NUM LIVRO publicado em 1988, o cientista político Sérgio Abranches criou uma expressão que sintetiza perfeitamente as relações entre os poderes brasileiros e a capacidade do governo em promover mudanças no país. O título do trabalho: “Presidencialismo de coalizão”. Em poucas palavras, é a necessidade que o presidente da República tem de formar uma maioria no Congresso para aprovar projetos de seu interesse. Pelas regras do sistema político nacional, a construção dessa base parlamentar é determinante para o sucesso de uma gestão. Quando eleito, o presidente Jair Bolsonaro decidiu romper com essa prática e tentou impor ao Parlamento, passando por cima de partidos e lideranças, suas vontades. Com esse equívoco, o governo perdeu o timing mais precioso para conduzir a agenda necessária ao desenvolvimento do país: o início da administração, aquele momento histórico em que o governo sai mais forte das urnas. Com exceção da reforma da Previdência, em que deputados e senadores demonstraram total cooperação, pouco foi feito nessa direção.
Abre-se agora a segunda janela de oportunidade
para que o processo seja retomado. As disputas pelas presidências da Câmara e
do Senado representam, nesse caminho, um instante decisivo. Como comentado neste mesmo espaço na
semana passada, ter aliados no comando dessas Casas ajudará e muito a destravar
os planos do ministro Paulo Guedes. Mas, como nada é tão fácil na política nacional,
um fantasma surge no horizonte. Ainda que seja bem-sucedida a operação para
eleger colaboradores no Congresso, seria crucial que o presidente se dedicasse
ao que é prioritário para o país neste momento, e não permanecesse ao lado
daquilo que só causa confusão. Em entrevista na Páginas Amarelas desta
edição, o ministro Fábio Faria, importante articulador do
governo, defende, por exemplo, a implementação de uma agenda conservadora, com
projetos sobre homeschooling (em que os pais dão aulas em casa para as
crianças) e a redução da maioridade penal. Sem entrar no mérito de tais
iniciativas, é possível dizer, logo de cara, que essas não são as prioridades
para um ano tão complicado como o de 2021.
Como relata o ministro Paulo Guedes, em
entrevista exclusiva, o Brasil precisa romper de vez os voos de galinha de sua
economia, impulsionados por eventos cíclicos, para cimentarmos as reformas
estruturantes que farão o país virar “a superfronteira do investimento”
mundial. O próprio Jair Bolsonaro parece não entender que esse caminho será um
divisor de águas. Recentemente, na Ceagesp, numa aglomeração absolutamente
reprovável do ponto de vista da pandemia, o presidente ainda cometeu outro
deslize: soltou uma declaração contrária à privatização do órgão, apenas para
agradar à massa presente. A privatização de empresas públicas é parte
obrigatória da pauta deste governo, além do respeito ao teto fiscal, do pacto
federativo, da reforma administrativa e de outros pontos que farão a economia
deslanchar no ano que vem.
É preciso, de uma vez por todas, que Bolsonaro
ajuste a sua atenção para esses temas. Se perder tempo com brigas ideológicas,
para agradar a seguidores no Twitter, vai desperdiçar seu capital político e
entrar em 2022 muito mais enfraquecido do que imagina. Sobre isso, o
marqueteiro de Bill Clinton, James Carville, cunhou uma frase definitiva para explicar
a vitória de seu candidato sobre o republicano George Bush, em 1992: “It’s the
economy, stupid!”. O recado, dado ao presidente americano há duas décadas,
ainda ecoa como uma advertência extremamente pertinente nos dias de hoje.
Mauricio Lima, Diretor de Redação de
Veja https://mail.google.com/mail/u/0/#inbox/FMfcgxwKjxBlPrXSRRJNGXkVgSdZXXNr
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