casa caiu para os dois
lados — quem perdeu a eleição embora convicto de que iria ganhar, mas também os
que viram metade do paciente optar por algo genocida, golpista, autossabotador.
Esta dupla derrota pode levar o paciente a não
evocar mais culpas e sim reconstruir experiências. É complicado, frequentemente
se recusa tamanho trabalho, mas aí entra-se em melancolia, depressão.
O luto recusado traz respostas violentas. O
conflito evolui a tal ponto que nos sentimos impotentes, entramos em estado
demissionário. Vivemos um momento pós-traumático de neurose de guerra
discursiva, sanitária, política. E o paciente pode chegar desconfiado,
angustiado e com dificuldade para se envolver novamente justamente quando mais
precisa de novos projetos.
O Brasil tem
que aprender a desejar de novo, a mirar novos horizontes, a não apenas fugir do
desprazer mas ser capaz de amar novamente. Não vai ser fácil, mas só assim
conseguiremos crescer.
SAIBA MAIS EM: https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2022/11/o-brasil-no-diva-psicanalistas-decifram-um-pais-dividido-e-em-busca-de-tratamento.ghtml
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