A VOZ DA SENSATEZ
Em meio a um governo em sobressalto, o general
Hamilton Mourão mudou: de boquirroto e polêmico, transformou-se num
vice-presidente equilibrado e ponderado — um fator de sustentação para o País
Nas últimas semanas, Mourão recebeu, entre outros, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT),Vagner Freitas, militante do PT e um dos coordenadores da campanha de Fernando Haddad à Presidência da República. Esteve também com o governador do Maranhão, Flávio Dino, do PCdoB. Líderes de outros sindicatos de esquerda, representantes de fundos de pensão e também empresários de diversos setores, como ruralistas. Nesses encontros, o vice-presidente vai colecionando posicionamentos diversos, especialmente para medir as chances de aprovação de temas polêmicos, como a reforma da Previdência. Quando julga relevante, repassa o que ouviu ao presidente Jair Bolsonaro. “Tem o nível tático e o estratégico. O tático é esse combate aqui direto. O nível estratégico é o do presidente”, diz Mourão.
Um outro tom
A agenda de Mourão surpreende se for confrontada com trechos dos áudios das conversas vazadas entre o ex-ministro Gustavo Bebianno e Bolsonaro. Nas conversas, fica clara a contrariedade do presidente com alguns nomes que constavam na agenda de Bebianno, como o de um diretor da TV Globo. Bolsonaro repreende Bebianno por levar “inimigos” para dentro do Planalto. E ordena que ele cancele a agenda. Mourão garante que nunca recebeu reprimenda semelhante de Bolsonaro. O tom entre eles é outro. A amigos, Mourão já comentou: a diferença que há entre ele e qualquer outro ministro é que ele também foi eleito, não é demissível.
Mourão tem sido o reverso do presidente, que não admite nem dialogar com quem pensa diferente dele. Se o governo aproxima-se de Israel e cogita seguir os Estados Unidos na mudança da embaixada de Telaviv para Jerusalém, Mourão foi na direção oposta: falou com jornalistas da rede de TV Al Jazeera, porta-voz do mundo árabe. A entrevista fez parte de uma série de conversas com jornais estrangeiros, como o Wall Street Journal e El País. Para Mourão, há uma grande curiosidade sobre o novo governo no mundo, por ser o primeiro assumidamente de direita desde a redemocratização. Por isso, ele age também como uma espécie de embaixador. Em outro front, o vice-presidente também colocou-se ao lado do diálogo e em favor do contraditório. Foi quando chegou a criticar a decisão do ministro da Justiça, Sergio Moro, ao dispensar Ilona Szabó do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, depois da determinação de Bolsonaro nesse sentido. O presidente cedeu à pressão da militância nas redes que demonizaram Ilona, uma das mais respeitadas especialistas em segurança pública. “Perde o Brasil todas as vezes que você não pode sentar numa mesa com gente que diverge de você”, sapecou Mourão na quarta-feira 6.
A figura do vice-presidente afável, sensato e ponderado tem, porém, um certo toque de construção de imagem. Até a posse, estava longe de ser esse o perfil que se enxergava em Mourão. No passado, chegou a elogiar o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusado de torturador nos tempos da ditadura. Ainda na ativa, deu uma declaração numa reunião na Loja Maçônica Grande Oriente, em Brasília, fazendo a defesa de eventual intervenção militar no país. “Quando nós olhamos com temor e com tristeza os fatos que estão nos cercando, a gente diz: ‘por que não vamos derrubar esse troço todo’?” Na época, cogitou-se afastar Mourão da ativa, o que não aconteceu por ele já se encontrar perto de entrar para a reserva. Depois de assumir o poder, Mourão mudou da água para o vinho.
Mas, para isso, foi preciso lapidar seu estilo original. O vice-presidente aceitou se submeter a longas sessões de media training ministradas pelo hoje Secretário de Imprensa da Presidência, tenente-coronel Alexandre Lara de Oliveira. “Aprendemos um pouco”, afirmou. Mais do que entender como atua a imprensa, o trabalho serviu para que Mourão segurasse seus impulsos pela polêmica. E também para que o vice exercitasse a capacidade de ouvir e conviver com o contraditório. Foi nascendo, assim, o general Mourão sensato e ponderado.
Entrevista
“O vice-presidente é uma garantia de estabilidade”
Ao receber ISTOÉ na quarta-feira 27, o vice-presidente Hamilton Mourão discorreu sobre o estresse emocional vivido por Jair Bolsonaro desde a facada, mas diz que, aos poucos, ele estará “mais senhor de si”.
Dizia-se que o senhor era polêmico, muitas vezes desastrado nas suas declarações. Mas agora está sendo visto como alguém ponderado…
É um trabalho grande. A gente vai apreendendo, evoluindo.
Qual o papel do vice, no seu entender?
O vice-presidente é um cara que constitucionalmente existe para substituir o presidente. E isso é uma garantia de estabilidade. Se não houvesse o vice, o substituto seria o presidente da Câmara. O que poderia ser arriscado, se ele for um adversário político.
Mas o senhor não fica somente esperando esses momentos de substituir o presidente, certo?
Me comporto como alguém capaz de assessorar o presidente. Montei uma equipe própria eficiente para me auxiliar nisso. E venho trabalhando aqui para receber pessoas diversas e debater com elas os assuntos do país.
Quem o senhor já recebeu, por exemplo?
O presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores, Vagner Freitas). Representantes de sindicatos como o dos Metalúrgicos. Conselheiros de Fundos de Pensão. Políticos de vários partidos. Discuto com eles. Recebo as demandas. Quando acho relevante, encaminho para o presidente. É um papel secundário. E alinhado com ele.
O presidente compreende essa função de mediador? Porque naqueles áudios vazados do ex-ministro Gustavo Bebianno ele parecia criticá-lo justamente por receber determinadas pessoas na agenda…
A facada fez com que o presidente ficasse estressado emocionalmente. É preciso avaliar isso. Foram sete meses nos quais ele não teve controle absoluto do seu estado físico. Uma tensão grande de alguém que correu, em alguns momentos, risco de morte. Creio que agora e aos poucos o presidente estará mais tranquilo, mais senhor de si. Como se diz no meio militar, agora o presidente está a cavaleiro da situação.
Houve, então, uma tensão desnecessária no episódio da demissão de Gustavo Bebianno?
O presidente estava hospitalizado. Numa situação de fragilidade. Então, não era o momento do Bebianno ficar enchendo o saco. Deveria ter esperado. Dar tempo ao tempo. Mas eu julgo que a relação entre os dois já vinha se desgastando. Lembre que não foi o presidente que o anunciou como ministro. Demorou para sair o anúncio. Havia algo ali. Não dá para se analisar sob uma ótica só.
Como o senhor avalia a interferência dos filhos do presidente?
A gente vê uma família unida, que enfrentou junta muitas coisas. Esse drama do atentado. São três rapazes bem sucedidos. Tanto que todos estão aí vivendo suas trajetórias políticas. Aos poucos, eles seguirão cada um as suas funções, como deputado, vereador, senador. O pai escuta filhos. Bolsonaro vai escutá-los. É normal. Com o tempo, tudo vai se encaixando.
A sua posição de saída democrática para a crise na Venezuela está sendo um consenso no governo?
O princípio da não intervenção foi um pressuposto básico desde sempre, conversado com o presidente Jair Bolsonaro. A posição acertada se baseava nos seguintes pontos: o governo de Nicolás Maduro é ilegítimo; o governo legítimo é o de Juan Guaidó; não poderíamos jamais apoiar trazer para nosso continente um conflito que não nos pertence. https://istoe.com.br/ 10/03/19