'O modelo político atual
incentiva o pior nas pessoas', diz Barroso
Ministro do STF defende reforma profunda como saída
para atrair 'os bons' à política
Como funcionaria o
semi-presidencialismo?
O presidente da República seria eleito por voto
direto e conservaria competências importantes, porém limitadas. O
primeiro-ministro é quem seria o chefe de governo e o chefe da administração.
Portanto, ele é quem tocaria o varejo da política, o dia a dia da vida do
Executivo e da administração. Se o primeiro-ministro perder a sustentação política,
ele pode ser destituído e substituído, sem que isso afete a estabilidade
institucional, porque o garantidor da estabilidade é o presidente da República. Segue a entrevista:
por Carolina
Brígido e Francisco Leali 25/08/2017
O
ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal - Ailton de
Freitas / Agência O Globo
BRASÍLIA
– O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), defende
uma reforma profunda como a única forma de atrair “os bons” para a política.
Para ele, o sistema atual incentiva o que há de pior nas pessoas. Em entrevista
ao GLOBO, Barroso declarou que a aprovação de propostas isoladas por parte do
Congresso não será suficiente provocar as mudanças necessárias e mudar o
patamar da política brasileira. O ministro aproveitou para criticar a tendência
do tribunal de rever a autorização para o cumprimento de pena depois de
condenações em segunda instância, dando aos réus o direito de permanecerem em
liberdade por mais tempo.
O
Congresso não deverá aprovar uma reforma política completa, mas mudanças
pontuais. O país precisa de uma reforma política?
O país
precisa desesperadamente de uma reforma política. Se passar a cláusula de
barreira e a proibição de coligações, nós já vamos ter feito alguns avanços.
Mas nós não vamos mudar o patamar da política no Brasil. Ela vai continuar não
representativa da sociedade e incapaz de atrair os bons, incapaz de atrair
novas vocações.
O senhor
considera que o Congresso está só preocupado com as eleições de 2018, em vez de
uma reforma política profunda?
A
característica da política é pautar-se pelas próximas eleições. Mas eu acho que
era preciso aproveitar esse momento para ir além. Todas as pessoas trazem em si
o bem e o mal. O processo civilizatório existe para reprimir o mal e
potencializar o bem. O sistema político brasileiro faz exatamente o contrário.
Portanto, é preciso que o bem, o patriotismo e o idealismo sejam capazes de
derrotar a corrupção, a mediocridade e o egoísmo.
Quem dá
as cartas hoje é o corrupto, o medíocre e o egoísta?
O modelo
incentiva o pior nas pessoas. Basta olhar os fatos. O presidente da República
em exercício (Michel Temer) foi denunciado criminalmente por corrupção passiva,
um presidente anterior (Luís Inácio Lula da Silva) foi condenado criminalmente
e um outro presidente anterior (Fernando Collor) teve a denúncia recebida esta
semana. A colaboração premiada da Odebrecht envolveu mais de 20 partidos e
muitas dezenas de políticos. A colaboração premiada da JBS envolveu mais de 20
partidos e mais de 1.500 políticos. É impossível alguém achar que esse sistema
é bom!
O senhor
considera que houve criminalização da política?
Uma coisa
é criminalizar a política. Outra é querer politizar o crime. A venda de uma
medida provisória ou pedir participação na desoneração ou num financiamento
dado pelo BNDES, pedir propina, isso não é criminalização da política. Isso é
crime mesmo! Não se deve criminalizar a política, nem se deve glamurizar o
crime. O que é errado é errado.
O
presidencialismo deveria ser atingido pela reforma política?
Eu
defendo há mais de 12 anos é o semi-presidencialismo para sistema de governo,
voto distrital misto para sistema eleitoral e cláusula de barreira e fidelidade
partidária para o sistema partidário.
Por que
seria necessário mudar o sistema de governo?
Nós
precisamos atenuar o hiper-presidencialismo brasileiro. Ele é ruim, ele segue o
pior padrão latino-americano e ele é uma usina de problemas e de crises. Nós
até passamos um período sem crises. Mas o sistema é incapaz de evitar crises ou
de absorvê-las adequadamente. Nós já vivemos o impeachment do presidente
(Fernando) Collor e o impeachment da presidente Dilma (Rousseff).
Como funcionaria o semi-presidencialismo?
O presidente da
República seria eleito por voto direto e conservaria competências importantes,
porém limitadas. O primeiro-ministro é quem seria o chefe de governo e o chefe
da administração. Portanto, ele é quem tocaria o varejo da política, o dia a
dia da vida do Executivo e da administração. Se o primeiro-ministro perder a
sustentação política, ele pode ser destituído e substituído, sem que isso afete
a estabilidade institucional, porque o garantidor da estabilidade é o
presidente da República.
Há uma
tendência do STF de mudar o entendimento sobre prisões depois de condenação em
segunda instância. O senhor concorda com essa revisão?
Eu não
estou fazendo um juízo crítico acerca da posição de ninguém, cada um vota de
acordo com o que acha que deve fazer. Agora, eu acho que permitir a execução
penal depois da condenação em segundo grau foi um passo decisivo para enfrentar
a corrupção e a criminalidade do colarinho branco no Brasil. Será um retrocesso
fazer essa mudança. É um retrocesso em favor do pacto espúrio celebrado por
parte da classe política, parte da classe empresarial e parte da burocracia
estatal.
Há
interesses por trás dessa mudança de entendimento?
O Supremo
mudou esta orientação no ano passado, em três decisões. Nada mudou na realidade
social, nem na realidade jurídica de lá para cá, para o Supremo voltar atrás.
Agora, um país em que a jurisprudência vai mudando de acordo com o réu não é um
estado de direito, é um estado de compadrio. Eu sou contra isso. A lógica de um
juiz não pode ser a lógica amigo ou inimigo. A lógica de um juiz deve ser a
lógica certo ou errado, justo ou injusto, legítimo ou ilegítimo. O Poder
Judiciário não existe para perseguir os inimigos e proteger os amigos. Um juiz
que faz favor transaciona com o que não lhe pertence.
A
eventual mudança de posição do STF afetaria a Lava-Jato?
O risco
da punição efetiva que a execução depois do segundo grau instituiu é que fez
com que muitos se oferecessem para a colaboração premiada. Se nós voltarmos ao
modelo em que não há risco de ninguém ser preso, nós vamos continuar a prender
menino pobre com cem gramas de maconha. É muito mais fácil do que prender
alguém de classe mais elevada que deu um golpe de R$ 10 milhões de desvio de
dinheiro público.
O
ministro Gilmar Mendes tem criticado o procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, e a atuação do Ministério Público nas investigações da Lava-Jato. Qual a
opinião do senhor?
O
ministro Gilmar, como qualquer pessoa, tem todo o direito à sua opinião. Eu
penso de maneira diferente. Acho que nós estamos num movimento de mudança de um
paradigma de corrupção no Brasil o Ministério Público teve um papel decisivo,
assim como parte da magistratura. O doutor Rodrigo Janot se insere numa
tradição de procuradores da República de integridade, de dedicação à causa
pública e de enfrentamento de uma elite que em grande parte se deixou
corromper.
Por que o
senhor acredita que o procurador-geral seja alvo de tantas críticas?
É porque
ele não participa do pacto de compadrio que sempre caracterizou a classe
dominante brasileira, movida pela crença de que ricos não podem ser punidos. E
foi exatamente esta crença que fez com que nós criássemos um país de ricos
delinquentes, de uma criminalidade de colarinho branco que não era alcançada
pela Justiça. E por isso criamos um país em que para onde você olha tem
corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, peculato, fraude em
licitações. Este é o preço que o país paga por um pacto de cumplicidade que foi
celebrado entre parte da classe política, parte da classe empresarial e parte
da burocracia estatal. Aqueles que se apresentaram no cenário político como os
mais quais qualificados para enfrentar esse pacto se aliaram a ele e o
aprofundaram. É por isso que aqueles que hoje se dispõem a enfrentar esta
aliança espúria pagam o preço de críticas muito severas.
O
ministro Gilmar Mendes continua se reunindo com o presidente Michel Temer, que
está denunciado, e conversando o senador Aécio Neves, que é alvo de um
inquérito do qual ele é relator. Essa conduta tem reflexo na credibilidade do
tribunal?
(Fica
sete segundos em silêncio.) Eu não vou comentar.
O
procurador-geral da República pediu a suspeição e o impedimento do ministro
Gilmar Mendes para atuar em processos de empresários da Operação Ponto Final. O
senhor acha que o tribunal deve analisar esse assunto?
Se e
quando a presidente pautar, eu votarei de acordo com a minha consciência.
Para o
senhor, o plenário deve julgar esse tema logo, ou seria melhor deixar para
outro momento, depois que os ânimos esfriassem?
Não vou
comentar.
Se o
presidente Michel Temer chamasse o senhor depois do expediente ao Palácio do
Jaburu, para um encontro fora da agenda pública, o senhor iria?
Tenho por
princípio só receber as pessoas dentro da agenda. Se houver algum motivo institucional
legítimo para eu que esteja com o presidente da República, eu estarei. Mas
dentro da minha agenda normal. Eu mais de uma vez já recusei audiência fora da
agenda.
Qual a
opinião do senhor sobre a proposta no Congresso de retomar o financiamento de
campanhas por parte de empresas?
Eu votei
contra o modelo de financiamento empresarial porque ele permitia um conjunto de
indecências políticas e de imoralidades administrativas que contrariavam a
Constituição – do tipo poder pegar dinheiro emprestado no BNDES para financiar
candidato, poder financiar três candidatos simultaneamente, e poder fazer
doação e, depois, ser contratado pela administração vencedora. Todas essas
práticas eram moralmente inaceitáveis, portanto o modelo era incompatível com a
Constituição. Fonte:
https://oglobo.globo.com/brasil/o-modelo-politico-atual-incentiva-pior-nas-pessoas-diz-barroso-21744993