Por THEODIANO BASTOS
Diz o jornal O GLOBO em editorial Acusação sul-africana por violação da Convenção do Genocídio é frágil e não condiz com tradição brasileira
Foi
lastimável a adesão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à petição apresentada pela
África do Sul à Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, acusando Israel
de ações e omissões de “caráter genocida” na guerra contra o grupo terrorista
Hamas na Faixa de Gaza. Ao atender ao pedido do embaixador
palestino no Brasil, Lula viola a tradição de equilíbrio da diplomacia
brasileira, banaliza uma acusação que só deveria ser feita com a maior
parcimônia, em atitude que fortalece a vertente mais insidiosa do
antissemitismo contemporâneo.
No
caso apresentado em Haia, os sul-africanos acusam Israel de ter “falhado ao
prevenir genocídio” e ao coibir a “incitação pública ao genocídio”. “Com mais
gravidade, Israel se engajou, está engajado e arrisca engajar-se ainda mais em
atos genocidas contra o povo palestino em Gaza”, afirma a petição. A acusação é
embasada pela contabilidade das mortes na guerra, pela descrição do sofrimento
atroz a que tem sido submetida a população palestina e por uma sucessão de
declarações de autoridades e personalidades israelenses a que se atribui
“intenção genocida”.
O
ex-ministro de Relações Exteriores e professor emérito de Direito da USP Celso Lafer criticou
em uma carta endereçada ao chanceler Mauro Vieira a decisão do Brasil de
apoiar a acusação da África do Sul de genocídio contra Israel na Corte
Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda.
Chefe da diplomacia brasileira no governo Fernando Henrique
Cardoso, Lafer argumenta na carta que o endosso do Itamaraty à questão não está
de acordo com a coerência da política externa brasileira em geral e sobre o
Oriente Médio, em particular.
Ainda de acordo com Lafer, a acusação de genocídio feita pela
África do Sul tem o objetivo de deslegitimar o Estado de Israel no plano
internacional e fortalece o antissemitismo, além de estar em sintonia com o
discurso de quem almeja minar o direito à existência do Estado judeu.
“O apoio (do Brasil) à África do Sul é uma iniciativa de política
externa que respalda a instrumentalização do direito internacional e não
obedece o rigor das regras do direito”, escreve Lafer. “(O apoio) ecoa as
incoerências e tensões do clima político do momento e não acrescenta
credibilidade à posição do Brasil nas múltiplas instâncias da vida
internacional.”
Posição
divergente
O respaldo à acusação sul-africana também reforça a visão de Lula
sobre a guerra, que já provocou críticas da comunidade judaica. Analistas
ponderam ainda que o apoio serve também para ampliar a pressão por um
cessar-fogo, defendido pelo Brasil desde o início do conflito.
“Me parece que o governo está procurando marcar uma posição que
não é muito tradicional da diplomacia brasileira com essa decisão”, afirma o
professor de Relações Internacionais da ESPM Leonardo Trevisan. “Afasta o
Brasil da condição de um interlocutor válido para as duas partes”, acrescenta.
O governo de Israel tem dito
que acusação sul-africana deturpa o sentido de genocídio já que esse é um crime
que prevê a intenção de destruir, total ou parcialmente, um grupo. O argumento
é de que o Hamas seria
o genocida por pregar em seu estatuto de fundação a destruição de Israel,
enquanto as suas tropas estariam se esforçando para conter o impacto sobre os
civis em Gaza.
O diplomata e ex-embaixador Rubens Barbosa, no entanto, avalia que
o apoio do governo brasileiro foi “coerente” com as suas posições públicas.
Embora tenha condenado o ataque terrorista do Hamas, Lula já chamou a resposta
israelense de “insana” e falou em genocídio e terrorismo ao se referir à guerra
me Gaza.
“Na nota do Itamaraty fala-se da desproporcionalidade do ataque e
da crise humanitária com o corte da energia, de alimentos e medicamentos”,
afirma Barbosa. “É importante lembrar que o pedido da África do Sul apoiado
pelo Brasil não discute o mérito da questão, mas pede apenas medidas
preventivas para limitar a crise humanitária (como cessar fogo)”.
Na audiência em que apresentou o caso à CIJ, a África do Sul
argumentou que o discurso de autoridades públicas de Israel após os ataques
terroristas do Hamas, chamando os palestinos de ‘animais humanos’ e pedindo sua
expulsão da Faixa de Gaza, provariam o genocídio.
Outra prova, dizem os sul-africanos, seria a
destruição de grande parte da infraestrutura civil em Gaza, como casas,
prédios, hospitais e escolas.
Os juízes do caso devem se pronunciar em algumas semanas, mas o
tribunal, a exemplo do que ocorreu recentemente na Guerra da Ucrânia, não tem
poder de coação para implementar suas decisões. Isso caberia ao Conselho de
Segurança da ONU, onde a probabilidade de os EUA vetarem uma punição a Israel é
alta.
SAIBA MAIS EM: https://www.estadao.com.br/internacional/apoio-a-acusacao-de-genocidio-contra-israel-e-incoerente-com-diplomacia-brasileira-diz-celso-lafer-nprei/
E https://oglobo.globo.com/opiniao/editorial/coluna/2024/01/endosso-de-lula-e-agressao-injusta-a-israel.ghtml