JOSÉ MARQUES - EM GUSH ETIZION (CISJORDÂNIA)
Membro
de uma família ligada ao líder palestino Yasser Arafat (1929-2004), Khaled Abu
Awwad, 50, achava que a solução para o conflito com Israel era "atirar os
judeus ao mar e devolvê-los ao lugar de onde vieram".
Ele mudou depois de entrar em contato com o
"outro lado". Hoje, é amigo de um rabino e defende a convivência
pacífica dos dois povos.
José
Marques/Folhapress
O
judeu Hanan Shlezinger e o árabe Khaled Abu Awwad na sede da ONG onde
acontecem os encontros
Khaled vive na Cisjordânia e desde 2014
participa de reuniões em que árabes e judeus contam suas histórias, trocam
experiências e discutem a relação.
Os encontros acontecem na região do
assentamento judaico de Gush Etzion e são organizados pela ONG Roots, fundada
por seu irmão, Ali Abu Awwad.
Os dois lutaram na primeira Intifada (levante
palestino contra Israel), nos anos 1980. Até 1993, Khaled foi detido 18 vezes e
ficou preso um ano e meio. Já Ali esteve na prisão por sete anos.
Um terceiro irmão, Youssef, foi morto por
soldados israelenses no ano 2000. A morte fez os Awwad refletirem sobre
soluções para a situação em que viviam.
"Entendíamos que voltar ao caminho da
violência não ia levar a nada e, também não tínhamos a força para seguir nesse
caminho. Muita gente da Palestina começou a falar: Por que não se encontram com
gente do outro lado?", relembra Khaled.
Nessa busca, eles conheceram o rabino Hanan
Shlezinger, 59. Como os Awwad, Shlezinger passou a maior parte da vida
indisposto a encontrar os rivais no conflito.
O rabino nasceu nos Estados Unidos e foi
viver na Cisjordânia —lugar que ele chama de Judeia e Samaria— porque acredita
que ela é a terra prometida. Passou 33 anos no local sem nunca ter conversado
com um árabe.
"Eu não via os palestinos que viviam
aqui. Para mim eram transparentes, eram figurantes. Há quase três anos comecei
a me dar conta de que eu estava equivocado", afirma Shlezinger.
Ele foi convidado para reunião em que se
encontraram palestinos e colonos judeus. No local, conheceu Ali e ouviu pela
primeira vez o termo "ocupação israelense" e que "a vitória de
Israel é a tragédia da Palestina". Entrou em "confusão
existencial".
"Eu ficava confuso e enojado de escutar
o que Ali dizia. Eu pensava: 'Sou parte da cristalização do sonho dos profetas,
da construção de um Estado judeu depois de 2.000 anos'", disse o rabino.
"Cheguei em casa e me senti muito envergonhado."
"Durante dias, semanas, meses, pensei
comigo mesmo: 'Como pode ser isso, como pode ser que haja uma realidade tão
diferente da minha que eu não podia ver?'. Se é verdade que há uma tragédia e
que o povo da Palestina sofre, a culpa é minha."
Ele passou a ser um dos membros mais ativos
do grupo e acreditar que o conflito só terá solução quando as duas partes se
conhecerem.
ASSENTAMENTOS
Gush Etzion é conhecida por áreas com grande
fluxo de trânsito de árabes e colonos judeus e pelo histórico de violência.
Entre 2015 e 2016, houve mais de dez ataques
ou atentados com mortes em entroncamento da região.
É próximo a esse entroncamento, em casa de um
cômodo que pertenceu ao pai dos Awwad, que reuniões acontecem a cada duas
semanas.
Atualmente, a cada reunião vão cerca de 40
pessoas, dos dois lados —segundo os organizadores, nunca são as mesmas.
Recentemente, foi inaugurado um grupo apenas para mulheres.
Shlezinger diz que, antes de uma solução
política, é necessário que os dois povos passem pelo que chama de "terapia
coletiva" para reconhecer "a humanidade e o direito do outro
povo".
"Estamos preparando terreno para
qualquer acordo político futuro", afirma.Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/
29/12/16
José
Marques/Folhapress
O
judeu Hanan Shlezinger e o árabe Khaled Abu Awwad na sede da ONG onde
acontecem os encontros
Israel tem que escolher entre colônias e democracia, por clóvis rossi
Mahmoud
Illean - 20.set.2016/Associated Press
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28/12/2016 16h32
Israel tem que escolher entre os
assentamentos que mantém (e amplia) em territórios palestinos e preservar suas
duas principais características (um Estado judeu e democrático).
"Não pode ter ambas", decretou
John Kerry, o secretário de Estado dos Estados Unidos, o maior aliado de
Israel, transformando em institucional uma avaliação que é corrente entre
analistas independentes, não contaminados pelo radicalismo que é uma
característica básica do Oriente Médio.
A lógica que Kerry assumiu é
fácil de enunciar: como ele próprio disse, há hoje tantos habitantes árabes
como judeus no pequeno território que Israel e palestinos deveriam dividir, se
respeitada a resolução da partilha que a ONU adotou em 1948.
Se Israel continuar a dificultar
a solução clássica "dois Estados para dois povos" e mantiver a
tendência de criar no terreno fatos que conduzam a um único Estado, logo os
palestinos se tornariam a maioria, pelo maior índice de natalidade em relação
aos judeus.
Se esse Estado único for
democrático, a maioria (palestina) mandaria e ele deixaria de ser judeu. Para
preservar o caráter judeu, teria que cercear os direitos dos palestinos,
inclusive o direito ao voto –com o que Isreael deixaria de ser democrático.
O longo pronunciamento de Kerry
repetiu afirmações e posições adotadas ao longo dos anos por sucessivas
administrações norte-americanas, mas seu eixo ficou claramente centrado em
defender a necessidade dos dois Estados, a "única solução viável".
Kerry deixou claro que essa saída
está ameaçada em especial pela expansão das colônias israelenses em territórios
palestinos.
A ameaça, de resto, foi
explicitada por Naftali Bennett, líder do partido ultranacionalista Bait Yehudi
(Lar Judaico), representante dos colonos, logo após a vitória de Donald Trump
na eleição norte-americana.
Bennett deu então por sepultada a
tese dos dois Estados. A escolha de David Friedman para embaixador de Trump em
Israel só fez reforçar essa impressão: Friedman não só defende as colônias como
quer que a embaixada dos Estados Unidos se transfira para Jerusalém, deixando
Tel Aviv (cidade em que a ONU determinou que todas as embaixadas se instalem).
Israel considera Jerusalém sua
capital eterna e indivisível. Kerry, no entanto, lembrou que o status de
Jerusalém terá que ser definido em um acordo de paz abrangente e que os
palestinos têm a legítima aspiração de ver sua capital instalada em Jerusalém
oriental (de maioria palestina).
O discurso de Kerry é a mais
contundente manifestação de repúdio à solução de um só Estado e, ao mesmo
tempo, a mais angustiada indicação de como a tese está prosperando velozmente.
O secretário de Estado admitiu,
francamente, que a nova administração, a de Trump, tem pontos de vista
diferentes em relação a Israel/Palestina. Logo, tudo pode mudar a partir de 20
de janeiro quando Trump assumir.
Mas Kerry tem razão quando diz
que ninguém até agora apresentou uma "alternativa viável" para pôr
fim ao conflito entre israelenses e palestinos, que, de resto, só tenderia a se
agravar se Israel encampar a tese de seus radicais. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/clovisrossi
28/12/16