OLIMPÍADAS: EXEMPLOS DE SUPERAÇÃO
Do trauma de infância ao pódio: a incrível história de 5 atletas
Obstáculos enfrentados durante os primeiros anos de vida podem ajudar a moldar a resistência de atletas de ponta chat_bubble_outline more_horiz
Histórias de abandono e dificuldades na infância vividas por campeões olímpicos como o brasileiro Thiago Braz ou a americana Simone Biles levaram muitas pessoas a se questionar se os obstáculos enfrentados durante os primeiros anos de vida podem ajudar a moldar a resistência de atletas de ponta. Segundo Alessandra Dutra, psicóloga do Comitê Olímpico Brasileiro, esportistas vencedores têm um perfil diferenciado, que lhes permite lidar com perdas e frustrações de maneira altamente eficaz.“O que acontece é que atletas de excelência têm uma habilidade espantosa para usar eventos do passado como fator de encorajamento – sejam eles bons ou catastróficos. Os verdadeiros campeões sabem transformar as adversidades em motivação”, afirma a psicóloga, que trabalha com a preparação mental da seleção feminina de handebol e participa de sua terceira Olimpíada.
Dessa maneira, as grandes frustrações no passado se tornam um dos vários golpes que os jogadores devem enfrentar na sua preparação esportiva. Afinal, os atletas são confrontados, a todo momento, com a perda, com a iminência da derrota e com obstáculos que, inicialmente, parecem intransponíveis. Além disso, um esportista de excelência sabe que sua rotina será de longos e estafantes treinos que podem trazer dores, reduzir a vida social e afastá-los da família.
“Perdas familiares irreparáveis durante infância são uma das muitas lições que a vida ensina aos atletas. Elas preparam o jogador para os muitos vazios que constituem a trajetória até o pódio. Campeões olímpicos sabem que as perdas e infortúnios não são o fim do caminho, mas etapas necessárias até a vitória e, por isso, conseguem superá-las com uma enorme habilidade. Os vencedores possuem uma grande persistência para enfrentar as desgraças e passar por cima delas”, afirma Katia Rubio, professora da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP) e uma das maiores autoridades brasileiras em psicologia do esporte.
Superar dificuldades
A incrível capacidade de resistir a adversidades e lidar com contrariedades é uma característica conhecida entre os profissionais de saúde como resiliência.“Como todo grande profissional os campeões olímpicos sabem usar as dificuldades para ultrapassar seus próprios limites”, diz Alessandra. “Além do mais, precisamos nos lembrar de que jogadores com infância difícil são uma parcela muito pequena em meio aos quase 1.000 atletas que ganharão medalhas em Olimpíadas.”
Confira as histórias dos 5 atletas que superaram a infância difícil e chegaram ao pódio:
A infância do atleta, hoje com 22 anos,
foi bastante diferente da glória dos dias atuais. Ainda pequeno, em Marília, no
interior de São Paulo, foi abandonado pela mãe na casa dos avós. De acordo com
os familiares, o menino esperou durante dias o retorno da mãe com uma mochila
nas costas – até perceber que esse dia não chegaria. Na adolescência,
encantou-se com a possibilidade de poder chegar aos céus – não com um avião,
mas com o auxílio da vara. Percebendo a paixão do rapaz, o tio, Fabiano Braz,
atleta do decatlo, começou a treinar o jovem de 13 anos sob sua supervisão. Com
16 anos, conquistou a prata nos primeiros Jogos Olímpicos da Juventude, em
Cingapura-2010, mas, em sua primeira competição adulta, em 2013, não passou da
fase classificatória. Em 2014, Braz se mudou para a Itália para treinar com o
mítico Vitaly Petrov, mentor das grandes lendas Sergey Bubka e Yelena
Isinbayeva. Sofreu uma fratura na mão esquerda que exigiu cirurgia e uma penosa
recuperação, mas, ainda assim, garantiu sua participação nas Olimpíadas. Após
dez saltos, na última segunda-feira, conseguiu uma altura histórica: voou a
6,03 metros de altura, levou o ouro e ainda estabeleceu um novo recorde
olímpico.
A ginasta tinha três anos quando o
serviço social dos Estados Unidos chegou em sua casa e retirou da mãe a
custódia de Simone e seus três irmãos. Shanon Biles, dependente de álcool e
drogas, não tinha capacidade de educar as quatro crianças. O pai de Shanon,
Ronald Biles e sua segunda mulher, Nellie, ficaram com as duas meninas menores
e os irmãos mais velhos foram morar com a irmã de Ronald. Pouco tempo depois,
os avós adotaram as meninas que, hoje, chamam os avós de pais. "Quando era
mais nova me perguntava o que teria sido da minha vida se nada disso tivesse
acontecido. Às vezes ainda me pergunto se minha mãe biológica se arrepende e se
queria ter feito as coisas de forma diferente, mas evito me prender a essas
perguntas porque não sou eu quem tem que respondê-las", disse a veículos
americanos. Em um passeio da escola em um centro de ginástica artística Simone,
então com 6 anos, mostrou algumas das piruetas que gostava de fazer em casa a
alguns instrutores. Admirados, os professores escreveram um bilhete aos pais da
menina sugerindo matriculá-la nas aulas. Dois anos depois, Aimee Borman,
descobriu a garota e, até hoje, é sua treinadora. Na adolescência, deixou de
lado as atividades extracurriculares, festa de formatura e até a escola. Fez o
ensino médio em casa para conseguir estender os treinos de 20 para 32 horas
semanais. Um ano depois, ganhou seu primeiro título e, nessas Olimpíadas, aos
19 anos, consagrou-se com cinco medalhas: quatro de ouro e uma de bronze.
Quando tinha 9 anos, os pais de Phelps
se divorciaram e, por muito tempo, o nadador se sentiu abandonado pelo pai. Na
mesma idade, o garoto isolado e que sofria bullying constante dos amigos por
causa do tamanho de suas orelhas, foi diagnosticado com Transtorno de Déficit
de Atenção e Hiperatividade (TDAH). A natação, junto com a terapia e o uso de
medicamentos, foi a válvula de escape do garoto que sofria com dificuldade para
se concentrar em suas atividades e tinha raros amigos. O treinador Bob Bowman
viu Phelps nadando aos 11 anos e identificou o incrível potencial do garoto. O
atleta sempre foi treinado por Bowman e desenvolveu com ele laços paternais,
que o ajudaram a enfrentar os problemas com o vício em bebidas alcoólicas e
jogos, que quase o levaram a deixar o esporte após as Olimpíadas de Londres, em
2012. Chegou a ser detido por dirigir embriagado, teve depressão e chegou a
pensar em suicídio, mas reencontrou o equilíbrio dentro das piscinas. Na Rio
-2016, Aos 31 anos, ganhou cinco ouros e uma prata e é o atleta mais premiado
da história dos Jogos Olímpicos.
4 . Isaquias Queiroz, que conquistou três medalhas na prova
canoagem, é filho de uma família humilde de Ubaitaba, na Bahia. Sua infância
foi marcada por queimaduras no corpo após um acidente doméstico, um rápido
sequestro e uma queda perigosa de uma árvore, aos dez anos, que lhe custou um
rim. Começou a remar no Rio das Contas, em um projeto social local, já com o
apelido de Sem Rim, dado pelos amigos. “Os desafios fazem com que a gente se
supere cada dia mais. As dificuldades que eu passei no início da minha
carreira, no início da canoagem, me fizeram chegar hoje onde eu estou,
conseguindo melhores resultados. Com força de vontade você acaba chegando”
afirmou o rapaz de 22 anos, que encara as dificuldades com bom humor: “Nunca
deixei ninguém ganhar de mim para depois eu falar: ‘Eu perdi porque só tenho um
rim’. Não, eu gosto de competir de igual pra igual. O ruim é quando uma pessoa
perde para mim e diz: ‘Nossa, perdi para um cara que só tem um rim!”
Prata conquistada com Erlon Souza,
canoísta é primeiro brasileiro a ganhar três medalhas em uma mesma Olimpíada
O sérvio Novak Djokovic, nasceu na
Sérvia, região que corresponde à ex-Iugoslávia. O garoto cresceu em meio a
guerras civis, hiperinflação, crise econômica e diversos bombardeios da Otan
Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que terminaram por separar em
várias partes o lugar em que nasceu. Aos 6 anos decidiu que queria ser tenista
e desenvolveu sua paixão em meio às bombas, que levavam o jovem a se esconder
em abrigos e viver à base de pão e água. “Ficávamos na quadra de tênis das dez
da manhã até a hora do crepúsculo. Nossos filhos treinavam durante o
bombardeio. Treinando e ouvindo as sirenes”, conta Djana, mãe de Djokovic, na
biografia do jogador. O atleta costuma dizer em entrevistas que o tênis salvou
sua vida e que teve a sorte de ter pais que acreditavam em sua habilidade.
Djokovic é o tenista número 1 do ranking mundial e, na Rio-2016, foi eliminado
pelo argentino Del Potro na primeira rodada do masculino de tênis.