J.R. Guzzo: Melhor assim
Quando o oceano de corrupção em seus dois governos
começou a vazar, Lula tinha certeza de que era capaz de andar sobre a água
Por Augusto Nunes
Publicado
na edição impressa de VEJA
Eis aí, enfim, o ex-presidente
Lula condenado a nove anos e tanto de cadeia por corrupção pela Justiça Penal
do Brasil. Está colhendo o que plantou. Depois de arruinar a própria biografia,
desmanchar com a sua conduta os mitos que criou em torno de si e aparecer na
frente do país inteiro como a pessoa que realmente é, igual ao rei nu do conto
para crianças, Lula tem agora uma selva escura pela frente. Constata, chocado,
que realmente não está acima da lei, como no fundo sempre acreditou que
estivesse. Ele sabia, naturalmente, que as coisas tinham ficado feias desde o
início das investigações da Operação Lava Jato. É claro que também sabe
exatamente o que fez, e sabe disso melhor do que ninguém. Ainda assim, confiante
na força do Brasil Velho que abraçou de corpo e alma, esse Brasil onde quem
manda não paga, achou que jamais poderia ser enfrentado por um “juizinho” do
interior do Paraná, formado na Universidade de Direito de Maringá e
desconhecido das bancas milionárias de advogados do circuito Brasília-São
Paulo-Rio de Janeiro. Sérgio quem? Sérgio Moro? Quem é esse cara para mexer com
o maior presidente que o Brasil e o mundo já viram? Quando o oceano de
corrupção em seus dois governos começou a vazar, Lula tinha certeza de que era
capaz de andar sobre a água, como Jesus Cristo ─ só que conseguia andar melhor
que ele. Com o tempo, foi vendo que não era bem assim. Depois viu que não era
nada assim. Acabou virando, em 12 de julho de 2017, o primeiro presidente da história
do Brasil a ser condenado por violar o Código Penal.
Em nenhum momento, desde o
primeiro dia de seus problemas com a Justiça Criminal, Lula preocupou-se em
apresentar uma defesa baseada em argumentação jurídica, como faz qualquer réu
acusado de um crime. Declarou, logo de cara, que era um “perseguido político”.
Achou que podia resolver o seu problema fazendo acusações contra o juiz, os
promotores e o sistema judiciário em geral, como se os réus fossem eles. Não
respondeu a nenhuma das acusações que recebeu — não com algum fato concreto ou
verificável. Imaginou que “tribunais internacionais”, por algum milagre legal,
iriam substituir Sérgio Moro e absolvê-lo dos crimes pelos quais acabou
condenado — e muita gente boa levou essa palhaçada perfeitamente a sério. Seus
advogados desrespeitaram abertamente o juízo e tentaram o tempo todo tumultuar
o andamento do processo com chicanas, provocações e muitas das piores práticas
da profissão legal. Acostumado a meter medo em tucanos, que vivem em pânico de
contrariá-lo, Lula levou um susto quando ficou cara a cara com Moro e descobriu
que não havia a menor possibilidade de assustar o moço de 44 anos que o
interrogava; chegou ao fim da audiência em estado de desmanche. Pensou, também,
que os exércitos do MST, da CUT, dos sem-teto etc. iriam encher as ruas com
multidões em sua defesa; não aconteceu nada. Cansou de repetir que só estava
sendo processado porque “eles não querem que eu ganhe as eleições de 2018”.
Eles quem? Não colou. Finalmente, deu o assunto por resolvido de uma vez
declarando que tinha “provado” a sua “inocência”. Convenceu o PT e os
militantes, mas não convenceu quem realmente precisava ser convencido — o juiz.
O Brasil fica melhor com a
condenação de Lula. Sempre é problemático dizer que alguma coisa melhorou
quando se vê o espetáculo deprimente oferecido todos os dias por uma porção tão
grande da máquina judicial brasileira — ou com a impunidade que continua a
beneficiar tantos criminosos com poder e dinheiro. O que dizer de um país em
que o procurador-geral da República, com o apoio do Supremo Tribunal Federal e
de maneira até agora inexplicável, presenteia com o perdão perpétuo um
criminoso bilionário que confessa mais de 200 crimes — uma aberração que não
tem paralelo em nenhuma sociedade civilizada? Algo está errado quando o ex-presidente
toma mais de nove anos de prisão no lombo e os Joesley desse país recebem
medalhas de honra ao mérito. Mas é fato que o Brasil, desde a sentença, ficou
mais longe da Venezuela. Na véspera, o país sonhado por Lula e pelo PT apareceu
com a sua verdadeira cara, mais uma vez, quando um amontoado de senadoras
rasgou as leis em vigor e quis proibir, com um ato de selvageria, que o Senado
votasse a reforma trabalhista. Perderam, porque a sua disposição revolucionária
durou apenas seis horas, o tempo de validade de uma quentinha. Elas e outros
tantos continuarão, é claro, tentando virar a mesa depois da condenação do
chefe — mas seu projeto, agora, vai dar mais trabalho do que gostariam. Fonte:
http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/j-r-guzzo-melhor-assim/
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