O jurista Ives Gandra da Silva Martins avalia que a
‘consequência prática’ da decisão assinada nesta quarta, 6/9, pelo ministro
Dias Toffoli – classificando como ‘um dos maiores erros judiciários da
história’ a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato – será
uma eventual punição aos expoentes da Operação, o senador e ex-juiz Sérgio Moro
e o ex-procurador e ex-deputado Deltan Dallagnol.
Mais que uma responsabilização dos algozes de Lula,
a decisão de Toffoli, na avaliação de Ives Gandra, poderá provocar o surgimento
de um ‘efeito cascata’ que cairá na conta do contribuinte. Ele se refere às
empreiteiras que formaram cartel para abocanhar contratos bilionários na
Petrobrás entre 2003 e 2014 (Governos Lula e Dilma). Por meio de acordos de
leniência, entre elas o da Odebrecht, essas construtoras recolheram cifras
elevadas aos cofres públicos. Agora, no entendimento de Ives, com embasamento
na decisão de Toffoli, elas podem requerer eventual devolução do dinheiro.
Em seu despacho, Toffoli anulou as provas derivadas
do acordo de leniência da Odebrecht. O real impacto sobre a decisão do ministro
ainda não está claro e deve depender da fundamentação das decisões dos juízes
de primeiro grau que citaram as informações ligadas ao ‘departamento de
propinas’ da empreiteira.
“Tenho a sensação que essa decisão vai ter
consequências”, alerta Ives, em entrevista ao Estadão. “Tenho impressão que as
próprias empresas que foram obrigadas a devolver dinheiro têm direito a
indenização por danos morais, em razão da desmoralização, do prejuízo.”
“No momento que fica tudo anulado as empresas podem
pedir a devolução do dinheiro (pago via acordo) e até anulação de multas
aplicadas, além de interromperem pagamentos futuros. As consequências dessa
decisão são de que tudo é imprestável, aquilo não aconteceu”, ressaltou.
Ives Granda destaca ‘respeito’ ao despacho do
ministro do STF, mas faz um questionamento enfático, ao lembrar que, após a
sentença aplicada pelo então juiz Sérgio Moro (na época titular da 13.ª Vara
Criminal Federal de Curitiba), condenando Lula no caso triplex, também três
desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4, o Tribunal
da Lava Jato, em Porto Alegre) e ministros do Superior Tribunal de Justiça
confirmaram a punição ao petista e nunca levantaram nenhuma dúvida sobre as
provas reunidas nos autos.
“Será que todos os desembargadores e ministros,
quando examinaram aquelas provas, não perceberam isso (alguma
irregularidade?)”, argumenta Ives.
O jurista pondera que a decisão de Toffoli ‘é mais
para não permitir mais que se argumente que ele foi absolvido por prescrição e
não absolvido dos crimes’.
“Toffoli entendeu que todas aquelas provas estariam
prejudicadas. Ao dizer isso, ele diz o seguinte: não só ele (Lula) foi
absolvido porque houve a mudança de foro e o processo estava viciado, mas
porque essas provas são inexistentes, inválidas. A essa altura, o que o Toffoli
decidiu é que Lula não só foi absolvido por prescrição, mas foi absolvido
porque os crimes não existiram, aquilo realmente não existiu”, indica.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista
do jurista Ives Gandra da Silva Martins ao jornal O Estado de São Paulo, nesta
quinta-feira, 7.
Como
o sr. vê a decisão do ministro Dias Toffoli?
Um pouco do histórico para que se possa entender a
linha que se está adotando. Houve a Operação Lava Jato. O Mensalão e o Petrolão
existiram, são fatos incontestáveis. O Petrolão, o Supremo veio a decidir
depois de três desembargadores do TRF-4 e ministros do STJ entenderem que
aquelas provas, delações premiadas teriam que ser aceitas e os políticos
condenados. Dessa forma, o ministro Edson Fachin, em uma primeira etapa, em
embargos de declaração – que pode ser feito até por um não advogado –
considerou que o foro era incompetente e aquelas decisões não poderiam valer.
Logo em seguida, em outro recurso – os advogados
souberam explorar todas as possibilidades de recursos – o entendimento,
seguindo o voto do ministro Gilmar Mendes, foi o de que todo o processo teria
sido viciado com a suspeição do juiz Sérgio Moro. Por essa razão anulou-se o
processo. Tanto a decisão do Fachin como a do Gilmar mostrando as
irregularidades que teriam havido na 13.ª Vara Federal de Curitiba (sob
titularidade de Sérgio Moro) quando o Lula foi condenado. Mais tarde, o
ministro Ricardo Lewandowski proibiu a utilização das provas de corrupção.
No
caso triplex havia provas?
A sentença que foi dada no caso do tríplex tem 230
páginas. Então, há bastante provas materiais colocadas entre depoimentos,
testemunhas e fotografias. Mas o ministro Gilmar entendeu que o processo foi
prejudicado pela forma como o Ministério Público (força-tarefa da Lava Jato na
Procuradoria da República no Paraná) e oe o juiz (Moro) trabalharam juntos.
Ricardo Lewandowski não permitiu a utilização das provas, considerando que o
processo foi prejudicado por essas irregularidades. E Fachin tinha liberado o habeas
corpus apresentado por Zanin.
Os processos foram se extinguindo por prescrição,
por causa da idade do Lula e da duração (do processo), o que representou, em
última análise, uma permanência das provas que não puderam ser utilizadas. A
absolvição de Lula se deu por decurso de prazo, pela impunibilidade.
Em
seu entendimento, o que Toffoli fez agora?
O que fez o Toffoli agora: ele entendeu que todas
aquelas provas estariam prejudicadas. Então, ele considera que tudo foi ilegal,
inclusive aquelas denúncias de delações premiadas. Ele quer dizer: não só ele
(Lula) foi absolvido porque houve a mudança de foro e o processo estava
viciado, mas também porque essas provas são inexistentes, inválidas. A essa
altura, o que o Toffoli decidiu é que Lula não só foi absolvido por prescrição,
mas porque os crimes não existiram, aquilo realmente não existiu.
O
que a decisão representa?
O que fica é saber: será que todos os
desembargadores (TRF-4) e ministros (STJ), quando examinaram aquelas provas,
não perceberam isso (irregularidades)? Pessoalmente não posso opinar, não tive
materialmente o processo, mas posso dizer que o julgamento do TRF-4 me
impressiona muito. Respeito muito a decisão do ministro Dias Toffoli. É uma
decisão de 131 páginas dentro das linhas que o STF tomou, mas do ponto de vista
de julgamento exclusivamente jurídico e material daquilo que ocorreu, me
impressiona muito o julgamento do TRF-4, porque são desembargadores
extremamente dedicados, juristas, pelos quais tenho admiração. E lá eles
aumentaram as penas do presidente, acharam que as penas, pelo material que eles
examinaram, deviasm ser aumentadas.
Apesar de respeitar a decisão de Toffoli considero
tão importante a decisão do TRF-4, pelo aumento da pena, conhecendo a qualidade
dos desembargadores. Aquele julgamento (do TRF-4), para mim, foi emblemático no
caso. Apesar dos argumentos do ministro e do nosso respeito mútuo, me parece
mais consistente a posição dos três desembargadores do TRF-4 que aumentaram a
pena do presidente Lula. Essa decisão do ministro é mais uma decisão para não
permitir que se argumente contra o presidente Lula, que ele foi absolvido por
prescrição e não absolvido dos crimes.
Como
fica a situação de Moro e Deltan?
Agora vão punir Moro, Dallagnol e o Ministério
Público. Foi criado um grupo para isso (na Advocacia-Geral da União), porque na
verdade Lula já está absolvido. Respeito a decisão do ministro, mas considero
emblemática a decisão do TRF-4 pela qualidade e conformidade da decisão tomada.
Espero que isso não reverta contra toda a Lava Jato, que foi considerada a
maior Operação de combate à corrupção da história do Brasil.
Quais
os possíveis impactos do despacho de Toffoli?
Tenho a sensação que essa decisão vai ter
consequências. Tenho impressão que as próprias empresas que foram obrigadas a
devolver dinheiro têm direito a indenização da União por danos, em razão da
desmoralização, do prejuízo. Pode gerar um efeito de redução da Operação Lava
Jato, mas todos aqueles que foram prejudicados com a decisão passam a ter
direito de entrar com ação contra a União pedindo não só a devolução de valores
como por prejuízos decorrentes às imagens. No momento que fica tudo anulado (as
empresas) podem pedir a devolução do dinheiro, até anulação de multas aplicadas
e, ainda, interromperem pagamentos (futuros). As consequências dessa decisão
são de que tudo é imprestável, aquilo não aconteceu. A meu ver, a decisão do
ministro Toffoli, na linha do que já havia sido tomado pelo Supremo, gera aos
prejudicados direitos de indenização pelo governo federal. Reabre-se uma
questão que, bem ou mal, havia sido solucionada pelo STF. Eu não estou
condenando a decisão do ministro Toffoli, que está na linha que o STF adotou,
que vai cada vez mais na linha de mostrar que o presidente Lula foi absolvido.
Mas as consequências que isso traz, para o próprio Moro, é um senador que deve
acabar investigado pelo grupo criado pela AGU.
O
sr. prevê um efeito cascata?
Há um efeito cascata, com certeza. E esse nível em
cascata vai na linha: houve corrupção, as provas foram anuladas, se entrarem
com pedido de indenizações e devoluções quem irá pagar será o contribuinte. A
linha de Toffoli está em linha com Fachin, Gilmar, Lewandowski e o próprio STF.
Agora se verá as consequências através daquilo que vai ser apurado. Pepita Ortega/Estadão FONTE: https://politicalivre.com.br/2023/09/decisao-de-toffoli-servira-para-punir-moro-e-deltan-pela-operacao-lava-jato-diz-ives-gandra/#gsc.tab=0