Durante quatro anos, ele repetiu que a “liberdade” deveria valer mais que a própria vida. Mas, agora, quando teria de colocar seus ideais à prova, preferiu fugir para os Estados Unidos
Depois de dois meses de silêncio, no último dia
útil do seu governo, Bolsonaro falou. Foi elíptico e evasivo sobre os temas
importantes e fugiu logo em seguida para os Estados Unidos. Foi um final
melancólico para uma aventura perigosa. A democracia brasileira sobreviveu, mas
saiu chamuscada. Ganhamos um respiro, mas o risco não foi de todo afastado.
A maior parte do pronunciamento de mais de 50
minutos foi dedicada a celebrar as realizações do governo. Mas, entre louvores
ao preço baixo dos combustíveis e à criação do Auxílio Emergencial, surgiram alertas
sobre a volta do PT e justificativas para ele não ter atendido aos radicais
acampados nos quartéis. Tudo sob uma chuva de comentários de espectadores no
YouTube pedindo intervenção militar.
Bolsonaro disse que, nestes dois meses de silêncio
estratégico, não ficou parado: “Como foi difícil ficar dois meses calado
trabalhando para buscar alternativas!”. As alternativas, sabemos pelas
movimentações noticiadas pelos jornais, foram a busca do apoio das Forças
Armadas e do Parlamento para uma ruptura autoritária.
Reunindo as menções elípticas, espalhadas pelos
discurso, dá para ter uma ideia do que ele quis dizer: “Tem gente chateada
comigo, [dizendo] que deveria ter feito alguma coisa, qualquer coisa. Mas, para
você conseguir fazer alguma coisa, mesmo nas quatro linhas, você tem que ter
apoio”. E se defendeu: “Entendo que fiz a minha parte, estou fazendo a minha
parte. Agora, certas medidas têm que ter apoio do Parlamento, de alguns do
Supremo, de outros órgãos e instituições”.
Bolsonaro quis atender aos golpistas acampados nos
quartéis, mas simplesmente não conseguiu apoio. “Não posso fazer algo que não
seja bem feito e que, assim, os efeitos colaterais sejam danosos demais”,
concluiu. Bolsonaro não teve ou não conseguiu criar as condições para cumprir seus
propósitos autoritários. Mas tentou. Enfrentou, porém, a resistência firme da
sociedade civil e da imprensa séria.
Enfrentou também a resistência do Parlamento,
principalmente quando esteve sob a liderança política de Rodrigo Maia e Davi
Alcolumbre. Em nenhum momento o Parlamento sinalizou que daria apoio a um
movimento de ruptura, por meio da decretação de Estado de Sítio. O Congresso
conteve a ofensiva legislativa na arena dos costumes e moderou os ataques de
Paulo Guedes contra os direitos dos trabalhadores. Foi o Parlamento, também,
que elevou os programas de transferência de renda a um patamar mais digno,
aumentando o valor e ampliando a cobertura. O Parlamento, por meio da CPI da
Covid, também desvelou a irresponsabilidade criminosa de Bolsonaro com relação
à compra das vacinas.