Inadimplentes,
96,4% dos municípios não podem firmar convênios com o governo federal
Levantamento da
Confederação Nacional dos Municípios mostra que apenas 4% das cidades têm
contas em dia com a União
RIO - Levantamento da
Confederação Nacional dos Municípios (CNM) feito a partir de dados do Tesouro
Nacional e dos ministérios aponta que 96,4% de 5.563 municípios do país estão,
este mês, inaptos a fazer convênios com o governo federal. Por conta disso,
apenas 200 cidades em todo o Brasil podem receber verbas de transferências
voluntárias. É dinheiro que pode ser usado, por exemplo, para reformar e
ampliar postos de saúde, para obras de dragagem e pavimentação e até para
construção de equipamentos de lazer e reformas de escolas e creches.
Segundo a CNM, as cidades
inaptas têm restrição no Cadastro Único de Convênios (CAUC), uma espécie de
Serasa das prefeituras. Em sete estados — Alagoas, Piauí, Amazonas, Amapá,
Maranhão, Roraima e Sergipe —, todos os municípios estão inadimplentes. Rio
Grande do Sul, que no levantamento aparece como sendo o estado com menos
cidades com pendências, ainda assim tem 89,5% dos municípios inaptos. No Rio,
apenas Natividade e Niterói estão aptos.
— Estamos monitorando
o CAUC desde janeiro e houve um aumento grande de inadimplência entre março e
abril. Eram 4.042 cidades inaptas no mês passado. Essas que entraram agora vão
parar de receber os repasses dos convênios que têm. São obras que acabam
paralisadas — diz Paulo Ziulkoski, presidente da CNM:
— Uma parte do
problema se deve à falta de capacidade técnica, mas os municípios chegaram ao
fundo do poço muito porque o governo oferece os programas, os prefeitos aceitam
e depois não têm como arcar com a manutenção. O ProInfância, que é para
construir e reformar creches, é importante. Mas o governo federal faz o prédio
e depois cada criança matriculada custa entre R$ 700 e R$ 800. Daí, a
prefeitura recebe pouco mais de R$ 250 por aluno. Para mantê-los, o prefeito
deixa de pagar a Previdência, não aplica a renda mínima em Saúde e em Educação
e acaba com pendência no CAUC.
Transferências: até
6% do PIB
Sem a verba das
transferências voluntárias, as cidades contam com as transferências
constitucionais e legais — distribuição de recursos oriundos da arrecadação de
tributos federais ou estaduais aos estados, Distrito Federal e municípios —,
como o Fundo de Participação dos Municípios e a Lei Kandir. Recebem ainda
verbas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que, segundo o
Ministério do Planejamento, “os entes federativos são aptos a receber conforme
determina a Lei 11.578/2007, que rege as transferências obrigatórias, e não
menciona adimplência ao CAUC como condição”.
— No Orçamento da
União, dependendo do ano, as transferências voluntárias representam de 4% a 6%
do PIB — diz Ziulkoski
— Com a maioria dos
municípios sem poder receber, os investimentos caem muito, já que poucos
convênios são para custeio. Se isso perdurar, a economia será afetada. E quem
paga o preço mais alto é o cidadão.
Em Altos, no Piauí, a
impossibilidade de firmar convênios com a União já fez, segundo a prefeita
Patrícia Leal (PPS), com que a cidade de 40 mil habitantes perdesse verba de,
pelo menos, três ministérios:
— O Ministério da
Saúde não liberou R$ 200 mil para a reforma do Centro Ortopédico e melhoria do
hospital municipal, o das Cidades não liberou R$ 3 milhões para calçamento e o
da Infraestrutura não liberou R$ 1 milhão para obras. Caímos em cinco
exigências do CAUC e nossa dívida já é superior a R$ 2 milhões, sendo R$ 1,5
milhão só para a Previdência Social. A situação é muito difícil.
Moradora de São
Sebastião, na periferia de Altos, Daniele Maria do Nascimento, de 20 anos, é
mãe de um menino de um ano e quatro meses e diz que é um sofrimento ter que
levar o filho ao médico. Ela precisa caminhar por seis quilômetros em ruas sem
calçamento até o hospital municipal. Na última sexta-feira, Daniele tentava
fazer com que Gabriel, gripado e com suspeita de pneumonia, fosse atendido.
— Não tem médico, só
um estudante de medicina. Ele não fez exame, passou um remédio, que não tenho
dinheiro para comprar, e mandou meu filho para casa. Antes, tinha farmácia que
dava medicamentos, mas acabou. E o hospital nem tem equipamento para saber se
ele está com pneumonia ou não. O menino não melhora. Ele fica cansado o tempo todo.
A prefeita reconhece
o problema:
— Nosso hospital está
com o teto e o reboco das paredes caindo, e sem alguns equipamentos. Também não
temos dinheiro para pavimentação. A cidade nem conseguiu prestar contas para
órgãos como a Funasa, o que prejudica bastante.
São Paulo e Salvador com nome sujo
A falta de repasses,
por conta do nome sujo no CAUC, não afeta só cidades médias e pequenas. As
prefeituras de São Paulo e Salvador, por exemplo, têm pendências e os prefeitos
Fernando Haddad (PT-SP) e ACM Neto (DEM-BA), que tomaram posse este ano, buscam
uma solução. Na capital baiana, foi editado um decreto no dia 2 de janeiro e
todas as pendências estão sendo levantadas nos órgãos responsáveis pelos
registros negativos. A prefeitura também foi à Justiça e, em nota, informa que
conseguiu liberar cerca de R$ 40 milhões. “A Justiça entendeu que a
responsabilidade das inadimplências é da gestão anterior e que, portanto, a
população não pode sofrer as consequências disso”.
Em São Paulo, são
três pendências que impedem que o município celebre convênios. Segundo a
assessoria, “todas são antigas e já estão em processo de regularização”. A nota
diz ainda que uma delas já está regularizada e será corrigida pela Caixa
Econômica Federal no CAUC. Além disso, o Instituto de Previdência Municipal “já
adotou medidas administrativas para efetuar a regularização” da dívida de
contribuições ao Pasep. O valor pendente é de R$ 1,3 milhão. Sobre o terceiro
registro, que diz respeito a convênio encerrado em 2009 entre a Secretaria
Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social e a Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República, a nota diz que “a Secretaria de Negócios
Jurídicos foi comunicada e está tomando as medidas legais cabíveis”.
— O que o
levantamento mostra é que os municípios estão com problema de caixa. Eles têm
recurso aquém do necessário. O prefeito tem que escolher: paga a Previdência ou
paga os salários dos servidores. E, então, incorre no CAUC — diz Eduardo Tadeu
Pereira, que preside a Associação Brasileira dos Municípios. — A solução passa
por repactuar a divisão do bolo orçamentário. Os municípios precisam de uma
fatia maior.
Ziulkoski discorda.
Para ele, o orçamento até poderia ser menor se os municípios arcassem com menos
serviços:
— Em 1988, as
prefeituras tinham 25 mil funcionários na área de Saúde. Hoje, mais de 1,6
milhão. O gasto com pessoal já chega a quase 50%. Essa situação impacta todo o
Brasil. E, se o município fica inadimplente, não tem investimento. E aí não tem
emprego, arrecada-se menos impostos. O governo federal só deveria firmar acordo
com quem têm condições de arcar, já que os programas são sempre subfinanciados.
Procurado, o
Ministério da Fazenda, que é o órgão responsável pelo CAUC, disse ter
encaminhado as perguntas ao setor que coordena a área, mas não respondeu ao
GLOBO até o fechamento da matéria.
Fonte: Jornal O Globo
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