O Maracanã tem longa
tradição de vaias a autoridades
O escritor Nelson
Rodrigues escreveu em “A Pátria de Chuteiras” que “o Maracanã vaia até um
minuto de silêncio”. E não é nenhum exagero. Apesar de todos os esforços para
se esconder na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, o presidente interino
Michel Temer não escapou de uma sonora vaia e poucos aplausos. Bastou um
discurso protocolar de apenas 12 segundos de duração para Temer engrossar a
lista de autoridades, artistas e atletas que receberam vaias em grandes
eventos.
Até o prefeito Eduardo
Paes tomou a sua vaia na cerimônia do encerramento, mas com muitos aplausos.
O ex-presidente Lula
sentiu seu gosto amargo na cerimônia dos Jogos Pan-Americanos de 2007.
A presidente
afastada, Dilma
Rousseff, ouviu-a constrangida, quando entregava a taça de campeã do mundo
à Alemanha em 2014.
E a famosa vaia a minuto de silêncio ocorreu em 19 de
julho de 1967, na partida entre Botafogo e América, em pleno regime militar. O
general Humberto Castello Branco, presidente da República entre 1964 e 1966,
havia morrido no dia anterior, em um acidente aéreo. Quando o locutor pediu um
minuto de silêncio em sua homenagem, vaias tomaram parte do Maracanã.
Mas
em 1969, num Fla x Flu, ao anuciarem a presença do ditador Garrastazu Medici na
tribuna de honra do Maracanã todo o estádio ficou de pé e o aplaudiu
efusivamente o ditador e o mesmo aconteceu no Morumbi...
Marcelo Duarte, Jornalista
e autor da série de livros “O Guia dos Curiosos escreveu no blog http://guiadoscuriosos.com.br/
“1.
Em 19 de julho de 1967, Botafogo e América fizeram um jogo válido pelo
Campeonato Carioca. Um dia antes, Humberto de Alencar Castello Branco, o
primeiro presidente do Regime Militar (1964-66), havia morrido em um acidente
aéreo. O locutor do estádio anunciou que seria respeitado um minuto de silêncio
em homenagem ao general. A reação não foi a esperada: imediatamente a torcida
vaiou o morto. A vaia só foi interrompida com o início da partida.2. Em 13 de maio de 1959, a escalação da Seleção Brasileira campeã mundial de 1958 estava na ponta da língua de todo os brasileiros. Especialmente daqueles que foram ao mesmo Maracanã acompanhar o amistoso entre Brasil e Inglaterra. No anúncio da escalação, tudo corria dentro do esperado até o anúncio do camisa 6, Nilton Santos. Pois foi aí que o locutor Victorio Gutenberg fez uma longa pausa e disparou: “camisa 7… Julinho Botelho!”. A presença do jogador do Palmeiras no lugar de Garrincha foi recebida com uma quase unânime vaia que durou cerca de três minutos. Sacado do time pelo técnico Vicente Feola por ter se esbaldado na noite carioca no dia do jogo, Garrincha viu seu substituto ser vaiado a cada toque na bola. Mas, aos 7 minutos, Julinho deixou a marcação inglesa para trás e fez 1 a 0. Aos 30, deu o passe para o segundo, o gol que decretou a primeira vitória brasileira sobre os ingleses na história. Ao final do jogo, o Maracanã gritou o nome de Julinho e o palmeirense deixou o gramado sob os aplausos das mesmas 100 mil pessoas que o vaiaram no anúncio da escalação.
3. Em 2007, o Brasil iniciou sua jornada na busca por grandes eventos esportivos. Considerados a chance de ouro para o país impulsionar as candidaturas à Copa de 2014 (àquela altura já muito bem encaminhada) e, principalmente, aos Jogos Olímpicos de 2016 (cuja escolha da sede seria dois anos depois), os Jogos Pan-Americanos começaram com uma bela cerimônia de abertura no Maracanã. No momento mais aguardado da festa, porém, uma impressionante vaia. Reeleito presidente da República com a maior votação proporcional da história no ano anterior, Luiz Inácio Lula da Silva foi tão repreendido pelo público, que, no improviso, quebrou o protocolo e deixou de abrir oficialmente a competição. A honra acabou por cair nas mãos do presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman. Em 2014, quatro meses antes de ser reeleita presidente, Dilma Rousseff também foi vaiada na abertura da Copa do Mundo, na Arena Corinthians.
4. Outro chefe de Estado altamente popular que passou por maus bocados em um estádio de futebol foi Getúlio Vargas. Em 1940, ele participou da inauguração do Pacaembu, em São Paulo. À época o maior estádio da América do Sul, o Pacaembu estava lotado de paulistanos ainda engasgados com a subida de Getúlio ao poder após o golpe de estado contra o paulista Washington Luís em 1930. Além disso, Vargas ainda havia reprimido a Revolução que eclodiu em São Paulo em 1932. Com isso, a Terra da Garoa era um dos poucos lugares no país onde era possível que o Presidente, conhecido pela habilidade na hora de discursar, fosse implacavelmente vaiado. Curiosamente, quatro anos depois, ele transferiu os festejos do Dia do Trabalho do Rio de Janeiro para São Paulo como forma de exaltar a disciplina dos trabalhadores paulistas, que não aderiram greves como as que estavam ocorrendo na então capital federal. Com o Pacaembu mais vazio e a crise política no país menos intensa, foi recebido com aplausos e fez até desfile em carro aberto.
5. Em 1967, o músico Sérgio Ricardo iria se apresentar no palco do Festival da Música Popular Brasileira, então realizado anualmente pela TV Record. Porém, assim que começou a cantar a música “Beto Bom de Bola”, passou a receber uma impressionante vaia do público no Teatro Paramount, em São Paulo. Depois de alguns segundos tentando contornar a situação, o cantor se irritou. Quebrou o violão, atirou em direção a plateia e deixou o palco inconformado: “Vocês conseguiram! Esse é um país de animais!”. Essa é uma das cenas mais marcantes daquele que é considerado o maior dos festivais musicais do Brasil, vencido por Edu Lobo com “Ponteio”. O ocorrido passou a perseguir Sérgio, hoje com 84 anos. Em 2012, durante um show na capital paulista, ele riu quando um espectador pediu a música que não caiu nas graças do público em 1967 e ainda brincou: “Agora eu toco piano, não posso atirá-lo em vocês”.