O recebimento, pelo juiz Sérgio
Moro, da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se torna réu pela segunda vez na
Operação Lava Jato, agora pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de
dinheiro, é um marco e pode representar um divisor de águas nas investigações
do maior escândalo da história da República.
Segundo Moro, estão “presentes
indícios suficientes de autoria e materialidade” para o acolhimento da denúncia
contra Lula, a ex-primeira-dama Marisa Letícia, o presidente do Instituto Lula,
Paulo Okamotto, e ex-dirigentes e executivos da OAS. O MPF aponta que o
ex-presidente teria sido o beneficiário direto de quase R$ 4 milhões em propina
paga pela empreiteira e proveniente de contratos da Petrobras. O dinheiro teria
sido destinado à reforma de um tríplex no Guarujá (SP), além do transporte e
armazenamento de bens pessoais de Lula após o encerramento de seu governo.
Ao fim e ao cabo, ao contrário do
que alguns mais precipitados imaginavam, a denúncia formulada pelo MPF foi
minuciosa e estritamente fundamentada em provas e indícios que permitiram aos
procuradores, além de denunciar Lula por corrupção e lavagem de dinheiro,
apontá-lo como o “comandante máximo” de uma engrenagem didaticamente batizada
de “propinocracia”. Os investigadores concluíram, em suma, que o grande líder
do PT teria chefiado a organização criminosa que assaltou a Petrobras nos
últimos 13 anos.
O MPF não foi “midiático”,
“espetaculoso” nem apelou à “pirotecnia”. É preciso compreender a dimensão do
acontecimento político em curso: tratou-se de uma denúncia contra um
ex-presidente da República, o que por si só justifica a decisão dos
procuradores de explicar detalhadamente à sociedade o que se passava. A
força-tarefa da Lava Jato não poderia apresentar a denúncia como algo de menor
importância, simplesmente seguindo o protocolo-padrão. Como pano de fundo,
afinal, há uma disputa que é também política e um embate no campo da
comunicação – e é preciso enfrentá-lo sem que se deixe de seguir todos os ritos
processuais e a legislação.
A presença de Lula no banco
dos réus em Curitiba – ele também responde na Justiça Federal de Brasília pela
suposta tentativa de obstruir as investigações da Lava Jato – passa a integrar
aquilo que venho chamando de marcha da sensatez em curso no Brasil nos últimos
meses. Entre as conquistas desse período, estão o impeachment de Dilma Rousseff
por crimes de responsabilidade, a posse do presidente Michel Temer em respeito
ao que determina a Constituição e a cassação de Eduardo Cunha pela Câmara dos Deputados.
Nesta caminhada em direção
a um país mais ético, o Congresso ainda se debruçará sobre as dez medidas
contra a corrupção apresentadas pelo MPF em forma de um projeto de lei que
conta com o apoio dos brasileiros. É importante rechaçar qualquer tentativa de
anista ao crime de caixa 2 eleitoral, como chegou a se especular em decorrência
da desastrada tentativa de votação, pela Câmara, de um substitutivo ao PL
1210/2007 nesta semana. A tipificação penal do caixa 2 já consta daquele
conjunto de medidas e certamente será votada. Não há, no horizonte, nenhuma
perspectiva de aprovação de qualquer anistia.
Voltando a Lula, cabe a todos nós
acompanharmos o desenrolar do inquérito que comprovará se a “alma mais honesta”
do país – como o próprio chegou a se autodefinir recentemente – praticou os
crimes de que é acusado. Os indícios e elementos presentes na peça acusatória
aceita por Sérgio Moro são consistentes. Independentemente do desfecho do
processo, os brasileiros têm muito a comemorar, especialmente quanto à
vitalidade e o bom funcionamento de instituições como o Ministério Público, a
Polícia Federal, o Poder Judiciário, além de uma imprensa livre e independente.
Neste novo Brasil, felizmente, ninguém está acima da lei. Nem aquele que sempre
se julgou inimputável, mas teve de descer do palanque direto para o banco dos
réus.
Roberto Freire é deputado
federal por São Paulo e presidente nacional do PPSFonte: http://diariodopoder.com.br/ 24/09/16
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