“Lula não tem caráter”. Disse o Sociólogo
Chico de Oliveira, fundador do PT, no programa Roda Viva, da TV Cultura de 02/07/12.
Também sobre Lula, opina Delfim Netto, (VEJA
27/06/12, pg. 64): “O nível do mar aumentou. O problema é que o Lula pensa que foi
ele quem levantou o nível do mar”, diz o
ex-ministro da fazenda e guru do lulopetismo, informando que as exportações
cresceram devido à conjuntura, mas sem ajuda nenhuma do governo brasileiro.
E gostei tanto do
texto do historiador Marco Antonio Villa (*) que resolvi incluí-lo na íntegra
neste blog. Diz o autor:
"Luiz Inácio Lula da Silva tem como princípio não ter princípio, tanto moral,
ético ou político. O importante, para ele, é obter algum tipo de vantagem.
Construiu a sua carreira sindical e política dessa forma. E, pior, deu certo.
Claro que isso só foi possível porque o Brasil não teve - e não tem - uma
cultura política democrática. Somente quem não conhece a carreira do
ex-presidente pode ter ficado surpreso com suas últimas ações. Ele é, ao longo
dos últimos 40 anos, useiro e vezeiro destas formas, vamos dizer, pouco
republicanas de fazer política.
Quando
apareceu para a vida sindical, em 1975, ao assumir a presidência do Sindicato
dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, desprezou todo o passado de lutas
operárias do ABC. Nos discursos e nas entrevistas, reforçou a falácia de que
tudo tinha começado com ele. Antes dele, nada havia. E, se algo existiu, não
teve importância. Ignorou (e humilhou) a memória dos operários que
corajosamente enfrentaram - só para ficar na Primeira República - os patrões e
a violência arbitrária do Estado em 1905, 1906, 1917 e 1919, entre tantas
greves, e que tiveram muitos dos seus líderes deportados do País.
No campo propriamente da política, a eleição, em 1947, de Armando Mazzo,
comunista, prefeito de Santo André, foi irrelevante. Isso porque teria sido
Lula o primeiro dirigente autêntico dos trabalhadores e o seu partido também
seria o que genuinamente representava os trabalhadores, sem nenhum predecessor.
Transformou a si próprio - com o precioso auxílio de intelectuais que reforçaram
a construção e divulgação das bazófias - em elemento divisor da História do
Brasil. A nossa história passaria a ser datada tendo como ponto inicial sua
posse no sindicato. 1975 seria o ano 1.
Durante décadas isso foi propagado nas universidades, nos debates políticos, na
imprensa, e a repetição acabou dando graus de verossimilhança às falácias. Tudo
nele era perfeito. Lula via o que nós não víamos, pensava muito à frente do que
qualquer cidadão e tinha a solução para os problemas nacionais - graças não à
reflexão, ao estudo exaustivo e ao exercício de cargos administrativos, mas à
sua história de vida.
Num país marcado pelo sebastianismo, sempre à espera de um salvador, Lula foi a
sua mais perfeita criação. Um dos seus "apóstolos", Frei Betto,
chegou a escrever, em 2002, uma pequena biografia de Lula. No prólogo, fez uma
homenagem à mãe do futuro presidente. Concluiu dizendo que - vejam a semelhança
com a Ave Maria - "o Brasil merece este fruto de seu ventre: Luiz Inácio
Lula da Silva". Era um bendito fruto, era o Messias! E ele adorou
desempenhar durante décadas esse papel.
Como
um sebastianista, sempre desprezou a política. Se ele era o salvador, para que
política? Seus
áulicos - quase todos egressos de pequenos e politicamente inexpressivos grupos
de esquerda -, diversamente dele, eram politizados e aproveitaram a carona
histórica para chegar ao poder, pois quem detinha os votos populares era Lula.
Tiveram de cortejá-lo, adulá-lo, elogiar suas falas desconexas, suas alianças e
escolhas políticas. Os mais altivos, para o padrão dos seus seguidores, no
máximo ruminaram baixinho suas críticas. E a vida foi seguindo.
Ele
cresceu de importância não pelas suas qualidades. Não, absolutamente não. Mas
pela decadência da política e do debate. Se aplica a ele que Euclides da Cunha escreveu sobre
Floriano Peixoto: "Subiu, sem se elevar - porque se lhe operara em torno
uma depressão profunda. Destacou-se à frente de um país sem avançar - porque
era o Brasil quem recuava, abandonando o traçado superior das suas
tradições...".
Levou para o seu governo os mesmos - e eficazes - instrumentos de propaganda
usados durante um quarto de século. Assim como no sindicalismo e na política
partidária, também o seu governo seria o marco inicial de um novo momento da
nossa história. E, por incrível que possa parecer, deu certo. Claro que desta
vez contando com a preciosa ajuda da oposição, que, medrosa, sem idéias e sem
disposição de luta, deixou o campo aberto para o fanfarrão.
Sabedor do seu poder, desqualificou todo
o passado recente, considerado pelo salvador, claro, como impuro. Pouco ou nada
fez de original. Retrabalhou o passado, negando-o somente no discurso.
Sonhou em
permanecer no poder. Namorou o terceiro mandato. Mas o custo político seria
alto e ele nunca foi de enfrentar uma disputa acirrada. Buscou um caminho mais
fácil. Um terceiro mandato oculto, típica criação macunaímica. Dessa forma
teria as mãos livres e longe, muito longe, da odiosa - para ele - rotina
administrativa, que estaria atribuída a sua disciplinada discípula. É um tipo
de presidência dual, um "milagre" do salvador. Assim, ele poderia
dispor de todo o seu tempo para fazer política do seu jeito, sempre usando a
primeira pessoa do singular, como manda a tradição sebastianista.
Coagir
ministros da Suprema Corte, atacar de forma vil seus adversários, desprezar a
legislação eleitoral, tudo isso, como seria dito num botequim de São Bernardo,
é "troco de pinga".
Ele continua achando que tudo pode. E vai seguir
avançando e pisando na Constituição - que ele e seus companheiros do PT, é bom
lembrar, votaram contra. E o delírio sebastianista segue crescendo, alimentado
pelos salamaleques do grande capital (de olho sempre nos generosos empréstimos
do BNDES), pelos títulos de doutor honoris causa (?) e, agora, até por um museu
a ser construído na cracolândia paulistana louvando seus feitos.
E Ele (logo teremos de nos referir a
Lula dessa forma) já disse que não admite que a oposição chegue ao poder em
2014. Falou que não vai deixar. Como se o Brasil fosse um brinquedo nas suas
mãos. Mas não será?"
Artigo
publicado em O Estado de S.Paulo de 16/06/12
(*) MARCO
ANTONIO VILLA, HISTORIADOR, É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO
CARLOS (UFSCAR)