A força simbólica do encontro entre o pontífice e o grã-aiatolá Ali Sistani, líder religioso dos xiitas iraquianos
Por Fábio Altman
Pôr os pés no Iraque foi sonho de diversos papas. João Paulo II preparava uma viagem em 2000, mas desistiu na última hora em decorrência das tensões na região. Bento XVI, pouco antes de renunciar, em 2013, também foi convidado, mas a guerra o impediu. Francisco, o pontífice obstinado, conseguiu ir. A viagem de três dias encerrada na segunda-feira 8 fez história — apesar das críticas, por ter provocado aglomerações em plena pandemia, com boa parte das pessoas sem máscara sanitária. Mas por que o Iraque? O país é berço das religiões monoteístas, reverenciado por cristãos, muçulmanos e judeus. Em um palco montado diante de uma planície desértica em Ur, a mais relevante cidade-Estado da antiga Mesopotâmia, onde nasceu Abraão, Jorge Mario Bergoglio resumiu: “Precisamos uns dos outros”. Dois dias antes, ele se encontrara em Mossul, a portas fechadas, com o grã-aiatolá Ali Sistani, líder religioso dos xiitas iraquianos. A força simbólica dos dois sentados numa sala franciscana é imensa. Sistani, em aceno de paz, foi direito ao ponto. “Temos de proteger todos aqueles que sofreram injustiças e danos nos últimos anos, especialmente durante os quais terroristas tomaram grandes áreas iraquianas, nas quais cometeram crimes.” Ele se referia ao período, entre 2014 e 2017, em que o grupo jihadista Estado Islâmico estava prestes a chegar a Bagdá. Francisco, que se apresentou como “peregrino da paz”, foi ainda mais claro: “Nosso encontro aqui hoje mostra que o terrorismo e a morte nunca têm a palavra final”, disse, emoldurado pelos escombros de uma antiga igreja que poucos anos atrás foi usada como prisão e campo de treino de tiro pelos extremistas. “Mesmo em meio à destruição provocada pelo terrorismo e pela guerra podemos ver, com os olhos da fé, o triunfo da vida sobre a morte.” É comovente, diante das atuais dificuldades do mundo.
Publicado em VEJA de 17 de março de 2021, edição nº 2729