Troca de
ministro é irrelevante nesta roleta-russa política, diz Delfim Netto
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Folha de
São Paulo, ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
EDITORA DE "MERCADO" 20/12/2015
EDITORA DE "MERCADO" 20/12/2015
A troca
de ministros da Fazenda é irrelevante e não afasta a impressão de que o
país está "indo para o buraco", diz o ex-ministro da Fazenda Antonio
Delfim Netto.
Um dos economistas mais
respeitados do país, Delfim foi ministro na ditadura militar e interlocutor dos
governos Lula e Dilma, no início do primeiro mandato.
O afastamento começou no final de
2012, quando a presidente insistia numa política econômica que desequilibrou os
preços no país e enfraqueceu o setor industrial.
Embora contrário ao impeachment
—"seria preciso haver prova de que Dilma foi desonesta"—, ele diz que
a administração política da presidente "desintegrou-se".
"Estamos numa
roleta-russa, não num jogo político."
Folha - A
troca de ministros da Fazenda faz diferença?
Antonio
Delfim Netto - Não. Os dois [Joaquim Levy e
seu substituto, Nelson Barbosa] são muito competentes. O problema não é
econômico. É político. Não há possibilidade de terminar um ajuste fiscal sem
reconstruir primeiro —ou junto com ele, pelo menos– a expectativa de
crescimento.
Como se
recupera o crescimento agora?
O crescimento é um estado de
espírito. O que existe hoje é um desânimo muito grande, produzido pelas
dificuldades da economia, que, por sua vez, desintegraram a administração
política.
O Brasil é um país hoje em que a
administração política está anulada. Um governo que tem dez partidos com 320
deputados, e nenhum partido tem fidelidade ao governo, nenhum deputado tem
fidelidade ao partido.
Estamos numa roleta-russa, não
num jogo político.
Sem
definição do conflito político, então, não há saída?
É mais que isso. Não é só que a
situação presente é difícil. É muito pior, a perspectiva é que estamos
caminhando para o buraco. O que precisa eliminar é essa perspectiva, e ela só
será eliminada se fizermos as reformas necessárias.
MUDANÇA
NA FAZENDA
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Quais são?
Enfrentar o problema da
Previdência, das vinculações. Vinculação é um ato maluco, é a mesma coisa que
estar num avião, ligar o piloto automático e esperar acabar o querosene. Ela
tira o poder do Congresso e do Executivo.
Precisamos restabelecer certa
flexibilidade no mercado de trabalho, o que não quer dizer reduzir direitos
constitucionais do trabalhador, mas harmonizar as relações entre trabalhadores
e empresários, sob vigilância dos sindicatos, para que se organizem melhor.
Precisa enfrentar também o
problema fiscal. A tributação é muito alta, muito injusta. Não vai resolver
tudo de uma vez, mas é preciso que alguém apresente ao Congresso essas
reformas. Isso obriga o Congresso a enfrentar os assuntos. Hoje se imagina que
o Congresso não vai aprovar e não se manda nada.
Há clima
político para aprovar alguma reforma agora?
Não. É preciso organizar a
política. Temos um sistema sem credibilidade. A troca de ministros é
irrelevante. O que é relevante é o Poder Executivo recuperar o seu
protagonismo, apresentar ao Congresso as reformas constitucionais necessárias e
ir para a rua —conclamar a sociedade a pôr em xeque o Congresso para aprová-las.
A
presidente Dilma tem condições para isso?
Espero que sim. Ela diz, pelo
menos, que é guerreira. Não há solução tranquila para o país a não ser a
retomada do protagonismo do Executivo.
A reação
de desconfiança do mercado financeiro após o anúncio de Barbosa indica que o
custo do ajuste será mais alto?
O mercado sabe muito pouco. Basta
ver o que pensava no início deste ano e o que pensa hoje.
E a
proposta aventada por Barbosa de colocar bandas na meta fiscal?
Não inventa nada, meu Deus! Todos
os países desenvolvidos hoje, por tentativa e erro, chegaram à mesma política.
Vamos copiar em vez de inventar.
Qual o
principal erro do ministro Levy?
O ministro Levy não cometeu erro
nenhum. Ele não teve poder para fazer o que precisava ser feito. Confundiu-se o
Levy como um fanático do equilíbrio fiscal, que era só uma ponte para ver
aprovadas as reformas constitucionais. O Levy nunca viu seu plano adotado, não
tem culpa de nada. Tudo o que se atribui a ele vem das medidas tomadas antes. É
o pensamento mágico da esquerda infantil, de achar que o efeito vem antes da
causa.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ 20/12/15