“Na Itália, a corrupção conquistou a impunidade. Aqui,
entre nós, ela quer vingança.
Quer ir atrás dos procuradores e juízes que ousaram
enfrentá-la. Para que ninguém nunca mais tenha a coragem de fazê-lo. No Brasil,
hoje, temos os que não querem ser punidos, o que é um sentimento humano e
compreensível. Mas temos um lote muito pior, dos que não querem ficar honestos
nem daqui para a frente, e que gostariam que tudo continuasse como sempre foi”,
afirmou o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, durante o julgamento de
suspeição de Sergio Moro.
Após destruírem a Operação Mãos Limpas, a Itália
elegeu Belusconi e o Brasil elegerá quem em 2022?
ITÁLIA, operação
que inspirou Lava Jato foi fracasso e criou corruptos mais sofisticados, diz
pesquisador
Luiza
Bandeira- BBC Brasil ÉDITO,
Para especialista, apenas operações judiciais não
acabam com corrupção no país
Responsável pelas investigações que têm incendiado
o mundo político brasileiro e mergulharam o governo Dilma Rousseff em uma crise
sem precedentes, a Operação Lava Jato, que completa dois anos nesta
quinta-feira, é vista por muitos como esperança de pôr fim à corrupção no país.
Mas para o cientista político Alberto Vannucci, um
dos maiores estudiosos da Operação "Mãos Limpas" na Itália, que
serviu de inspiração para a Lava Jato, investigações judiciais não conseguem
acabar com a corrupção em um país quando ela é sistêmica.
"Inquéritos judiciais, mesmo quando
bem-sucedidos, podem colocar na cadeia alguns políticos, burocratas e
empresários corruptos, mas não conseguem acabar com as causas enraizadas da
corrupção", disse ele à BBC Brasil.
E mais. Para Vannucci, que é professor da
Universidade de Pisa, a Mãos Limpas italiana ainda acabou permitindo o
surgimento de mecanismos mais sofisticados de corrupção no país.
Uma das maiores operações anticorrupção da história
europeia, a Mãos Limpas, ou Mani Pulite, realizada, nos anos 90,
ajudou a desmantelar diversos esquemas envolvendo tanto o pagamento de propina
por empresas privadas interessadas em garantir contratos com estatais e órgãos
públicos quanto o desvio de recursos para o financiamento de campanhas
políticas.
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/03/160316_lavajato_dois_anos_entrevista_lab
‘Mani Pulite’. A
tragédia, a farsa e a ressaca
Como isso se produziu? Um momento decisivo para o traçado desse
caminho foi o começo dos anos 1990, com uma operação-limpeza capitaneada por
policiais, promotores e juízes italianos. A operação Mãos Limpas (Mani
Pulite – MP). Alguns dos agentes eram aparentemente bem
intencionados, ainda que um pouco certos demais de suas convicções espirituais.
Outros, porém, menos ambíguos, pareciam mais próximos dos prazeres da carne.
A operação foi antes
de tudo uma tragédia – ainda que tenha trazido como resultado imediato um pasticiacio italiano,
a era Berlusconi.
A tragédia foi
clara: reduziu um país de enorme tradição política à figura de uma feira de
horrores. Farsa e ressaca não tardariam a revelar-se.
A operação, iniciada
em 1992, prendeu muitos empresários e políticos, destruiu os partidos
existentes. E terminou em 1994, com a vitória de uma nova coligação de direita,
chefiada por um capitão da mídia, Berlusconi, que habilmente reagrupou com
rapidez toda a Itália criminosa. No meio do processo, o país afundou como
nunca, em todas as dimensões. Danos colaterais, não se faz omelete sem quebrar
ovos (contanto que os ovos sejam os dos outros).
A operação também
bateu outros recordes. Outros países europeus já haviam tido operações
similares. A operação italiana custou quatro vezes mais... não se sabe
exatamente por quais razões. Talvez porque tivesse que pagar alguma propina?
Voltemos então ao
começo da saga. O braço armado dessa ofensiva anti-política – inicialmente
modesta, despretensiosa – foi a tal operação MP. Um punhado de juízes,
procuradores e policiais coloca na sua agenda a intenção de liberar as cidades
de suas redes de corrupção. A operação, que foi inicialmente conhecida como
Tangentópoli – junção de pólis com tangento (propina), cresce e vai atingindo
políticos cada vez mais poderosos da DC e do PSI. O PCI é atingido
lateralmente, pelo envolvimento de militantes menos relevantes e, também, pelo
fato de colaborar com os outros partidos, tolerando e aceitando,
implicitamente, a rede de interesses escusos. A progressão dos fatos é logo
capturada pela intervenção midiática – que era vista pelos agentes (juízes,
promotores) como ferramenta essencial para deslegitimar a resistência dos
poderosos interesses envolvidos. Só que a mídia, aparentemente, queria mais. E
teve o que parecia pretender: a completa desmoralização da “partidocracia”.
Assim se espalharia a convicção de que o espaço da política era o da corrupção,
o espaço da “sociedade” era o da pureza. Acordo, consenso passou a significar
conluio, conspiração. Com um pouquinho mais de mídia, “sociedade” passava a ser
“soluções de mercado”, gestão, produção de todos os bens através de empresas
privadas, supostamente mais eficientes, transparentes, imunes à corrupção.
Inicio dos anos 90 essa “renovação” das ideias coletivas se completava – um
novo “saber convencional” tomava posse da alma dos italianos. Um novo senso
comum, privatizante. Chegava ao topo do poder o homem que representava essa
nova era – um empresário efusivo e, vejam só, dono de um império de mídia.
Berlusconi aparecia como alguém que não era político profissional – e um gestor
‘sério”, ainda que também ostentando seu lado de personagem de ópera de circo,
um traço que iria se acentuar ao longo do tempo, até se tornar sua marca
registrada.