sábado, 10 de outubro de 2015

NÃO HÁ GOLPE À VISTA. Há suicídio do governo



Não há golpe à vista. Há suicídio do governo
por Ricardo Noblat

Parecia razoável que Dilma contasse até a última hora com alguns votinhos de ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) contrários à rejeição das contas do governo relativas ao ano passado. Na intimidade dos seus auxiliares mais próximos, era o que ela mesma admitia.
Afinal, governo é governo. Por mais enfraquecido, não deve ser subestimado. E ministros do TCU, especialmente eles, são mais sensíveis às pressões políticas. O TCU tem apelido de tribunal, mas é um órgão auxiliar do Congresso. Os ministros apenas carregam o apelido de ministros.
Ao todo, são nove. O presidente, Aroldo Cedraz, ex-deputado do extinto PFL, hoje DEM, só vota em caso de empate. Augusto Nardes, ex-deputado do PP do Rio Grande do Sul e relator das contas, era voto mais do que perdido e anunciado. Não valeria ao governo perder tempo com ele.
Em José Múcio Monteiro, ex-PTB, e ex-ministro do segundo governo Lula, valeria a pena o governo investir. Ele deve a toga ao ex-presidente que o indicou para o TCU. Walton Alencar e Benjamin Zymler devem as suas togas à indicação dos técnicos do tribunal, seus ex-colegas.
Bruno Dantas e Vital do Rego são ministros graças a Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado, e aliado de Dilma. E Raimundo Carreiro, ex-diretor do Senado durante 14 anos, graças a José Sarney, também aliado de Dilma. Carreiro sempre foi governista até a alma.
Ana Arraes, mãe do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos e ex-deputada do PSB, não seria necessariamente um voto pela rejeição das contas. Mas que fosse. Tirado o noves fora, o governo teria chances de sonhar pelo menos com quatro votos (Monteiro, Bruno, Vital e Carreiro).
Foi derrotado por 8 x 0. Antes perdera no Supremo Tribunal Federal a ação que poderia ter resultado no afastamento de Nardes da relatoria do processo. E mais cedo perdera no Congresso pela segunda vez a oportunidade de manter vetos de Dilma a projetos que criam novas despesas.
Que governo é este que só colhe derrotas amargas? Que governo é este que está se deixando empurrar para a sombra da guilhotina? Como um governo desses despertará a fúria assassina de banqueiros, empresários e homens de negócios para leva-los a apostar no crescimento do país?
Economia depende de confiança, credibilidade. São coisas que este governo não inspira.
Na semana passada, ao anunciar a meia sola ministerial aplicada por Lula ao governo, Dilma reconheceu que ela se justificava por sua carência de apoio político. Não se passou sequer uma semana e restou provado que o apoio do governo no Congresso não cresceu. Pelo contrário.
Um governo que só tem empregos, sinecuras e favores para trocar por apoio está destinado a ruir. Porque quanto mais dê, mais será obrigado a dar. E nas condições atuais do país, conflagrado por crises de natureza econômica, política e ética, a capacidade do governo dar muito é rala.
O pior de tudo, e o que talvez impeça o governo de reagir: ele não sabe ao certo o que lhe acontece. Nem como se comportar para sair do canto. Logo mais à tarde, por exemplo, Dilma reunirá seu ministério para perguntar o que fazer daqui para frente.
Na agenda da reunião destacam-se dois pontos: como o governo deverá reagir à sucessão de derrotas? E o que fazer para atender aos pedidos de pequenos partidos que querem mais cargos, liberação de emendas ao Orçamento da União, e prestígio?
Partidos de médio porte como o PDT e o PRB, mas não só eles, que ganharam ou mantiveram ministérios, querem administrá-los de “porteira fechada”. Isto é: querem poder preencher ali todos os cargos, e não apenas os principais. Eleições veem aí. E falta dinheiro. Sabe como é, não é?
Esgota-se o elenco de truques do governo para manter-se de pé. Desse jeito acabará caindo. 


    Arte: Antonio Lucena

 Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com/  (08/10/15)

sábado, 3 de outubro de 2015

O TERCEIRO MANDATO DE LULA



por Augusto Nunes 
 
O Brasil nasceu por engano. Buscavam um atalho para as Índias os tripulantes das caravelas que em abril de 1500 perderam o rumo tão espetacularmente que acabariam despencando nos abismos do fim do mundo se não tivessem topado com o mágico mosaico de praias com areias finas e brancas banhadas por ondas verdes ou azuis, matas virgens e florestas do tamanho do mar, flores deslumbrantes e frutas sumarentas, lagos plácidos e rios selvagens, peixes de água doce ou salgada, bichos mansos de carne tenra e, melhor que tudo, aquela demasia de índia pelada.
O Brasil balançou no berço da safadeza. Nem imaginaram que assim seria aqueles primitivos viventes cor de cobre, sem roupas no corpo nem pelos nas partes pudendas, os homens prontos para trocar preciosidades por quinquilharias, as mulheres prontas para abrir o sorriso e as pernas para qualquer forasteiro, pois os nativos praticavam sem remorso o que só era pecado do outro lado do grande mar, e não poderiam ser tementes a um Deus que desconheciam nem a castigos prescritos pela religião que aqui nunca existira.
O Brasil nasceu carnavalesco. Nem um Joãosinho Trinta em transe num terreiro de candomblé pensaria em juntar na Sapucaí ─ como fez num porto seguro frei Henrique Soares, celebrante da primeira missa, pelo menos é o que está no quadro famoso ─ um padre de batina erguendo o cálice sagrado, navegantes fantasiados de soldados medievais, marinheiros com roupa de domingo, nativos com a genitália desnuda que séculos depois seria banida por bicheiros respeitadores dos bons costumes e a cruz dos cristãos no convívio amistoso com arcos, flechas e bordunas.
O Brasil balançou no berço da maluquice. Marujos convalescentes da travessia do Atlântico, atarantados com a visão do paraíso, decidiram que aquilo era uma ilha e deveria chamar-se Ilha de Vera Cruz, e assim a chamaram até alguém desconfiar, incontáveis milhas além, que era muito litoral para uma ilha só, e então lhes pareceu sensato rebatizar o colosso ausente de todos os mapas com o nome de Terra de Santa Cruz, porque disso ninguém duvidava: era terra aquilo que pisavam.
O Brasil nasceu sob o signo da preguiça. Passou a infância e a adolescência na praia, e esperou 200 anos até criar ânimo e coragem para escalar a muralha verde que separava a orla do planalto, e esperou mais um século antes de aventurar-se pelos sertões ocultos pela floresta indevassada, e o esforço seria de tal forma extenuante que ficou estabelecido que, dali por diante, tanto os aqui nascidos quanto os vindos de fora, e todos os descendentes de uns e de outros, sempre deixariam para amanhã o que deveriam ter feito ontem.
Tinha que dar no que deu. Coerentemente incoerente, o Brasil parido por engano hostilizou os civilizadores holandeses para manter-se sob o jugo do império português, o Brasil amalucado teve como primeira e única rainha uma doida de hospício, o Brasil safado acolheu o filho da rainha que roubou a matriz na vinda e a colônia na volta, o Brasil preguiçoso foi o último a abolir a escravidão, o Brasil sem pressa foi o último a virar República, o Brasil carnavalesco transformou a própria História num tremendo samba do crioulo doido.
O cortejo dos presidentes, ministros, senadores, deputados federais, governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores aberto em 1889 informa que a troca de regime não mudou a essência da coisa: o Brasil republicano é o Brasil monárquico de terno e gravata, mais voraz e mais cafajeste. Extraordinariamente mais cafajeste, informa a paisagem do começo do século 21. Passados 500 e poucos anos, os piores tetranetos dos piores filhotes dos degredados promoveram o grande acerto dos  amorais, instalaram-se no coração do poder e tornaram intragável a geleia geral brasileira.
Nascido e criado por devotos da insensatez, o Brasil que teve um imperador que parecia adulto aos 5 anos de idade foi governado por um marmanjo analfabeto que sempre se portou como moleque e agora é presidido por uma avó menos ajuizada que neto de fralda. Com um menino sem pai nem mãe no trono, os habitantes do império da loucura não sentiram tanto medo. Com dois sessentões no comando, os brasileiros aprenderam o que é sentir-se sem pai nem mãe.
O início do terceiro mandato de Lula parece uma continuação dessa biografia em miniatura do Brasil publicada no começo do primeiro mandato de Dilma. Parece mas não é, gritam as mudanças na paisagem ocorridas desde o julgamento do Mensalão. A crise econômica pulverizou de vez a farsa da potência emergente inventada pelo deus dos embusteiros. Ainda há juízes no Brasil, vem reiterando há meses o irrepreensível desempenho de Sérgio Moro. A Polícia Federal e os procuradores federais já provaram que a seita no poder é um viveiro de corruptos, vigaristas e incompetentes.
A Operação Lava Jato vai clareando a face escura do país. O PT está morrendo de sem-vergonhice. Figurões do partido trocaram o palanque pela cadeia. Logo faltará cela para tanto bandido. A supergerente de araque já foi reduzida a ex-presidente. O fabricante de postes agoniza nas pesquisas eleitorais. Nas ruas, nos restaurantes ou no botequim da esquina, os indignados amplamente majoritários exigem o fim destes tempos de tal forma infames que uma Mãe dos Ricos pôde delinquir impunemente com o disfarce de Pai dos Pobres.
A nudez escancarada do reizinho quase setentão confirmou que o filho de uma migrante nordestina é um multimilionário pai de multimilionários. Multidões de crédulos vocacionais descobriram a tapeação: o maior dos governantes desde Tomé de Souza era a fantasia que camuflava o guloso camelô de empreiteira. Lula não demorará a entender que desemprego cura abulia, que os truques empoeirados já não funcionam, e que o que deveria ter sido uma aula de esperteza foi um tiro no pé.
Ao instalar-se de novo em Brasília, ficou mais perto de Curitiba. O início do terceiro mandato vai antecipar a extrema-unção da Era da Canalhice.

Antes que o pai chegasse ao poder, Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha, era monitor do zoológico de São Paulo. Em 2004, a Telemar pagou 5 milhões de reais para associar-se ao primogênito do presidente numa empresa de fundo de quintal. Hoje, Lulinha é latifundiário, industrial  e nada em dinheiro.
Antes que o pai acampasse no Planalto, Luis Cláudio Lula da Silva era ajudante de preparador físico de time de futebol. Soube-se nesta semana que o irmão de Lulinha também protagonizou um suspeitíssimo milagre da multiplicação de pixulecos.
Agora dono de uma empresa de marketing esportivo, embolsou 2 milhões e 400 mil reais repassados por um escritório de advocacia interessado na aprovação de uma medida provisória que beneficiava a indústria automobilística. Com as bênçãos de Lula, naturalmente, a jogada deu certo.
“Sigam o dinheiro”, recomendou o informante conhecido como Garganta Profunda aos repórteres que desvendaram o caso Watergate. Para descobrir o tamanho real da fortuna do pai, a Polícia Federal só precisa seguir o dinheiro dos filhos.
Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

PARLAMENTARISMO: SAÍDA PARA A CRISE





Fosse o Brasil parlamentarista, não se estaria enfrentando esse atual e doloroso impasse político. Não se estaria pensando em Impeachment, mas na convocação de novas eleições para formar um novo governo com novo Primeiro Ministro, como se viu na Grécia.

PAÍSES COM PARLAMENTARISMO:
Alemanha, Austrália, Áustria, Reino Unido, França, Portugal, Holanda, Bélgica, Canadá, Espanha, Dinamarca, Japão, Finlândia, Grécia, Hungria, Índia, Israel, Itália, Irlanda, República Checa, Singapura, Turquia, Polônia, Paquistão, entre outros.

E existe na Câmara, pronta para Pauta no Plenário, a PEC 20/1995 de Emenda à Constituição, de autoria do Dep. EDUARDO JORGE, na época do PT/SP, hoje do PV/SP e candidato a presidente em 2014, para implantação do Parlamentarismo no Brasil. 

Emenda Parlamentarista completa 50 anos

Uma semana após a renúncia de Jânio Quadros, uma emenda à Constituição Federal instalou o Parlamentarismo no Brasil, que vigorou por 17 meses.
Há exatos 50 anos, no dia 2 de setembro de 1961, o Congresso Nacional aprovou a adoção do regime parlamentarista de governo no Brasil. Foram menos de 17 meses de parlamentarismo, com três gabinetes e nenhuma realização política ou econômica digna de nota. Seu grande mérito foi o de viabilizar a posse do vice-presidente João Goulart e evitar, na ocasião, o golpe de estado concretizado, depois, pelos militares. Mas faltou-lhe apoio dos políticos, a começar pelos governadores da época. No dia 6 de janeiro de 1963, com o voto de mais de 80% dos eleitores, um plebiscito selou a volta do presidencialismo e, em março de 64, o golpe militar derrubou João Goulart.
O parlamentarismo de 1961 foi uma obra precária de engenharia política, construída em meio à inquietação decorrente da renúncia de Jânio Quadros. Os chefes militares, em 28 e 30 de agosto, explicitaram de público suas restrições ao vice João Goulart, então em viagem à China. Lideranças do Congresso agiram rápido para evitar a crise, na tentativa de manter a democracia que vigorava desde 1946.
Aprovado no dia 2 de setembro pela esmagadora maioria dos votantes (264 sim e 10 não), após uma semana de intensas negociações, o Ato Adicional que estabeleceu o regime parlamentarista foi promulgado no dia 3 de setembro. Era uma emenda à Constituição que reduzia os poderes do Presidente da República e por isso mesmo teve a concordância dos ministros militares.

Concebida, inicialmente, como um parecer sobre o veto dos militares a Jango e proposta de saída para o impasse, a emenda foi discutida por uma comissão mista integrada pelos deputados Oliveira Brito, Plínio Salgado, Paulo Fernandes, Paulo Lauro, Antonio de Novais Filho e Alô Guimarães; e pelos senadores Jefferson de Aguiar, Benedito Mário Calazans, Heribaldo Vieira, Manuel Novaes e Camilo Nogueira da Gama. De pronto, a Comissão se posicionou contra a aceitação do veto e em quatro dias preparou a emenda parlamentarista, afinal formalizada no dia 30 de agosto e aprovada no dia 2.
Nos bastidores, trabalharam intensamente na busca de uma solução para a crise nomes como o senador Amaral Peixoto, que presidia o maior partido, o PSD; os também pessedistas deputados Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, José Maria Alkmin, Martins Rodrigues e Nelson Carneiro; os petebistas Almino Afonso e San Tiago Dantas e o senador Afonso Arinos, da UDN.

A atuação do Congresso
Na realidade, a proposta parlamentarista já vinha sendo sustentada, desde 1946, pelo deputado gaúcho Raul Pilla, que a reapresentou, coincidentemente, sem antever a crise da renúncia de Jânio, no dia 6 de julho. No seu livro O Brasil sem retoque - 1808-1964, o jornalista Carlos Chagas transcreve depoimento do ex-presidente da Câmara e Presidente interino da República, Ranieri Mazzilli, no qual ele observa que, já nas primeiras conversas entre os congressistas, nos dias seguintes à renúncia, "criou-se um consenso de que era indispensável apresentar aos militares uma fórmula que diminuísse os riscos, que eles consideravam iminentes, de uma posse num regime de poderes amplos para um presidente que, eles entendiam, não estava em condições de exercê-los, para a segurança nacional. A partir desse momento, o esforço criativo do Congresso foi enorme, porque indormido. Desencadearam-se os processos da formulação e das conversações com os militares, para que eles aceitassem a fórmula".
No seu relato, Mazzilli destaca a "colaboração e o empenho" do chefe do gabinete militar, General Ernesto Geisel, do Senador Amaral Peixoto e das lideranças da UDN, que atuaram "em regime de estreita colaboração com o PSD e PTB", sem que nenhum dos partidos demonstrasse qualquer oposição à fórmula. "Quero dizer que não distingui em nenhum dos partidos, nesse momento, qualquer oposição, mesmo do PTB. Havia alguns elementos do PTB, que eram mais radicais e entendiam que se devia apenas cumprir a Constituição, mas todos passaram a verificar que havia dificuldades muito grandes. Inclusive, os líderes Almino Afonso e Rui Ramos conversaram longamente comigo e com parlamentares que estavam mais informados de uma redação para a emenda e terminaram por admitir que, para eles, não era a solução evidentemente ideal, mas era o que se podia obter para a posse. Eles e os seus partidos dariam a colaboração...".
Em contraste com o entendimento que se consolidava no Congresso, os dias que antecederam a adoção do Parlamentarismo foram marcados, nos quarteis e grandes centros urbanos, por um quadro de tensões e radicalização. O país tomava conhecimento das manifestações feitas pelos chefes das Forças Armadas nos dias 28 e 30 e, de outro, era agitado pelo tom do governador Leonel Brizola, na chamada Campanha da Legalidade, que tentava mobilizar a resistência em favor de Goulart a partir do Rio Grande do Sul, com apoios em outros Estados do Sul e Sudeste.

Anarquia x legalidade
Em mensagem ao presidente do Senado, Auro Moura Andrade, no dia 28, os ministros militares invocaram a condição de chefes das Forças Armadas e responsáveis pela ordem interna para expressar "a absoluta inconveniência, por motivos de segurança nacional", do regresso de Jango ao país. Dois dias depois, eles foram mais explícitos, sustentando que o vice-presidente sempre promovera "agitações sociais e facilitara a infiltração comunista".
A essa acusação, acrescentaram a advertência de que, se Goulart assumisse a Presidência, "em um regime que atribui ampla autoridade e poder pessoal ao chefe do governo" (o presidencialismo), o país iria caminhar para "o caos, a anarquia e a luta civil". E mais: "As próprias Forças Armadas, infiltradas e domesticadas, transformar-se-iam - como tem acontecido noutros países - em simples milícias comunistas".

O clima de confronto chegou ao seu ápice com os desdobramentos da Campanha da Legalidade, liderada, a partir do Rio Grande do Sul, pelo Governador Leonel Brizolla (cunhado de Goulart), com o apoio, no território gaúcho e em outros Estados do sul e sudeste, de contingentes militares, lideranças sindicais e populares. Utilizando-se de uma cadeia de rádio - metralhadora e microfone na mão -, Brizola comandou a Campanha que, mais do que pela singularidade, tornou-se histórica por sua eficácia e pela forte e tensa participação popular, responsável, para alguns historiadores, pelo adiamento do golpe militar que somente se concretizaria em 64.

No dia 28, sob uma assistência de pelo menos 50 mil pessoas, segundo relatos, o governador gaúcho tomou clara atitude de confronto com os militares: "Não nos submeteremos a nenhum golpe. Que nos esmaguem. Que nos destruam. Que nos chacinem nesse Palácio. Chacinado estará o Brasil com a imposição de uma ditadura contra a vontade de seu povo (...). Resistiremos até o fim. A morte é melhor do que a vida sem honra, sem dignidade e sem glória. Podem atirar. Que decolem os jatos. Que atirem os armamentos que tiverem comprado à custa da fome e do sacrifício do povo. Já fomos dominados pelos trustes e monopólios norte-americanos. Estaremos aqui para morrer, se necessário. Um dia, nossos filhos e irmãos farão a independência de nosso povo".
A campanha legalista recebeu, inclusive, o apoio do comandante do III Exército, General José Machado Lopes, que se recusou a bombardear o Palácio Piratini e expressou ao Ministro do Exército, General Odílio Denis, que só receberia ordens do chefe constitucional das Forças Armadas, João Goulart. Vitorioso no objetivo central da campanha - a posse de Jango - Brizola não se comprometeu com a solução parlamentarista, que de imediato passaria a combater.

O papel de Tancredo 
Entre as figuras de projeção nacional mais envolvidas com a solução do impasse institucional, Tancredo Neves acabou por se tornar o primeiro chefe do gabinete parlamentarista, com a aprovação do seu nome pelo Congresso no dia 8 de setembro - dia seguinte à posse de Jango na presidência da República. Outros nomes chegaram a ser cogitados. O PSD fez uma eleição interna, na qual Tancredo obteve 49 votos, Gustavo Capanema 39 e Auro Moura Andrade 20. Por intermédio do presidente em exercício, Ranielli Mazilli, Goulart também convidou o governador de São Paulo, Carvalho Pinto, que alegou compromissos políticos no seu Estado para declinar do convite.
Uma semana antes da sua escolha - também por indicação de Mazzilli -, Tancredo estivera em Montevidéu, para transmitir a Jango a posição dos ministros militares de que aceitariam sua posse na Presidência se o Congresso votasse o parlamentarismo. Jango regressava da viagem oficial à China e, preocupado com as resistências ao seu nome, fizera uma escala em Montevidéu para acompanhar, dali, os desdobramentos da crise e as negociações políticas para evitar o golpe militar.
Sobre esse episódio, Carlos Chagas escreve: "Naquele dia - 31 de agosto - o esquema golpista já fazia água, após a adesão do III Exército à causa da legalidade e o início da rebelião em outros corpos de tropa. Os ministros Denis, Heck e Moss já buscavam uma saída honrosa para entregar o poder a Goulart. Mas faziam três exigências: que o vice-presidente não descesse em Porto Alegre, não discursasse antes de chegar a Brasília e não chegasse à capital federal acompanhado de Leonel Brizola. Jango aceitou apenas a última, mas engolindo, também, o parlamentarismo...".
Programa de Intenções
Apesar da aprovação do seu nome no dia 8, por 259 votos a 22, Tancredo somente submeteu à Câmara o programa do seu gabinete no dia 28 - um texto marcado pela formulação genérica, formalidade condicionada às limitações políticas do novo regime que se instalava. Ainda que não fosse exatamente um programa de governo, o texto defendia uma política externa independente e a existência de uma lei de controle da remessa de lucros que não inibisse investimentos estrangeiros considerados indispensáveis ao desenvolvimento nacional. Proclamava a importância da reforma agrária "como passo inicial e precípuo para a integração do homem do campo em nossa vida econômica", era favorável a reajustes salariais "compatíveis com os índices de expansão inflacionária" e até elogiava a Operação Pan-Americana e a encíclica Mater et Magister.
A exemplo do que se verificou nos dias que antecederam a votação da emenda parlamentarista, o ambiente de entendimento entre os congressistas persistiu nos primeiros meses do novo regime. O que preocupava era a inquietação social, que se espalhava entre trabalhadores rurais e urbanos, servidores públicos e segmentos mais politizados, ideológicos, que se confrontavam em relação às chamadas reformas de base pretendidas por João Goulart - a constitucional, a agrária, a urbana, a bancária e a tributária.
Discurso pronunciado por Goulart, em Volta Redonda, no 1º de maio de 1962, em defesa das reformas, abalou seriamente os esforços conciliadores do gabinete Tancredo Neves, que renunciou coletivamente um mês depois, em 6 de junho, a tempo de seus integrantes disputarem as eleições parlamentares de outubro daquele ano. Entre os analistas políticos da época, já se considerava difícil que o primeiro gabinete tivesse uma vida prolongada e até mesmo que o parlamentarismo sobrevivesse por muito tempo. Entre outras razões desse ceticismo, figurava a persistência do texto constitucional que tornava obrigatória a desincompatibilização de ministros para a disputa de eleições para o Senado e Câmara, exigência contraditória com a própria essência do regime de gabinete e que conflitava com os projetos políticos da grande maioria dos participantes da experiência.
Além das limitações da própria mecânica de funcionamento do regime, crescia, ao final do gabinete Tancredo Neves, a insatisfação dos governadores mais influentes em relação ao parlamentarismo. Logo após a renúncia de Tancredo, o governador de Minas, Magalhães Pinto, reuniu em Araxá, entre os dias 8 e 10 de junho, quase todos os governadores. Ficaram ausentes Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul, e Carvalho Pinto, de São Paulo. O tom do encontro era de resistência ao parlamentarismo e às reformas de base de Goulart. Nos meses seguintes, ao longo da disputa eleitoral, a imprensa e grandes empresários contribuíram para uma intensa campanha publicitária em defesa do presidencialismo.
A oposição ao regime estendeu-se até o início de janeiro de 63, quando foi realizado plebiscito que decidiu pela volta do sistema presidencialista. Foram às urnas 12 milhões e 400 mil eleitores, dos quais quase 10 milhões disseram "não" ao parlamentarismo. A decisão popular se oficializou, dias depois, através da emenda constitucional nº 6, proposta pelo Ministro da Justiça, João Mangabeira. O presidencialismo, modelo de governo inspirado nos Estados Unidos, foi restabelecido plenamente.
Não se pode atribuir a derrota do parlamentarismo a eventuais falhas dos gabinetes que governaram naquele período 1961/63, nem ao descontentamento da população com o sistema de governo. Trinta anos depois, o Brasil reafirmaria sua opção presidencialista. Em 21 de abril de 1993, foi realizado novo plebiscito sobre o regime de governo e o presidencialismo, mais uma vez, foi consagrado: compareceram às urnas 67 milhões de eleitores (abstenção de 25,7%), dos quais 37 milhões votaram pelo regime presidencialista. Outros 16,5 milhões foram favoráveis ao parlamentarismo e quase 10 milhões de eleitores anularam seu voto.
Fonte: http://www.camara.gov.br/