Fornecedores
da Petrobras sob suspeita doaram R$ 856 milhões a campanhas de 2006 a 2012
PT recebeu 266,4 milhões
de reais da rede de empresas investigadas. Polícia Federal mapeia atuação do
doleiro Alberto Youssef e de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da estatal, como
operadores de doações para políticos e partidos
Ao mapear o caminho percorrido pelos mais de 10
bilhões de reais lavados pelo grupo comandado pelo doleiro Alberto Youssef, a
operação Lava-Jato, da Polícia Federal, encontrou um duto que abastecia
diretamente políticos, partidos e campanhas eleitorais. Policiais e
procuradores de Justiça já sabem que, para manter a influência e garantir
contratos para “amigos”, o doleiro e o ex-diretor de Abastecimento da
Petrobras, Paulo Roberto Costa, destinavam grandes somas de dinheiro a
autoridades. Um levantamento feito pelo site de VEJA, a partir dos registros
oficiais de doações de campanha, revela que, de 2006 a 2012, as empresas e
seus diretores agora investigados por participação no esquema destinaram
pelo menos 856 milhões de reais para financiar candidaturas.
O PT lidera com ampla vantagem o ranking de doações do
grupo, com 266,4 milhões de reais recebidos. Em seguida, estão PSDB (158,1
milhões), PMDB (149,8 milhões), PSB (70,7 milhões), DEM (43,9 milhões) e PP
(34,2 milhões).
A investigação começou a cruzar empresas, siglas,
candidatos beneficiados e contratos com a estatal. Um dos negócios esmiuçados
pela investigação é a construção da refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca,
Pernambuco. Costa e Youssef já viraram réus em processo por desvio de verbas da
refinaria. Dados bancários e fiscais obtidos pela polícia revelaram que o
Consórcio Nacional Camargo Corrêa (CNCC), responsável pela construção do
empreendimento, pagou comissões para a subcontratada Sanko Sider. Parte do
dinheiro, no entanto, foi parar na MO Consultoria – uma das empresas de fachada
do doleiro. Pelo menos 26 milhões de reais foram desviados entre 2009 e 2013
para a firma de Youssef. A Sanko Sider, que forneceria tubos para a obra, fez
doações para o PT pelo menos em 2006 – ano em que doou 6.000 reais para a
campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à reeleição. Esta foi a única doação oficial
registrada pela empresa desde então.
Já se sabe também que outros doadores de campanhas,
como OAS, Galvão Engenharia, Jaraguá Equipamentos e Arcoenge depositaram
recursos diretamente em contas da MO Consultoria. Só a OAS repassou 1,6 milhão
de reais para a empresa de fachada, bem menos, no entanto, do que efetivamente
registrou em doações legais a campanhas políticas desde 2006 (131,3 milhão de
reais).
Entre as empresas que Costa anotou como alvo de
cobranças de doações, a Andrade Gutierrez foi a que mais fez contribuições
oficiais. De 2006 a 2012, o conglomerado distribuiu 189,5 milhões de reais a
políticos e partidos. Nesse período, PT, PMDB e PP ficaram com 53% do total
doado. Na gestão dele, um único contrato rendeu 958 milhões de reais para a construtora
Andrade Gutierrez, depois de prorrogações e aumentos de gastos com 45 aditivos.
O segundo maior doador oficial foi a Camargo Corrêa,
que já tem conexão identificada com o esquema de Youssef. O conglomerado doou
176,9 milhões de reais para campanhas desde 2006. Só em 2010 foram distribuídos
56 milhões de reais - dos quais metade ficou com PT, PMDB e PP. No total, em
2010, o grupo financiou oficialmente 83 candidatos a deputado estadual, 70
candidaturas a deputado federal, 16 campanhas a governador e 25 candidatos a
senador. O deputado federal Eduardo Cunha, líder do PMDB e comandante dos
rebeldes na base do governo, levou sozinho 500.000 reais para sua candidatura
naquele ano.
A Polícia Federal suspeita que o ex-diretor da
Petrobras agia para abastecer o caixa de políticos mesmo após deixar o cargo na
estatal, que ocupou de 2004 a 2012. Em um caderno, ele tinha anotado nomes de
sócios e executivos de fornecedores da estatal e a situação de cada cobrança.
Aparecem nessa lista empresas como a Andrade Gutierrez, Mendes Júnior, UTC
Engenharia, Engevix, Iesa, Hope e Toyo Setal. Em 2010, Paulo Roberto Costa fez,
como pessoa física, uma doação de 10.000 reais ao Comitê Financeiro Único do PT
no Rio de Janeiro.
Caixa dois -
Investigadores desconfiam que os recursos angariados pelo doleiro e pelo
ex-diretor da Petrobras tenham sido destinados ao caixa dois de partidos. Pelo
endereço de email paulogoia@hotmail.com, Youssef indicou em 17 de agosto de
2010 uma conta bancária para que Othon Zanoide de Moraes Filho, diretor da
construtora Queiroz Galvão, depositasse uma série de valores para políticos e
diretórios. Uma parte da lista bate com os registros do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE). Youssef cobrou 500.000 reais para o PP da Bahia; 250.000 reais
para o deputado federal Roberto Teixeira (PP); 500.000 reais para o deputado
federal Nelson Meurer (PP); 100.000 reais para o deputado federal Roberto
Britto (PP); e 100.000 para o ex-deputado federal Pedro Henry (PP), um dos
condenados no escândalo do mensalão. Na Justiça Eleitoral, estes são exatamente
os valores doados pelo grupo Queiroz Galvão.
Há outras cobranças, no entanto, com valores
divergentes entre o que foi proposto pelo doleiro e efetivamente registrado – o
que reforça a tese de que havia também um esquema de caixa dois operado por
Youssef. No caso do diretório Nacional do PP, a cobrança era de 2.540.000
reais, mas foram registrados 2.740.000. Há outros valores que, nos registros do
TSE, são superiores aos do email enviado pelo doleiro, como o pedido de 250.000
reais para a deputada federal Aline Corrêa (PP), que recebeu oficialmente da
empresa 350.000. Já para o PP de Pernambuco, a cobrança era de 100.000, mas
foram doados formalmente 1.640.000.
Youssef também fez contato com Cristian Silva da
Jaraguá Equipamentos para cobrar dados e emitir recibos de doações. De acordo
com os registros do TSE, a Jaraguá doou 250.000 reais para o deputado federal
Roberto Teixeira (PP), 250.000 reais para a deputada federal Aline Corrêa (PP),
100.000 reais para o deputado federal Pedro Henry (PP) e 50.000 reais para o
deputado federal Roberto Britto (PP). Mas a operação Lava-Jato constatou, com
base em dados bancários e fiscais oficiais, que a Jaraguá fez depósitos em
contas da MO Consultoria, de Youssef. A empresa pagou 1,94 milhão de reais. A
polícia desconfia que esse valor foi distribuído como propina para o esquema de
Youssef e Costa.
Até o momento, apenas o deputado federal André Vargas
(ex-PT), amigo de Youssef, foi diretamente atingido pelas revelações da
operação Lava-Jato. A Polícia Federal suspeita que o doleiro e o deputado eram
sócios em operações, mas o retorno financeiro auferido pelo parlamentar ainda é
desconhecido. O Comitê Financeiro Único do PT no Paraná recebeu, na
campanha de 2010, pelo menos 1,6 milhão de reais de fornecedores da estatal que
aparecem entre os contatos do esquema. Essas empresas garantiram mais da metade
da arrecadação do comitê paranaense petista e esse órgão partidário injetou cerca
de 20 mil reais na campanha de Vargas. O deputado teve de renunciar à
vice-presidência da Câmara e se desfiliar ao PT para minimizar os danos ao
partido. Pode também ter o mandato cassado pelo Conselho de Ética da Câmara dos
Deputados, porque há indícios de que ele ajudou a Labogen, um laboratório de
fachada de Youssef, na assinatura de um contrato milionário com o governo
federal. O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se o envolvimento de
Vargas com o doleiro deve ser investigado no âmbito criminal.
A atuação de Vargas para favorecer o doleiro no
Ministério da Saúde respingou no ex-ministro Alexandre Padilha, pré-candidato
petista ao governo de São Paulo. Subordinados de Padilha assinaram o convênio
que permitiria ao laboratório de Youssef faturar até 31 milhões de reais. A
operação Lava-Jato revelou também que Vargas recebeu a indicação de um
ex-assessor de Padilha para ser contratado como lobista da Labogen em Brasília.
Em conversa com o doleiro, o deputado federal diz que a indicação para o posto
partiu do ex-ministro da Saúde. E Youssef falava a interlocutores como se
tivesse capacidade de influenciar a nomeação de cargos em eventual governo de
Padilha, como revelou o site de VEJA.
Nos palanques de candidaturas a governos estaduais, os
estragos da Lava-Jato trazem mais riscos ao PT. Também no Paraná os nervos dos
petistas estão à flor da pele. Vargas era cotado para chefiar a campanha da
senadora Gleisi Hoffman ao governo paranaense. Ela também faz parte da bancada
que recebeu recursos de fornecedores suspeitos de contribuir em doações
intermediadas por Costa e Youssef. Oficialmente, Gleisi foi a candidata ao
Senado que mais recebeu recursos da Camargo Corrêa, com 1 milhão de reais
embolsados na última eleição. Conseguiu ainda doações de outras empreiteiras na
lista de Costa. A UTC Engenharia deu 250.000 reais para a campanha da senadora
e a OAS repassou 780.000 reais. Angariou ainda 100.000 reais da Contax,
uma coligada da Andrade Gutierrez, para sua candidatura.