Buscou apoio, primeiro, por ser mulher. Não há nenhuma estatística que prove que mulheres são melhores presidentes que homens - ou o inverso. Segundo, por ter sido torturada na ditadura militar. A tortura não tem nada a ver com seu desempenho como presidente, mas como guerrilheira. Terceiro, por ter vencido um câncer. Vencer uma doença é algo de foro tão íntimo que mencionar publicamente esse duro episódio no momento de seu afastamento é de extremo mau gosto.
Finalmente, Dilma buscou apoio por ter sido supostamente vítima de um "golpe" ou de uma "farsa jurídica". Isso prova apenas que Dilma não entendeu nada. E nada entendeu mesmo, nem de política nem de economia, desde que Lula, sem opção de sucessor, resolveu alçar o poste tecnocrata da Casa Civil à posição de líder máxima do Brasil. Submetida a uma transformação cosmética radical, ajudada quem diria por Marta Suplicy, a companheira Dilma deve ter percebido, já na primeira campanha presidencial de 2010, que não tinha sido talhada para esse papel.
Dilma era "a candidata do pré-sal". Salgou e azedou a economia de um Brasil que tinha sido deixado por Lula de pé, equilibrado e faceiro. Deveríamos ter desconfiado de alguma coisa quando Dilma, em comícios, chamava geladeira de "linha branca". Ou quando ela inventou um mestrado que não existia. Deveríamos ter desconfiado quando Dilma, em Pernambuco, ainda ministra, cometeu gafe após gafe ao inaugurar um posto de saúde ao lado de seu padrinho Lula. Ela disse que o escritor Ariano Suassuna nasceu em Pernambuco – mas foi na Paraíba. Atribuiu a Suassuna a frase “nós somos madeira que cupim não rói”. A frase é do compositor Lourenço Barbosa, o Capiba. Errou o nome da cidade em que estava. Falou no prefeito “Romildo”, de Olinda. Só que ele se chamava Renildo. Saudou Romero Jucá (PMDB) como líder do partido no Senado. Jucá era líder do governo. Quem diria, não, Dilma? Romero Jucá, agora o braço-direito de seu "traidor de cabeceira", o atual presidente em exercício Michel Temer.
Suicídio é um nome forte. É verdade. Felizmente, apenas uma metáfora. Dilma continua viva para pedalar em Brasília e para, segundo ela, "resistir ao golpe até o fim", de palanque em palanque, convocando os movimentos sociais a bloquear ruas e avenidas em protesto contra seu impeachment. Dilma acredita que ainda pode ressuscitar daqui a 180 dias, e nada é impossível no Brasil. Se escrevo suicídio, é porque foi Dilma - e ela apenas - a responsável por sua queda e sua solidão. Foi um suicídio lento, sem tiros, sem sangue.
Foi com doses diárias de veneno. Um pouco de veneno na arrogância com colegas ministros e com congressistas, da situação e da oposição. Um pouco de veneno nas contas públicas, maquiadas como nunca antes na história deste país. Um pouco de veneno na Petrobras. Um pouco de veneno em Belo Monte. Um pouco de veneno nas compras superfaturadas de refinarias. Um pouco de veneno na relação com governadores e prefeitos. Um pouco de veneno com o próprio PT - muitos saíram, outros traíram e outros ficaram por causa de Lula ou por sua própria sobrevivência política numa sigla que tem história e transcende em muito a presidente afastada. Dilma acabou tão envenenada por suas mentiras que nos últimos tempos parecia estar dopada sob a ação de remédios. Seu pensamento parecia ter perdido qualquer resquício de lógica, sem início, meio e fim.
Reli as colunas principais que escrevi em ÉPOCA sobre Dilma desde que ela era apenas um braço-direito obscuro de Lula. O curioso é que, ao assumir como "presidenta", como fazia questão de ser chamada numa obsessão tragicômica com o gênero feminino, desfrutava de uma certa boa vontade geral. Dilma não estava implicada pessoalmente no mensalão, era menos populista que Lula, passava a sensação de que faria sim uma "faxina ética" no Congresso por não ser uma política profissional. Transmitia a imagem de uma gerente comprometida com metas. Dilma não insistia na tese de "herança maldita" de Fernando Henrique Cardoso e chegou a trocar amabilidades e elogios com o ex-presidente e mentor eterno do PSDB. Parecia uma pessoa equilibrada, sensata, comedida, competente. Quanta ilusão!
Em julho de 2009, já havia muitos alertas contra seu temperamento. Em coluna intitulada "Dilma é braba mas gosta de maquiagem", escrevi: "Na verdade, é o lado homem de Dilma que vem incomodando. Homem no pior sentido. Um assessor pede demissão porque não suporta grosseria. Um ministro é cobrado e destratado aos gritos, constrangendo os outros. O presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, chora depois de se sentir humilhado por Dilma ao telefone. Não há Duda Mendonça que consiga maquiar o temperamento da ministra, fermentado em anos de guerrilha após o colégio de freiras. Ela chegou a ganhar do PMDB um bambolê em janeiro de 2008, para ter mais “jogo de cintura”. Não sei se Dilma foi injustiçada, mas diz a lenda que, até agora, ela só não destratou Lula e o vice, José Alencar. Quem é assim piora com mais poder".
Mas depois sua imagem melhorou. Em 2010, escrevi: "Se existe uma vantagem na Dilma presidente, é exatamente o tal 'ponto fraco' em sua biografia: ela não é um político profissional. De políticos profissionais com vocação para enriquecer, e não para servir, o país está cheio. Não importa que ela apareça de calça ou de saia, de terninho ou de tailleur, de escarpim ou mocassim. Isso tudo é confete e serpentina. Assim como a intenção de colocar 30 mulheres no governo. Bobagem. Se for para impor alguma cota, que seja a cota do caráter. O Brasil deve almejar ter uma cota mínima de 80% de congressistas honestos, que não se metam em maracutaias e nepotismo. Que 100% dos ministros estejam acima das questões partidárias e, cada um em sua pasta, honrem seus compromissos. Que olhem para seu próprio umbigo gordo e cortem nos gastos. Que tenham vergonha de usar dinheiro público para si e seus parentes. Já é um começo. A Dilma pode, ela já disse que pode. Foi dona da Casa Civil, a casa caiu, e ela vai expulsar os sanguessugas. Ou não?" Não, ficou claro que não. Dilma só tinha a força do cargo, não da autoridade. Ou do simples acolhimento, do diálogo, do gostar.
Em 2011, Dilma ainda era aposta de reação ética, quando exonerou ministros. Chegou a ser apelidada de "a diarista" porque faria uma faxina contra a corrupção. Mais uma vez, a encorajei: "Cara Dilma, começou, tem de ir até o fim. Não dá para limpar só os quartos e a cozinha. Procure os cantos das salas de estar e jantar. Retire dos armários os cabides de empregos, onde estão pendurados afilhados políticos e parentes de caciques do PMDB e do PT. Filhos, ex-mulheres, sobrinhos. Contratados sem concurso. Assuste os fantasmas, porque a opinião pública vai apoiar. Mesmo que a senhora não concorde que Ideli Salvati é fraquinha, desautorize-a a falar bobagens. É risível ouvir de sua comadre que a operação da Polícia Federal foi 'armação da imprensa'".
Na votação pelo impeachment que varou a madrugada e adentrou a manhã de hoje, senadores repetidamente bateram na mesma tecla. "Alertei a presidente Dilma, mas ela não ouviu". Até Collor alertou Dilma...É de doer. Em março do ano passado, escrevi: "Sob a pressão de moleques, aloprados e loucos, Dilma é a primeira refém da armadilha que Lulalá e ela criaram. Já não lhe compete demitir ou nomear. Dilma hoje é torpedeada até quando tenta acertar. Mas é impossível ter pena. Se a hora é de arrocho, Dilma, dê o exemplo, ceda à jogada do novo PMDB e comece a cortar seus 39 ministérios e seus 22 mil cargos de confiança. Porque é imoral o tamanho dessa máquina e das boquinhas públicas".
Mas Dilma nem conseguia mais escutar, já estava entregue, tomando todo dia sua dose de veneno. Movimentos sociais, os sem-terra, os sindicatos, quase todos já a consideravam um constrangimento. Seu maior crítico passou a ser Lula, inconformado com a total incapacidade de Dilma de articular, reagir ou assumir erros e criar uma agenda verdadeiramente positiva. Dilma já tinha se tornado impopular além da conta. Jogara no lixo um capital de 54 milhões de votos. Por incompetência e omissão.
Em junho do ano passado, Dilma passou a ser o primeiro presidente da História do Brasil a ter suas contas questionadas pelo Tribunal de Contas da União. Em julho, adotou um mantra, o mantra dos condenados: "Eu não vou cair, não vou cair". Dilma se recusou até a ouvir o que seu então líder de governo no Congresso, Delcídio do Amaral, agora cassado, lhe dizia: "É perigoso deixar os feridos pelo caminho". O tiro volta.
De delação em delação, de crise em crise, de inflação a desemprego, de meta anunciada a meta descumprida, emergiu uma verdade dolorosa para um país endividado, no vermelho. Ou estávamos diante de uma mitômana ou de uma chefe de quadrilha que não sujava as mãos ou de uma pessoa totalmente alheia ao Brasil que ela liderava, como se morasse na Suécia. A mãe do PAC - Programa de Aceleração do Crescimento - tinha virado piada, com suas rolas e mandiocas, com seus tropeços na língua e nos dados. Ela tinha virado a mãe-sapiens do PAQ, Programa de Aceleração de Queda. Do Brasil e dela própria.
Os maiores crimes de responsabilidade de Dilma foram com sua própria trajetória, com a história do PT, com o futuro próximo do país e com o destino do sofrido povo brasileiro, que perdeu no ano passado as esperanças de mobilidade social. Ao contribuir ativamente para rebaixar a nota do Brasil entre investidores internacionais, e, agora, ao insistir em rebaixar o conceito institucional do país lá fora com seu discurso de "golpe", Dilma pode até sair pela porta da frente do Palácio do Planalto, mas, melancolicamente, sai pela porta dos fundos da História.
Fonte: Revista ÉPOCA