Mãos sujas, por Nelson Motta O Globo, 04/04/14
"O assunto pode ser árido e técnico, mas é oleoso e viscoso. Quem consegue entender como a Refinaria de Pasadena custou US$ 1,2 bilhão, não vale nem a metade, mas processa cem mil barris por dia, enquanto a Refinaria Abreu e Lima vai custar US$ 18,5 bilhões para processar cem mil barris no início e 240 mil quando estiver a pleno vapor?Que crises econômicas internacionais, que conjunturas de mercado, que estratégias de negócios, que prioridades regionais e nacionais, que espessuras e viscosidades dos óleos, que certezas na impunidade e na estupidez alheia produzem as explicações oficiais para os prejuízos que, por incompetência da gestão, os acionistas da Petrobras tiveram nos últimos quatro anos?
Embora ex-presidente José Sergio Gabrielli diga que “o assunto é requentado”, o óleo está fervendo para ele e seus companheiros de aventuras, há um cheiro de queimado no ar, os poços de burocracia da empresa estão cheios de mistérios que começam a jorrar, Pasadena e Abreu e Lima são apenas dois focos de incêndio, estamos descobrindo que o petróleo não é nosso, é deles.
Enquanto isso, o PT tenta convencer o público que o clamor pelas investigações sobre as refinarias é uma campanha contra... a Petrobras. E responde às acusações não negando, mas ameaçando investigar roubalheiras que podem atingir o PSDB em São Paulo. Se desistir da CPI da Petrobras a oposição pode continuar roubando à vontade? Quem ainda aguenta isso?
Mas o mal já está feito. Na era do aparelhamento político, funcionários de carreira das estatais logo perceberam que aderir ao partido era a melhor forma de crescer na empresa, através de indicações “técnicas”, mas na verdade partidárias, com todas as suas distorções e consequências. Áreas sensíveis e importantes foram entregues em barganhas políticas a corruptos profissionais e a incompetentes que eventualmente dão mais prejuízo do que os ladrões.
A palma da mão manchada de óleo preto que os governantes adoram mostrar para os fotógrafos quando visitam alguma plataforma de petróleo se transformou em um ícone da sujeira e da lambança.” Nelson Motta é jornalista.
PETROBRÁS:
PF investiga propina também na Argentina
BRASÍLIA
- O Estado de S.Paulo (04 de abril de 2014)
A
Polícia Federal abriu em março um inquérito para investigar a denúncia de que a
venda da refinaria San Lorenzo, na Argentina, por US$ 110 milhões, incluiu o
pagamento de uma comissão de US$ 10 milhões a lobistas que intermediaram o
negócio, sendo que metade desse valor iria para políticos do PMDB que
participaram do loteamento de cargos na estatal.
A Petrobrás, em
ofício ao Congresso, em 2012, afirmou que as aquisições de refinarias na
Argentina foram efetivadas a partir de 2001 e faziam parte de uma "ação
estratégica" dirigida à sua consolidação da estatal como empresa relevante
em seu setor na América do Sul.
O inquérito, cuja
abertura foi divulgada esta semana pela revista Veja, baseou-se em informações
da Época, em agosto passado. Em entrevista à revista, o engenheiro João Augusto
Rezende Henriques, ex-funcionário da Petrobrás, denunciou um esquema de corrupção
na Diretoria Internacional da estatal que favoreceu o PMDB.
Segundo ele, todos
os empresários com contratos na área internacional a partir de 2008 tinham de
pagar um "pedágio" ao PMDB - sobretudo à sua bancada mineira,
responsável pela indicação do ex-diretor internacional da Petrobrás Jorge
Zelada. Este deixou o cargo em julho. O partido e a estatal negam qualquer
irregularidade.
A investigação
sobre a refinaria argentina se soma aos inquéritos que apuram a compra de
Pasadena, nos EUA, e o eventual pagamento de propina pela empresa holandesa SBM
para obter contratos com a Petrobrás. Auditorias da estatal e da SBM desta
semana não apontaram os pagamentos.
O
Globo (04/04/14)
“Presos à quase
monocórdica argumentação de que a convocação de uma CPI para investigar
obscuras transações na Petrobras, a poucos meses das eleições, se trata de jogo
político da oposição, o PT e seus aliados no Congresso e no governo federal
escamoteiam a questão central do caso.
O foco, que tentam
esmaecer, está no fato de que diretores da estatal foram apanhados em
“malfeitos”. Um deles sugerido pela própria presidente Dilma Rousseff, em nota
que julgou necessária para explicar como foram aprovadas as inusitadas
condições de compra de uma refinaria em Pasadena (Texas). O fato ocorreu em
2006, no governo Lula, quando ela acumulava a chefia da Casa Civil e a
presidência do Conselho de Administração da estatal. Segundo Dilma, a decisão
foi tomada com base em relatório “técnica e juridicamente falho”.
Há evidências de
que negócios nebulosos resultaram em prejuízos bilionário aos acionistas. Falta
no mínimo bom senso quando se procura dar como positiva a compra da refinaria
no Texas: primeiro, a Petrobras pagou US$ 360 milhões por metade de uma empresa
que, pouco antes, fora adquirida, inteira, por US$ 42,5 milhões, pelo grupo
belga Astra Oil; depois, adquiriu o controle, pagando US$ 1,2 bilhão. É questão
que precisa ser esclarecida, porque põe em jogo a credibilidade da estatal. Mas
não é caso único e isolado.
Estão à espera de
explicações negócios igualmente exóticos, por obscuros, como a operação para a
construção, em curso, da Refinaria Abreu e Lima (PE). Orçada em US$ 2 bilhões,
a obra prospecta hoje uma sangria de US$ 18 bilhões — nove vezes o orçamento de
partida.
O GLOBO publicou
recentemente reportagem sobre outra compra, uma refinaria no Japão, pela qual
foram pagos, em 2008, US$ 71 milhões, e onde já se enterraram US$ 200 milhões —
sorvedouro do qual a estatal procura se livrar, sem sucesso.
Por essas
transações perpassa o fio do tráfico de influência, outro aspecto a ser
seriamente enfrentado nessa sucessão de negócios mal explicados na empresa
controlada pelo Estado. Para variar, este é um ponto também escamoteado pelo PT
e aliados, por eles tratado como “interesses eleitoreiros da oposição”. Mas as
evidências são inquestionáveis.
Na compra de
Pasadena estavam as digitais de Nestor Cerveró, à época diretor da área
internacional da empresa, ungido por lideranças do PMDB e do PT. O ex-diretor
de Abastecimento Paulo Roberto Costa, ligado à operação da Abreu e Lima, hoje
recolhido à prisão por lavagem de dinheiro, foi outro protegido pelo PP, PMDB e
PT.
O discurso
lulopetista em defesa dessas ações, desqualificando qualquer crítica à
Petrobras como parte de supostas campanhas “neoliberais” para “privatizar” a
empresa-símbolo da recente industrialização brasileira, é tanto previsível
quanto irreal, e até risível. É, sim, velho truque eleitoreiro, por sinal já
usado pelo PT. O que importa são os fatos. Eles estão aí, são graves, e o país
cobra sua apuração.”