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QUE QUEREM AS MULHERES?
No Segundo Testamento (NT) encontramos em São Paulo a formulação da igual dignidade dos sexos: “não há homem nem mulher, pois todos são um em Cristo Jesus” (Gl 3,28). Num outro lugar, diz claramente: “em Cristo não há mulher sem homem, nem homem sem mulher; como é verdade que a mulher procede do homem, é também verdade que o homem procede da mulher e tudo vem de Deus” (1Cor 11,12).
Arnaldo Jabor - O Estado de São Paulo
(11 de março de 2014)
“No Dia
Internacional da Mulher, várias amigas me pediram: "Escreve, escreve sobre
a Mulher!...".
O psicanalista
Lacan disse que "A Mulher" não existe, pois não há alguma coisa que
as unifique. Acho que ele tinha razão. Eu nunca conheci a Mulher. Eu já amei e
odiei "mulheres". Então, por que esse título genérico? Existe a
mulher de burca, a 'strip-teaser', existe a freira, a bondosa, a malvada,
existe Eva e Virgem Maria.
Sempre que chega
esse Dia Internacional, nós machistas elogiamos o lado "abstrato" das
fêmeas, sua delicadeza, sua capacidade de perdão (sic), sua coragem, em textos
de hipocrisia paternalista, como se falássemos de pobres, de crianças. As
mulheres foram e são oprimidas e estupradas na alma e no corpo.
No Oriente e
África, vemos o auge da violência: castrações, estupros impunes, pais
condenando filhas, tudo de horrível. Mas no resto do mundo sobrevivem muitas
formas mais sutis de opressão e desprezo.
Uma leitora, que se
disse 'perua inteligente', me escreveu: "Antes, as mulheres eram escravas
passivas, hoje somos ativas, mas continuamos escravas. Mesmo sendo frígidas,
temos de prometer 'funcionamento'. Não é por acaso que eles nos chamam de
'aviões'. É só olhar as revistas masculinas. O que está acontecendo no Brasil é
a libertação da mulher-objeto. A publicidade é toda em cima de sexo".
É verdade, penso
eu: muita mulher que se sente livre é enganada.
Na mídia, só vemos
estímulos para as mulheres buscarem a bunda perfeita, bundas ambiciosas
querendo subir na vida, bundas com vida própria, mais importantes que suas
donas, próteses de silicone, sucesso sem trabalho, anúncio de cerveja com louras
burras, mulheres divididas entre a "piranhagem" e a
"peruíce", sorrisos luminosos de celebridades bregas, passos de ganso
de manequins. A bunda é a esperança de milhões de Cinderelas. O corpo tem de
dar lucro. As mulheres querem ser disputadas, consumidas. Ficam em acrobáticas
posições ginecológicas para raspar os pelos pubianos nos salões de beleza e,
depois, saem felizes com uns bigodinhos verticais que lembram o Hitler ou
Sarney. A liberdade de mercado produziu o mercado da 'liberdade'.
A mulher não é um
enigma. Nós é que somos, disfarçados de sólidos. Os homens são óbvios, fálicos.
As mulheres não
sabem o que querem; o homem acha que sabe. O masculino é certo; o feminino é
insolúvel. A mulher deseja o impossível; desejar o impossível é sua grande beleza.
A mulher precisa do
homem impalpável. As mulheres têm uma queda pelo canalha (cartas indignadas
para a redação...). O canalha é mais amado que o bonzinho. Ela sofre com o
canalha, mas o canalha lhe dá um sentido claro com sua viril antipatia. Claro que
é um preconceito também essa mania de dizermos que as mulheres são
"incompreensíveis" (mesmo Freud). Mas essa confusão na cabeça das
mulheres não é maluquice ou psicose; nessa confusa cabeça há uma verdade
indeterminada mais profunda do que as ilusões masculinas. Homem tem um
"fim". Mulher abre-se num horizonte com muitos sentidos e está sempre
equivocando o homem. Lembrando-me de quem amei, vejo que elas queriam ser
"descobertas" para elas se conhecerem. Queriam ser decifradas pelos
homens, por nossas mãos e bocas. Uma grande submissão a elas só as tornava mais
desoladas, raivosas. Muitas vezes, cometi esse erro e dancei.
Elas ventam,
chovem, sangram, elas têm inverno, verão, "TPM's", raiam de manhã ou
brilham à noite, elas derrubam homens como terremotos. Elas querem ser
decifradas por nós, mas nunca acertamos no alvo, pois não há alvo, nem mosca.
Daí o ódio que os
primitivos cultivam contra elas, daí os boçais assassinos do Islã
apedrejando-as até a morte, daí os mitos negros como Lilith ou Jezebel (até
Eva) ou ladies da morte como Macbeth.
O único grande
mistério talvez seja a divisão entre os sexos. Por mais que queiramos, nunca
chegaremos lá. Lá, aonde? Lá, na diferença radical onde mora o
"outro". Há alguns exploradores: os veados, sapatões, travestis, que
mergulham nesse mar e voltam de mãos vazias, pois nunca saberemos quem é aquele
ser com útero, seios, vagina, aquele ser maternal, bom, terrível quando
contrariado no "ponto g" da alma. Por outro lado, elas nunca saberão
o que é um pênis pendurado, um bigodão, a porrada num jogo do Flamengo, um p...
visitado de porre, nunca saberão do desamparo do macho em sua frágil grossura.
Elas jamais saberão como somos. O amor é a tentativa de pular esse abismo. Eu
sou hoje o que as mulheres fizeram comigo ou o que eu aprendi com elas, no amor
ou no sofrimento. Eu descobri defeitos e qualidades que me formaram, como
acidentes que me foram desfigurando. O que aprendi com elas? Não tenho ideia,
mas sei que me mudaram. Eram como quebra-cabeças: ao tentar armá-los, eu achava
que sabia tudo, mas entrava em novos labirintos. Com elas, loucas, sóbrias,
boas e más, descobri que não tenho forma nem lógica e que sempre me faltará uma
peça na charada.
Existe alguma coisa
que as unifique em uma identidade geral? Não sei, mas parece que elas estão
muito mais próximas que nós da realidade múltipla do mundo atual, aberto, sem
futuro ou significado. Mas não é como vítimas que devemos lamentá-las ou
louvá-las. Sua importância é afirmativa, pois elas estão muito mais próximas que
nós da realidade deste mundo aberto, sem futuro ou significado. Elas não
caminham em busca de um "sentido" único, de um poder brutal. O homem
se crê acima do mistério, mas as mulheres estão dentro. São impalpáveis como a
realidade que o homem "pensa" que controla.
O Dia Internacional
devia estimular uma ação política das mulheres, não apenas para defender seus
direitos, mas para condenar a civilização de machos boçais que destroem nosso
destino.”, conclui Arnaldo Jabour
Leia neste blog os textos: MULHER VERSUS HOMEM? e O QUE OS HOMENS ESPERAM DAS MULHERES