terça-feira, 29 de março de 2016

IMPEACHMENT, POLÊMICA TOMA CONTA DO BRASIL



JANAÍNA EXPLICA PEDIDO DE IMPEACHMENT

Aos 41 anos, a advogada Janaína Paschoal vive momentos de celebridade: "Me param muito para tirar selfies na rua. No mercado, na feira, no elevador, em todo lugar. Recebi muitas cartas, até de brasileiros que vivem no exterior", conta.
Professora livre docente da Faculdade de Direito da USP, onde entrou como aluna aos 17 anos, ela é uma das autoras do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff em tramitação na Câmara. A recepção calorosa pelos defensores do afastamento da presidente, opina, tem motivo: "Acho que as pessoas estavam com isso engasgado".


Os advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal (ao centro), quando registraram o primeiro pedido de impeachment
Com um perfil conservador, Janaína se define como uma "canceriana romântica" que espera poder "mudar o mundo". Diz ser politicamente liberal, mas contra a legalização do aborto e das drogas, e a favor das cotas para negros nas universidades.
Em entrevista à BBC Brasil, ela falou sobre a crise política, o relacionamento com petistas e o que vê como o desfecho ideal para o atual impasse. "É um momento de passar o país a limpo, caia quem tiver que cair, doa a quem doer, inclusive se for do PSDB, do PMDB e de todos os outros partidos", afirma.
Ela defende todos os argumentos do pedido de impeachment, assinado com os juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr. Confira os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil - O que a levou a redigir o pedido de impeachment?
Janaína Paschoal - Foi uma ideia que passou por um processo demorado de maturação. Entre a primeira intenção e a conversa com o Hélio Bicudo foram três meses, depois de falar com muita gente. Falei sobre o tema na OAB de São Paulo, onde sou conselheira, e também com professores de direito e colegas advogados. Até o PSDB eu procurei, mas ninguém se habilitava. Muitos temiam que suas carreiras ou escritórios fossem prejudicados. Nas manifestações antigoverno eu via uma frustração muito grande. Ficava muito triste ao ver que não davam em nada, e comecei a perceber a população desanimada. Em agosto do ano passado houve um protesto em que me convidaram a subir num carro do (movimento) Vem Pra Rua, e acabei fazendo um discurso. E aí tudo aconteceu em uma semana. Me apresentaram ao Hélio Bicudo dias depois e ele foi o primeiro a realmente acreditar em mim. Quando penso neste dia tenho vontade de chorar, porque os outros me olhavam como se eu fosse louca, mas com ele foi um encontro de almas. O Miguel Reale Jr. já tinha feito pareceres a respeito, havia sido meu orientador na USP, e também nos ajudou.
A senhora entrou na Faculdade de Direito da USP, a tradicional São Francisco, com 17 anos. Como tem sido a convivência com professores e alunos com perfil de esquerda na instituição?
O Largo São Francisco é a minha casa. Na graduação não tive problemas, mas, assim que eu entrei como professora, sim. Me sinto como um peixe fora d'água, e não só nas questões político-partidárias. É uma mentalidade muito diferente, como um todo. É quase verdade absoluta lá que você tem que legalizar todas as drogas. Também acham que temos que legalizar o aborto e a exploração da prostituição. Eu não concordo com nada disso. Sou o que a gente pode chamar de liberal, no sentido inglês, e lá é um espaço muito marxista.
A senhora diz ter muitos amigos petistas. Como tem sido a convivência com eles?
Tenho vários amigos petistas. Não toco no assunto com eles, porque não aguentam. Muitos falam "e o PSDB?". E aí eu digo: o que eu tenho a ver com isso? Eu não sou do PSDB. Se eles devem, que paguem. Até agora não houve rompimento de relações com ninguém, mas no começo foi muito difícil. Tive dificuldades com alguns parentes, mas acho que agora já conseguimos superar. A verdade é que o petista não tem liberdade de pensamento. Para eles o Lula é Deus. É intocável e está acima da lei. Não vou endeusar ninguém. Eles acreditam que, pela história dele, ele pode tudo, e infelizmente ele também acreditou nisso, e a presidente também.
Como vê as acusações de que o governo está sendo vítima de um golpe, que o impeachment é mais baseado em posições políticas do que em evidências de irregularidades?
Estou tão cansada de repetir a mesma coisa. Está tudo escrito no pedido. Os documentos estão lá, todo o processo do Tribunal de Contas da União, todas as delações do petrolão. Perto do que vemos hoje, o Collor era brincadeira. Essa acusação de golpe é chavão, é discurso de petista.
Por essa lógica, podemos dizer então que os gritos de "Fora Dilma, Fora PT" também são chavões? Não seria a mesma coisa?
Não gosto de chavão, mas é "Fora PT" mesmo, eu quero que saia mesmo. Agora, por que é golpe? Por que eles não explicam? Por que não entram no mérito, nos detalhes das coisas?
Como avalia a participação de grupos que defendem a intervenção militar nos protestos antigoverno?
Acho que é falta de perceber que, de todos os regimes, o melhor é a democracia, e que defender uma ditadura é uma visão estreita. Não gosto de ditadura, nem de direita e nem de esquerda, nem militar nem civil. Não é um discurso que me agrada, assim como não me agrada o discurso marxista de querer também fechar aqui, e virar uma Cuba. Defendo o direito de as pessoas falarem o que quiserem. Não é porque não concordo que vou condenar.
Grupos e até juristas que apoiam o governo dizem que não houve comprovação de crime de responsabilidade em nenhum dos elementos elencados no pedido de impeachment e na Lava Jato. Como a senhora responde?
Ou as pessoas não estão acompanhando o que está acontecendo no país, ou não sei mais o que é necessário, porque ter responsabilidade implica em tomar providências para fazer a situação cessar e responsabilizar subalternos pelas irregularidades, mas a presidente simplesmente nega os fatos com relação a isso. Todo esse pessoal que está preso ou esteve preso era próximo a ela. Ela era avisada de que as coisas não estavam bem. E o que ela fazia? Subia no palanque e dizia que era tudo armação, que era golpe, que era mentira, e que a Petrobras estava maravilhosa. Isso não é um comportamento condigno com o cargo de presidente.
As pessoas confundem corrupção com crime de responsabilidade. Em nenhum lugar eu escrevi que a presidente pegou dinheiro para ela. O que eu escrevi é que ela não tomou as providências inerentes ao cargo. Disseram que Edinho Silva fez negociações e abrem um inquérito. Ela põe o homem como ministro (da Secretaria de Comunicação Social). O Lula está sendo investigado, e ela põe o homem como ministro.
O Nestor Cerveró foi ela quem indicou e todo mundo sabe que ele operava tudo aquilo ali. O Paulo Roberto Costa foi até no casamento da filha dela, e, apesar de todos os indícios vindo à tona, ela seguia negando e não afastava as pessoas. Crime de responsabilidade não está ligado necessariamente a pegar dinheiro para si. Ela tem responsabilidade de zelar pela gestão, pela coisa pública, e afastar quem está sendo investigado, ou quando já há elementos suficientes, mudar diretores. Ela não fez nada disso. Não é negligência, é dolo mesmo. Houve intenção. Ela se omitiu dolosamente. Ela sabia, e o senador Delcídio do Amaral acabou de falar na delação premiada que ela sabia.
Como vê o fato de a Comissão Especial ter retirado a delação do Delcídio do pedido de impeachment?
A delação confirmou tudo que a gente escreveu no pedido. É apenas uma prova a mais de que a gente estava com a razão lá atrás. Acho que estão sobrando elementos para esse impeachment. Se ele vai ocorrer ou não, é outra história. Mas, do ponto de vista técnico jurídico, digo que tem que sair. Anexei a delação do Delcídio como prova, mas ela foi desanexada a pedido dos deputados, inclusive da oposição. Não consigo entender.
Também há críticas quanto às pedaladas fiscais. A imprensa relatou que elas foram utilizadas nos municípios e Estados, e que se o Brasil destituir uma presidente com base nisso, ao menos 16 governadores também poderiam ter o mesmo fim.
Sobre isso há documento que não acaba mais. Foram muitos anos. Isso ocorreu em 2013, 2014 e 2015, pegando dinheiro dos bancos públicos sem contabilizar, e não só para programas sociais, mas também para passar para empresários, quebrando os bancos públicos, fazendo uma contabilidade fictícia, de fachada, dizendo que nós tínhamos superavit quando na verdade estávamos com um rombo bilionário.
Sobre os governadores, que tirem, que saiam todos, chega.
A senhora diz que outro motivo forte para a queda do governo são os indícios de uma corrupção sistemática, que permeia o Executivo, congressistas e estatais. Como avalia as acusações, em delações premiadas, de que a República vem funcionando assim há décadas, incluindo governos anteriores?
Eu acho que o PT abraçou a corrupção como um método de governo. Vejo uma diferença entre o PT e os governos anteriores. Isso significa que as corrupções anteriores tenham que ficar impunes? Não. Todos devem ser punidos. Mas houve um salto no PT em termos de valores. Não vou pôr a mão no fogo e dizer que não aconteceu (antes), mas não acho que era um método, como os petistas têm, com esquemas desenhados e estruturados.
Como a senhora avalia a decisão, do juiz Sergio Moro de divulgar o grampo da conversa entre Lula e Dilma? Na sua visão, o diálogo configura tentativa de obstrução da Justiça?
O Moro não é da oposição. Ele é um juiz independente e sério, que está fazendo um trabalho pelo país merecedor de uma medalha, e não esse monte de pedidos para ele ser preso. Sobre a retirada do sigilo, eu particularmente não vejo nenhuma ilegalidade. Ninguém está falando, por enquanto, que a presidente cometeu um crime ali, naquele fato. Ele poderia ter sido mais cauteloso e perguntar (ao Supremo Tribunal Federal)? Talvez. Mas talvez tenha pensado que, se demorasse, o fato iria se concretizar e Lula viraria ministro. Sobre o diálogo, entendi a mesma coisa que todo mundo entendeu. Vai ter que ter uma investigação, claro, mas para mim ela estava dando um salvo-conduto para que, se viessem prendê-lo, ele pudesse dizer que já era ministro. Não quero entrar no mérito se trata-se de obstrução da Justiça, mas creio que no mínimo é uma imoralidade.
Como vê a possibilidade de o vice-presidente Michel Temer ser implicado devido ao processo que tramita no TSE, relacionado ao financiamento da campanha de 2014, e as acusações e o pedido de cassação que pairam sobre o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, respectivamente segundo e terceiro na linha de sucessão?

Veja, a situação do país é complicada. Mas agora por isso vou deixar no cargo alguém que não tem condições de permanecer? Acho que a gente precisa começa a enfrentar essa situação, porque não dá mais para jogar a sujeira para baixo do tapete.
Como imagina um Brasil pós-impeachment, e como acha que seu nome será lembrado no futuro?
Imagino um Brasil onde as crianças realmente vejam que vale a pena ser correto, ser honesto e fazer o bem. Preferiria que o vice assumisse e terminasse o mandato e que a eleição acontecesse no momento adequado, que é 2018. Acho que para o país isso é melhor. E não é porque eu ame o Temer, é porque é questão institucional, acho que é melhor que a eleição aconteça na data certa. Sobre o meu nome, não sei. De verdade eu não sei. A história pertence aos homens, e o meu compromisso é com Deus, apesar de não ter uma religião específica. O meu compromisso é com o que eu acho que é justo. Como a história vai escrever, se é que vai escrever, não me pertence.

segunda-feira, 28 de março de 2016

IMPEACHMENT: OAB PROTOCOLA NOVO PEDIDO


O texto do novo pedido é mais amplo do que o processo que já está em análise pela comissão especial da Câmara porque, além das chamadas pedaladas fiscais, trata de outras questões que implicariam em crimes de responsabilidade, segundo a entidade.
O processo faz referência ainda a renúncia fiscal à Fifa para a Copa 2014 e tentativa de obstruir a Justiça, levando em consideração da delação premiada do senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS), e a nomeação do ex-presidente Lula para a Casa Civil numa tentativa de definir o foro para a investigação de um aliado.
Agora, na Câmara, o documento seguirá o mesmo rito de todos os pedidos de impeachment protocolados na Casa. Passará pela análise do presidente, Eduardo Cunha, a quem cabe avaliar a admissibilidade ou não da denúncia.
O processo que está em andamento foi avalizado por Cunha em dezembro, quando ele acatou parte dos argumentos apresentados pelos juristas Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo.
Além das manifestações na Câmara, a entrega também provocou críticas internas. Antes de ser protocolado na Câmara, um grupo de advogados procurou o presidente da OAB para pedir a suspensão da entrega do pedido de afastamento de Dilma e distribuiu um manifesto apontando que o impeachment sem justificativa é golpe. Esse movimento é liderado por Marcelo Lavènere, presidente da Ordem que entregou o pedido de impeachment que resultou na saída de Fernando Collor da Presidência da República.
Para esses advogados, a OAB deveria ter feito uma ampla consulta direta às bases antes de decidir pelo apoio ao processo e não só dado voz aos representantes das seccionais. 

Numa semana considerada decisiva, parlamentares e militantes contrários ao impeachment da presidente Dilma Rousseff bateram boca com manifestantes e representantes da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que foram até o local para protocolar um novo pedido de impedimento.
A entrega seria feita no protocolo da Câmara dos Deputados, mas embates entre manifestantes contrários e a favor do afastamento da petista nas dependências da Casa fizeram o presidente da entidade, Claudio Lamachia, entregar o documento na Secretaria Geral da Mesa, onde conseguiu chegar.
Mais de 300 pessoas tomaram conta da chapelaria, principal entrada da Câmara. Antes da chegada de Lamachia, a confusão estava instalada no Salão Verde, onde transitam deputados, local de passagem do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para o plenário. 

Gritos de ordem como "Não vai ter golpe, vai ter justiça", "golpistas não passarão" e "A verdade é dura, a OAB apoiou a ditadura", eram respondidos com "Vai ter impeachment" e "Lula ladrão".
Após a saída de Lamachia, dois manifestantes trocaram socos e chutes do lado de fora da Câmara. A Polícia Legislativa, que acompanhou toda a movimentação nas dependências, não interferiu em nenhum momento.
Lamachia estava acompanhado dos 81 conselheiros federais da ordem e dos presidentes de todas as seccionais da entidade. Segundo ele, isso demonstra a unidade da decisão. Apesar das manifestações contrárias de advogados, ele nega racha na instituição.
"A OAB não se manifesta de acordo com as paixões políticas e partidárias. A OAB se manifesta de forma técnica e é isso que foi feito aqui hoje. Tivemos a demonstração clara de que a OAB está absolutamente unida no trabalho técnico que foi aqui apresentado", afirmou.
O presidente da OAB lamentou o acirramento de ânimos e disse ainda que necessário manter a "serenidade". "Esperamos serenidade, que as pessoas tenham calma, que este ódio que está instalado diminua. Não podemos colocar uma classe contra a outra. Vivemos num estado democrático de direito e a nossa democracia tem que ser respeitada".
Lamachia também explicou que não entregou o pedido diretamente a Eduardo Cunha, uma vez que a OAB já tem posição formada contra a permanência dele na presidência da Casa. "Entendemos que o presidente da Câmara tem que se afastar e, por não reconhecer a legitimidade dele, entregamos esta peça no protocolo".
 Fonte: http://www.folha.uol.com.br/28/03/16

domingo, 27 de março de 2016

DILMA CONSTRUIU UMA TRAGÉDIA: DELFIM NETO



Dilma construiu uma tragédia com o apoio da sociedade, diz Delfim
ÉRICA FRAGA, Folha de São Paulo, 27/03/2016 

“A presidente Dilma construiu uma tragédia com o apoio da sociedade brasileira e agora corre risco significativo de perder o mandato.
A análise é do economista Antonio Delfim Netto, que diz ter sido "grande amigo" do governo Lula e, até o fim de 2012, da gestão de Dilma.
Segundo Delfim, a popularidade da presidente disparou quando o governo forçou uma redução dos preços da energia elétrica em 2012.
A medida teve forte impacto negativo no setor e as tarifas precisaram ser posteriormente corrigidas. "Ela atingiu o máximo de sua aprovação quando estava no máximo do erro. Visivelmente, você estava construindo uma tragédia com o apoio da sociedade."
Para ele, outros equívocos grandes do governo Dilma incluíram tentar reduzir os juros sem ter um equilíbrio das contas públicas condizente e segurar o preço da gasolina, prejudicando a Petrobras.
Segundo Delfim, os protestos de junho de 2013 marcaram o momento em que a sociedade acordou em relação aos erros do governo.
"Ela [Dilma] deveria ter acordado antes da sociedade. O papel do líder é explicar para a sociedade por que existem restrições físicas; se você violá-las hoje, elas aparecem amanhã com uma vingança."
Embora afirme continuar contra o impeachment, Delfim acha que o risco de afastamento da presidente aumentou muito.





Folha - O governo Dilma acabou?
Delfim Netto - É difícil dizer que acabou, porque isso depende do resultado do impeachment. Acredito que a situação tem piorado muito. Em condições normais de pressão e temperatura, a nomeação do Lula teria ajudado muito o governo. Ele é habilidoso, é negociador, tem controle sobre o PT -o principal adversário da Dilma desde a nomeação do Levy [Joaquim Levy, ministro da Fazenda em 2015] foi o PT.
O programa do PT é contrário ao programa do Levy, do Nelson [Barbosa, atual ministro da Fazenda] e, na minha opinião, é absolutamente impróprio para o momento que estamos vivendo. Essa foi uma das maiores dificuldades dela, que também teve uma enorme inabilidade no tratamento com o PMDB. Ela conseguiu afastar o PMDB, tentou dividi-lo. Ou seja, o governo nunca entendeu que só uma ação muito forte no Congresso conseguiria mudar o sistema e as perspectivas de futuro.
Não adianta insistir. A sociedade hoje não crê que o governo tenha condições de administrar o país. Estamos numa situação delicada.
O melhor para o país agora seria uma saída da presidente?
Ela precisaria reassumir seu protagonismo e aprovar no Congresso medidas estruturais que mudem o futuro do Brasil. A situação não é só grave no presente, o problema é que não há esperança para o futuro. Esse é o plano do Nelson [Barbosa], inclusive: cuidar do longo prazo para dar esperança aos investidores de que haverá volta do crescimento, e cuidar do curto prazo para não deteriorar muito mais a situação fiscal.
É preciso que as pessoas se convençam de que a reconquista da estabilidade está a vista. Você precisa dar à sociedade uma esperança de que o crescimento vai voltar.
Crescimento é um estado de espírito, só cresce quem acha que vai crescer, e isso se perdeu. Um dos problemas é que, no segundo mandato, a presidente não reconheceu que tinha errado e que a escolha do Levy era uma mudança completa de orientação.
Quando o senhor percebeu que o país caminhava para uma crise grave?
Em 2011, a Dilma fez um governo absolutamente perfeito, corrigiu alguns dos exageros do governo Lula, cresceu 3,9%, manteve a inflação em 6,2%, teve superavit primário de 3% do PIB.
Em 2012 quando o governo imaginou que haveria redução de crescimento, fez uma intervenção na energia, que foi um desastre. Aqui é importante notar que, quando o Executivo é controlado pela pesquisa de opinião, pode ser levado a tragédia.
Como assim?
Quando ela começou a intervenção na energia elétrica, teve um aumento de quase 6 pontos percentuais de aprovação. Era uma tragédia. Mas para quem? Para aqueles que enxergavam 12 meses na frente. Para quem ia pagar a conta do mês seguinte era uma medida maravilhosa. A resposta da sociedade foi extremamente positiva, ela apoiou a Dilma nos seus equívocos.
Como se não bastasse, quando houve a segunda intervenção danosa, que foi reduzir a taxa de juros sem produzir as condições fiscais para isso, ela teve mais um surto de aprovação. Ela atingiu o máximo de sua aprovação quando estava no máximo do erro.
A pesquisa de opinião é distante, não reflete se uma medida é certa ou errada, responde aos interesses daquele instante. Visivelmente, você estava construindo uma tragédia com o apoio da sociedade.
Como um governante eleito deveria lidar com isso?
Ele tem que ter um programa, saber o que está fazendo. Tem que conhecer as consequências.
O senhor disse no passado que achava a presidente uma mulher muito inteligente. O que deu errado?
Continuo achando ela inteligente, não mudou nada.
Faltou habilidade política?
Acho que faltou habilidade política. Ela é pessoalmente correta, tem honestidade de propósito e tem um objetivo que é a modicidade tarifária. Todos esses erros foram produzidos pela modicidade tarifária.
A modicidade tarifária é um erro?
É uma boa ideia que, mal usada, pode produzir grandes erros: por exemplo, quando fixo a taxa de retorno no leilão, quando, para controlar a inflação, controlo o câmbio, quando, para controlar a inflação, controlo o preço da gasolina, empurro um buraco gigantesco na Petrobras e destruo o setor de etanol.
Esses erros pesaram contra o governo?
Isso tudo foi acumulando e, a partir de junho de 2013, começou um desarranjo político muito sério. Depois daquelas passeatas, o governo nunca mais juntou pé com cabeça.
As passeatas foram um divisor de águas?
Eu diria que a passeata foi um instante em que a sociedade que tinha errado todo o tempo respondendo às pesquisas acordou. E ela deveria ter acordado antes da sociedade.
Algumas medidas que os economistas listam como necessárias para retomar o crescimento são impopulares. A sociedade está preparada?
Algumas questões são restrições físicas. Por exemplo: nada mais justo que um bom sistema previdenciário, nada mais insustentável do que um mau sistema previdenciário. Um bom sistema previdenciário precisa ser atuarialmente sustentável. Isso não tem nada que ver com a pobreza.
O que é preciso? O papel do governo, do líder, é explicar para a sociedade por que existem restrições físicas e que, se você violá-las hoje, ela aparece amanhã com uma vingança.
É isso que se exige da liderança, e não obedecer à opinião pública.
É se antecipar, educar para as restrições físicas que são inevitáveis. Quando você tenta violar as condições da contabilidade nacional você está construindo a tragédia. Quando você tenta distribuir mais do que produziu, sem ter ganhado algo de presente ou tomado emprestado, você está construindo a tragédia.
O problema é que a construção da tragédia, no curto prazo, produz um enorme entusiasmo nas pessoas que não têm condição de ver um horizonte mais longo. Mas isso é uma coisa que vai chegar com educação.
Os erros foram do PT?
Não. O Lula aproveitou uma situação mundial favorável e fez um bom governo, a destruição das finanças foram em 2014, produzidas pela redução do crescimento. A partir de 2012, você começou a entrar em um desvio perigoso e está colhendo os frutos.
Os erros foram da presidente e de seu governo?
Acho que a presidente sempre foi a chefe da Casa Civil, a ministra da Justiça, da Fazenda, do Planejamento, dos Transportes, do Bem-estar Social. Para o governo Dilma funcionar, o dia teria que ter 240 horas. Ela é compulsivamente detalhista e tem pouca confiança em seus auxiliares.
Isso é incompatível com o bom exercício da Presidência?
Torna tudo muito mais difícil, porque você está num sistema presidencialista de coalizão. O presidente tem que 'presidencializar' e 'coalizar'.
O senhor tem falado muito sobre o presidencialismo de coalizão.
Visivelmente não funciona. Basta ver a história recente. Temos que caminhar para algo diferente, provavelmente para algum mecanismo de parlamentarismo. Mas isso exige uma mudança profunda do regime eleitoral.
Você precisa, na verdade, ter um sistema eleitoral em que haja regras de barreira, que não permita alianças de partidos no nível inferior, que seja distrital, porque o distrito é a forma mais interessante de melhorar a qualidade do político. O distrito exerce sobre o político um controle que as pessoas não percebem.
Por que é tão difícil adotar as reformas necessárias para o Brasil crescer de forma sustentada?
Esse é um processo evolutivo. Cada eleição, à medida que é mais livre, vai empoderando o cidadão, mas o que empodera de verdade, é o grau de conhecimento, de educação, sua capacidade de enxergar um pouquinho mais longe.
As ações não nasceram perfeitas, é um processo quase biológico, uma seleção natural. O homem na história foi procurando alguma forma de administração que satisfizesse a três condições: a liberdade de iniciativa, relativa igualdade de oportunidade e eficiência produtiva.
O homem não nasceu para trabalhar, o homem nasceu para realizar sua humanidade. Então por que precisa de eficiência produtiva, que é do que os economistas cuidam? É para ter mais tempo para construir sua humanidade.
O senhor vê sinais de que a sociedade e a classe política brasileira estão chegando a esse ponto de enxergar as mudanças necessárias?
Sim, é visível. Vai avançando lentamente, mas avança. Mesmo o sistema distrital, está se construindo naturalmente.
Que sinais o senhor vê disso?
Hoje grandes cidades do interior, já elegem seu próprio representante. É muito difícil o sujeito de Araraquara, buscar voto em Ribeirão Preto. Ou seja, as coisas começam a caminhar. O homem já acreditou no sacerdote, no rei, no presidente e foi avançando. Hoje todo mundo sabe que a sociedade razoável é aquela onde você progride, mas seu vizinho cresce junto.
Como as tensões da sociedade brasileira afetam a chance de a presidente Dilma continuar no cargo?
A probabilidade diminuiu.
Que cenário o sr. vê?
Hoje, quem me disser o que vai acontecer nos próximos 30 dias ou está mentindo ou está mal informado. Foi iniciado um processo no Congresso que termina com ela ficando ou saindo.
O que vai determinar o resultado?
O que está acontecendo agora. É tão volátil o Congresso. A Câmara é de uma volatilidade enorme, ela varia de 50 votos para 350 com uma notícia. Hoje, você não tem controle sobre as notícias. Mas acho que a probabilidade do impeachment cresceu bastante, muito mais do que teria crescido se tivesse dado certo a nomeação do Lula.
A confiança foi abalada com a conversa vazada pela Polícia Federal?
Podem dizer que a Dilma tentou proteger Lula, mas como vão saber? É uma questão de sentimento interno, você precisa provar que isso aconteceu. Mas o grampo deu um sentimento de que a atitude foi para proteger, e as coisas evoluíram muito depressa.
A sociedade inteira está estupefata diante dessas coisas. E você está judicializando toda a política.
Isso é ruim?
Há coisas que são fundamentais; o respeito ao STF (Supremo Tribunal Federal) é a garantia de todas as nossas liberdades. Um ministro do Supremo não tem passado, só futuro. É o respeito que ele tem da sociedade que decide seu futuro. Então vejo com preocupação essa ideia de que "ah, o Congresso não vale nada, o Executivo não vale nada". Mas quem escolheu o Supremo? O Executivo e o Congresso. Como pode sair a pureza do que não vale nada? Há uma contradição nessas coisas.
O que fundamenta essas crenças?
É assim que funciona. As pessoas têm dificuldade de superar suas próprias crenças e desejos.
Já experimentamos tudo e sabemos que nada funciona fora do regime democrático apoiado numa economia de mercado. Você tem 30 países no mundo razoavelmente civilizados e democráticos, todos usaram o mesmo processo. Quer dizer, não precisa ficar inventando, copia, copia bem feito, mais nada.
Se a presidente sair, o impeachment é o caminho institucionalmente melhor?
São questões pessoais. Eu sempre fui contra o impeachment, porque ele exige uma violação de função. Então, nunca me convenci de que as puras mutretas que se chamaram de "pedaladas"... Elas vêm desde dom João 6º.
Vai ter que provar no Congresso se realmente houve a violação de função.
O grampo traz evidências mais graves do que as pedaladas?
Mas teria que provar. O grampo é um indício, uma questão, digamos, psicológica. Só o Supremo pode decidir.
Essas ressalvas tiram legitimidade do processo de impeachment?
Não, ele absolutamente é legítimo. Está no Congresso, na Constituição. Quando acontece uma violação de função. Mas tem que provar.
O que o senhor acha do documento "Ponte pra o Futuro". É correto chamá-lo de "plano Temer" [Michel Temer, vice-presidente]?
É correto porque foi ele que propôs. Aquilo não tem autor, é uma emanação de um razoável consenso que domina as pessoas razoavelmente conscientes da sociedade. As pessoas sabem que é preciso ter um mínimo de consenso pra administrar. É um bom programa.
Se adotado ajudaria a recuperar o crescimento?
Eu não tenho dúvida. Qualquer governo que tivesse aquele programa e poder para implementá-lo melhoraria dramaticamente o Brasil.
Muitos políticos podem ser implicados pelas investigações da Lava Jato. Isso não é um risco para um eventual governo de transição?
São duas coisas completamente diferentes. A Lava Jato é um ponto de inflexão na história do Brasil. Tem inconvenientes instantâneos, mas vai mudar o comportamento da sociedade brasileira. Vai gerar mudanças estruturais que, no futuro, irão acelerar o crescimento do país.
O sr. é bastante próximo de Michel Temer. No passado, foi citado também como conselheiro do ex-presidente Lula e da presidente Dilma. Quando o sr. se afastou do governo atual?
Você acredita na imprensa? [risos]. Na verdade eu nunca fui conselheiro, mas fui grande amigo do governo Lula e do governo Dilma até o fim de 2012. Acho que o Lula fez um bom governo. Acho que a Dilma fez um excelente 2011 e começou a se desviar em 2012.
Desde dezembro de 2012, quando foi feita aquela operação sinistra em que se transformou dívida pública em superavit primário, via BNDES, eu tomei distância. Mas não tenho esse espírito crítico exagerado que as pessoas pensam. Governar é muito difícil”.