O julgamento histórico que Bolsonaro e aliados podem enfrentar por trama golpista
Provável denúncia contra o ex-presidente dará início a um caso que deve se arrastar para além de 2025
Peço que leiam com atenção o texto que segue:
Naufrágio
Como foi o choque de Bolsonaro com os chefes do
Exército e da Aeronáutica
Se as paredes do Palácio da Alvorada falassem… Como
teimam em seguir silentes, a Polícia Federal foi à luta para reconstituir
algumas das mais reservadas reuniões de Jair Bolsonaro, depois da derrota para
Lula no domingo 30 de outubro. Conseguiu com depoimentos e acesso a farta
documentação em texto, áudio e vídeo.
O primeiro encontro com chefes militares aconteceu na
terça-feira nublada de 1º de novembro, recorda o brigadeiro Carlos de Almeida
Baptista Júnior, então comandante da Aeronáutica. Ao seu lado na mesa estavam os comandantes do Exército, general
Marco Antônio Freire Gomes, e da Marinha, almirante Almir Garnier Santos.
Bolsonaro ficou entre o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira,
e um civil, Bruno Bianco, chefe da Advocacia-Geral da União.
Primeiro presidente no cargo a perder a reeleição,
Bolsonaro lembrava um náufrago impaciente com o resgate que nunca chegava. O
chefe da Marinha e o ministro da Defesa eram reconhecidos entusiastas do
salvamento pela insurreição nos quartéis, supostamente para manter o antigo
capitão no poder, mas o Exército e a Aeronáutica não embarcavam. Bolsonaro
provocou sobre a tese de fraude eleitoral.
“Não houve fraude”, respondeu o brigadeiro Baptista
Júnior. Citou o relatório da comissão das Forças Armadas criada por Bolsonaro
para “fiscalizar” as urnas eletrônicas: “Em todos os testes realizados (no
primeiro turno) não se constatou qualquer irregularidade”. Freire Gomes
acrescentou: “Aliás, como o senhor sabe…”.
Todos na mesa sabiam da ordem para não divulgar o
relatório atestando a regularidade da votação antes do segundo turno eleitoral.
O comandante do Exército sugeriu “acalmar” o país. Bolsonaro, então, perguntou
ao advogado-geral o que poderia ser feito para contestar o resultado das urnas.
Bianco foi objetivo: diante das evidências de integridade do processo, não
havia “alternativa jurídica” para protesto.
Uma semana depois, Bolsonaro mandou chamar Mario
Fernandes, general da reserva na função de secretário presidencial. Radical na
defesa de um golpe de Estado, Fernandes falou sobre o acampamento diante do
Quartel-General do Exército, em Brasília, e relatou contatos com o Comando de
Operações Especiais. Estava com dois textos impressos. Um era uma carta ao
comandante do Exército: “Contamos com... “Contamos com um Evento Disparador,
como no passado!”, dizia. “É agora ou nunca mais, COMANDANTE, temos que agir!”
Outro era o rascunho de um plano com o título “Punhal Verde Amarelo”, com procedimentos para o golpe e detalhes
sobre prisão, sequestro e triplo assassinato — dos eleitos Lula e seu vice,
Geraldo Alckmin, e do juiz Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Era quarta-feira 9 de novembro. Pouco antes, um grupo
de manifestantes organizado por Fernandes ouviu Bolsonaro no jardim do
Alvorada: “Estamos vivendo um momento crucial”, ele disse. “Uma encruzilhada ro
no jardim do Alvorada: “Estamos vivendo um momento crucial”, ele disse. “Uma
encruzilhada, um destino que o povo tem que tomar. Quem decide o meu futuro,
pra onde eu vou, são vocês! Quem decide pra onde vai (sic) as Forças Armadas
são vocês!”
Três dias depois, no sábado, 12 de novembro, o plano
foi “aprovado” em reunião na casa de Walter Braga Netto, general da reserva e
candidato a vice-presidente derrotado. O ajudante de ordens de Bolsonaro,
coronel Mauro Cid, detalhou as conversas em delação premiada.
Em dezembro, Bolsonaro fez seguidas reuniões com
chefes militares para apresentar rascunhos de decretos sobre “estado de sítio”,
“estado de defesa” e “garantia da lei e da ordem”. Almir Garnier, comandante da
Marinha, sempre dizia estar “à disposição” com tropas e tanques. O general
Freire Gomes repetia: “O Exército não participaria”. O brigadeiro Baptista
Júnior insistia: “Não há qualquer hipótese de o senhor permanecer no poder
quando terminar o mandato”. Num desses encontros, na biblioteca do Alvorada, o
comandante do Exército falou sobre os riscos de “responsabilização penal” de
Bolsonaro. Subiu o tom, advertindo que, se tentasse um golpe, “teria de prender
o presidente da República”.
Não adiantou. Antes do Natal, o ministro da Defesa
chamou os comandantes. Recebeu-os com um papel, dizendo ser a minuta de decreto
presidencial “para conhecimento e revisão”. O brigadeiro Baptista Júnior exasperou-se:
“Esse documento prevê que o presidente eleito não assuma? Se é assim, não
admito sequer receber esse documento”. O náufrago continuaria impaciente. Sem
resgate.
O general Freire Gomes também disse que não admitia
“a possibilidade de analisar” o papel. O ministro Paulo Sérgio não respondeu, o
almirante Garnier continuou calado. O brigadeiro saiu da sala.
O náufrago continuaria impaciente. Sem resgate.
Leia mais em: https://veja.abril.com.br/coluna/jose-casado/naufragio
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