Num processo de mistificação do passado a serviço
da corrupção do presente, a doutora confundiu o STF com o DOI
Elio
Gaspari, O Globo 01/07/2015
Um dos
enigmas do comportamento político de Dilma Rousseff está na sua capacidade de
viver numa realidade própria. É a essa característica que se deve atribuir
parte do descrédito que acompanha sua administração. Diz uma coisa, faz outra e
vai em frente. Recuando quase meio século na história do país para manipular os
desdobramentos da Operação Lava-Jato, a doutora afirmou o seguinte:
“Eu não
respeito delator, até porque estive presa na ditadura militar e sei o que é.
Tentaram me transformar numa delatora. A ditadura fazia isso com as pessoas
presas e garanto a vocês que resisti bravamente”.
Mistificando
o presente, associou o comportamento de quem passa pela carceragem de Curitiba
com o dos presos do DOI durante a ditadura. Seu paralelo ofende o Ministério
Público, o Judiciário e o Supremo Tribunal Federal, que homologa cada um dos
acordos onde estão as confissões. Nenhum preso da Lava-Jato passou por qualquer
constrangimento físico. Até agora, todos os atos praticados pelos
investigadores respeitaram o devido processo legal.
Deixando-se
essa questão de lado, o que não é pouca coisa, vai-se ao coração da fala: “Eu
não respeito delator". Num lance de autoexaltação, lembrou que “resisti
bravamente". Ela sabe que o comportamento de um preso sob tortura nada tem
a ver com sua bravura. Relaciona-se apenas com o caráter do torturador e do
regime a quem ele serve. Quem fala sob tortura não é delator, é apenas um
cidadão torturado e a doutora respeita muitos deles. Dilma Rousseff, a “Wanda”
do Comando de Libertação Nacional, sabe que o “Kleber” não foi um delator. Em
1969, depois de ter sido torturado por vários dias, ele indicou para a polícia
o endereço de um aparelho da Rua Atacarambu, em Belo Horizonte, onde estavam
sete de seus companheiros. Dos milhares de presos torturados durante a
ditadura, talvez não tenham chegado a uma dezena aqueles que, livres,
continuaram colaborando com os agentes da repressão. Se os acusados que estão
colaborando com a Lava-Jato são mentirosos, não merecem respeito e seus acordos
devem ser cancelados. Insultá-los leva a lugar nenhum.
Misturar
empreiteiros milionários com militantes torturados é um truque que desmerece o
estado de direito e o regime democrático de hoje. Nas palavras de um ministro
do governo Médici, referindo-se aos presos de seu tempo, “a delação, para eles,
é o supremo opróbrio". Outro hierarca elaborou o lance seguinte: os
presos, tendo delatado, justificavam-se inventando que haviam sido torturados.
Donde, não havia tortura, mas delatores. No paralelo de Dilma não haveria
roubalheiras, mas delatores que não merecem respeito.
Há ainda
outra diferença entre os presos que eram torturados nos DOI e os que passam
pela Lava-Jato. Uns sequestravam diplomatas, assaltavam bancos e roubaram o
cofre onde a namorada de um ex-governador de São Paulo guardava dois milhões de
dólares, parte dos quais vindos de empreiteiras. Seus alvos faziam parte do
arco de interesses que todos, inclusive a doutora, pretendiam destruir. Nenhum
deles pensava em aumentar seu patrimônio. Os empreiteiros da Lava-Jato buscavam
o enriquecimento pessoal e o PT enfiou-se nesse mundo de pixulecos porque quis.
Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com
01/07/15
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Há sete
meses e meio, candidata à reeleição, Dilma vangloriou-se de ter sancionado a
lei 12.850/2013, que regulamentou a colaboração de criminosos com a Justiça.Num debate presidencial em que mediu forças com o então antagonista tucano Aécio Neves, em 14 de outubro de 2014, Dilma citou a delação com outro propósito — um propósito autopromocional. Postulante à reeleição, Dilma disse, diante das câmeras da TV Bandeirantes, ter mudado a realidade que potencializava a impunidade no Brasil.
“Quero lembrar que duas leis, aprovadas no meu governo, no ano passado, dão base para esse processo de investigação da Petrobras”, jactou-se Dilma. “A primeira: a lei 12.830, que garante a independência do delegado. […] A outra, que regulamentou justamente a delação premiada, a 12.850.”
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