Quais os rumos do País? por Fernando Henrique
Cardoso
Se
não organizarmos já um polo democrático, podemos ver no poder quem não sabe
usá-lo
Quando ainda estava na
Presidência, eu dizia que o Brasil precisava ter rumos e tratava de apontá-los.
Nesta quadra tormentosa do mundo, cheia de dificuldades internas, sente-se a falta
que faz ver os rumos que tomaremos.
Com o fim da guerra fria,
simbolizado pela queda do Muro de Berlim, em 1989, tornou-se visível o
predomínio dos Estados Unidos. Desde antes do final da guerra fria, por
paradoxal que pareça, em pleno governo Nixon – do qual Henry Kissinger era o
grande estrategista – começou uma aproximação do mundo ocidental com a China.
Com a morte de Mao Tsé-tung e a ascensão de Deng Xiaoping, os chineses
puseram-se a introduzir reformas econômicas. Iniciaram assim, ao final dos anos
1970, um período de extraordinário crescimento. A partir da virada do século
passado, o peso cada vez maior da China na economia global tornou-se evidente.
No plano geopolítico, porém, os chineses buscaram deliberadamente uma ascensão
pacífica, escapando à “armadilha de Tucídides” (a de que haverá guerra sempre
que uma nova potência tentar deslocar a dominante).
Enquanto a China não mostrava
todo o seu potencial econômico e político, tinha-se a impressão de que o mundo
havia encontrado um equilíbrio duradouro, sob a Pax Americana. A Europa se
integrava, os Estados Unidos e boa parte da América Latina se beneficiavam do
comércio com a China e a África aos poucos passava a consolidar a formação de
seus Estados nacionais. As antigas superpotências, Alemanha e Japão, desde o
fim da 2.ª Guerra Mundial haviam adotado a “visão democrático-ocidental”. No
início do século 21 apenas a antiga União Soviética, transmutada em República
Russa, ainda era objeto de receios militares por parte das alianças entre os países
que formaram a Otan. Como ponto de inquietação restava o mundo árabe-muçulmano.
Na atualidade, o quadro internacional é bem
diferente. Com a “diplomacia” adotada por Trump, a Coreia do Norte
desenvolvendo armas atômicas, as novas ambições da Rússia, as tensões nos mares
da China e o terrorismo, há temores quanto ao que virá pela frente. Os
japoneses veem mísseis atômicos coreanos passar sobre sua cabeça, os chineses
fazem-se de adormecidos, o Reino Unido sai da União Europeia, os russos
abocanham a Crimeia e os americanos vão esquecendo o Acordo Transpacífico (TPP,
ou Trans Pacific Partnership Agreement), abrindo espaço à expansão da
influência dos chineses na Ásia e deixando perplexos os sul-americanos que
faziam apostas no TPP. Também perplexos estão os mexicanos, ameaçados pela
dissolução do Nafta, outro dos alvos de Trump. A inquietação americana pode
aumentar pelas consequências da política chinesa de construir uma nova rota da
seda, ligando a China à Europa através da Ásia e do Oriente Médio, bem como
pela aproximação entre Pequim e Moscou.
É neste quadro oscilante que o Brasil precisa
definir seus rumos. Toda vez que existem fraturas entre os grandes do mundo se
abrem brechas para as “potências emergentes”. Há oportunidades para exercermos
um papel político e há caminhos econômicos que se abrem. Não estamos atados a
alianças automáticas e, a despeito de nossas crises políticas, nossos erros e
dificuldades, estamos num patamar econômico mais elevado que no tempo da guerra
fria: criamos uma agricultura moderna, somos o país mais industrializado da
América Latina e avançamos nos setores modernos de serviços, especialmente nos
de comunicação e financeiros. Podemos pesar no mundo sem arrogância, reforçando
as relações políticas e econômicas com nossos vizinhos e demais parceiros
latino-americanos.
Entretanto, nossas desigualdades gritantes são como pés de chumbo para a
formação de uma sociedade decente, condição para o exercício de qualquer
liderança. As carências na oferta de emprego, saúde, educação, moradia e
segurança pública ainda são obstáculos a superar.
Pelo que já fizemos, pelo muito que falta fazer e pelas oportunidades
que existem, há certa angústia nas pessoas. A confusão política, o descrédito
de lideranças e partidos, se expressa na falta de rumos. A opinião pública
apoia os esforços de moralização simbolizados pela Lava Jato, mas quer mais.
Quer soluções para as questões sociais básicas, e também para os desafios da
política, que precisam ser superados, caso contrário o crescimento da economia
continuará baixo e a situação social se tornará insustentável. O Congresso, por
fim, aprovou uma “lei de barreira” e o fim das coligações nas eleições
proporcionais. Foram passos tímidos, na forma como aprovados, mas importantes
para o futuro, pois levarão à redução do número de partidos, com o que se
poderá obter maior governabilidade e talvez menos corrupção.
Entretanto, quem são os líderes com a lanterna na proa, e não na popa? A
crer nas pesquisas de opinião, os políticos mais cotados para vencer as eleições
em 2018 mais parecem um repeteco do que inovação, embora haja entre alguns que
estão na rabeira das pesquisas quem possa ter posições mais condizentes com o
momento. E boas novidades podem emergir. Alguns dos que estão à frente ainda
insistem em suas glórias passadas para que nos esqueçamos de seus tormentos
recentes, e pouco dizem sobre como farão para alcançar no futuro os objetivos
que eventualmente venham a propor.
Se não organizarmos
rapidamente um polo democrático (contra a direita política, que mostra suas
garras), que não insista em “utopias regressivas” (como faz boa parte das
esquerdas), que entenda que o mundo contemporâneo tem base técnico-científica
em crescimento exponencial e exige, portanto, educação de qualidade, que seja
popular, e não populista, que fale de forma simples e direta dos assuntos da
vida cotidiana das pessoas, corremos o risco de ver no poder quem dele não sabe
fazer uso ou o faz para proveito próprio. E nos arriscamos a perder as
oportunidades que a História nos está abrindo para ter rumo definido. Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/
08/09/17
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