RESGATE EM LA PAZ
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Há interrogações demais no noticiário. Há também muitas meias verdades. E
o perigo da meia verdade, como se sabe, é o governo dizer exatamente a metade
que é mentira. Para evitar fazer papel de bobo, você precisa cobrar meia dúzia
de respostas:
1.
Por que Dilma Rousseff não exigiu para Roger Pinto o que Evo Morales aceitou
para Edward Snowden?
Reunidos em 12 de julho na cidade de Montevidéu, os presidentes dos
países-membros do Mercosul assinaram uma valente declaração conjunta. No texto,
solidarizaram-se com os países que haviam oferecido asilo político a Edward
Snowden –entre eles Venezuela, Bolívia e Equador.
Subscrito por todos, inclusive por Dilma Rousseff e Evo Morales, o
documento defende “o direito de todo Estado soberano de conceder asilo a
qualquer cidadão conforme as normas de direito internacional.” Mais: “É
fundamental assegurar que seja garantido o direito dos asilados de transitar
com segurança até o país que tenha concedido o asilo.”
No caso do senador boliviano, Dilma exerceu “o direito soberano” do
Brasil de conceder-lhe asilo político. E Evo provou que asilo no governo dos
outros é refresco. Negou ao desafeto Roger Pinto o salvo-conduto que lhe
permitiria “transitar com segurança” até a fronteira com o Brasil.
Nessa hora, Dilma deveria ter puxado Evo para um canto. Perguntaria: “Meu
querido, por que não aplicarmos ao caso do senador Roger, seu inimigo, a mesma
fórmula que aprovamos para o Snowden, inimigo do Barack Obama?” Ao silenciar, a presidenta fez do seu governo uma batalha no escuro entre
soldados desorientados e comandantes bêbados.
2.
Por que o Itamaraty ignorou avaliação médica que apontava deterioração do
Estado de saúde do senador boliviano?
No último dia 19 de agosto, uma segunda-feira, o diplomata Eduardo
Saboia, embaixador interino do Brasil na Bolívia, enviou uma mensagem da
embaixada em La Paz para o Itamaraty. No texto, informava sobre a deterioração
do estado geral de Roger Pinto Molina. O senador boliviano aparentava desânimo,
comia pouco e falava em suicídio.
Saboia pediu orientação aos seus superiores. Deveria chamar um médico
para examinar o “hóspede” do governo brasileiro na própria embaixada? Levá-lo a
um hospital na Bolívia, com o risco de vê-lo preso? Enviá-lo para tratar-se no
Brasil não seria uma opção? O Itamaraty autorizou seu homem em La Paz a
providenciar atendimento ao senador nas dependências da embaixada.
Na quinta-feira (22), Saboia informou a Brasília os resultados do exame.
Entre outros problemas, Roger Pinto apresentava: baixa resistência imunológica,
sinais de depressão, pressão alta, alteração nos batimentos cardíacos e
inapetência. Teria de submeter-se a uma bateria de exames e a um bom
tratamento. O Itamaraty emudeceu.
No dia seguinte, sexta-feira (23), Saboia apertou o botão de “seja o que
Deus quiser” e deflagrou a operação de fuga que levaria o líder da oposição a
Evo Morales até Corumbá (MS) e, dali, para Brasília. O diplomata informara ao
Itamaraty que, num quadro extremo, não descartava a hipótese de tomar medidas
de “contingência”. Para bom entendedor, suas meias palavras bastavam.
3.
Os fuzileiros navais que escoltaram o senador boliviano até o Brasil fizeram
isso com autorização de quem?
No Estado brasileiro, só uma corporação devota mais respeito à hierarquia
do que os diplomatas: os militares. Nos 1.600 km que separam La Paz de Corumbá
(MS), o fugitivo Roger Pinto e seu acompanhante Eduardo Saboia foram escoltados
por dois fuzileiros navais brasileiros.
Ou a dupla de soldados rasgou o manual ou o chanceler Antonio Patriota
deveria ter sido mandado ao olho da rua com acompanhantes. Eis as
sub-interrogações que boiam na atmosfera: o comando da Marinha não foi avisado?
O ministro Celso Amorim (Defesa), ele próprio um diplomata de carreira, foi
mantido no escuro?
4.
Quem acionou a Polícia Federal?
Após cruzar a fronteira brasileira, Roger Pinto e o comboio da fuga
instalaram-se num hotel em Corumbá (MS). Passaram cerca de oito horas na cidade
antes que o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) pousasse no aeroporto local um
jato que tomara emprestado para resgatar o colega boliviano. Em entrevista ao blog, Ferraço contou:
“Fui abordado por um agente da Polícia Federal. Eu me identifiquei, dei
meus documentos. O cara ligou para o superior dele. Dali a mais ou menos uma
hora, chegou o agente com o senador boliviano. […] Umas sete pessoas davam
segurança a ele. Cinco agentes da Polícia Federal, bem armados, e os dois
fuzilileiros navais que o haviam acompanhado desde La Paz.”
Quem acinonou a Polícia Federal? “Eu não tenho esse detalhe”, disse
Ferraço. “Sei que o Saboia estava tentando fazer contato com o ministro Celso
Amorim [Defesa], com o José Eduardo Cardozo [Justiça]. Não sei se conseguiu.”
Se Saboia conseguiu, o petista Cardozo sabia da encrenca. Se não conseguiu,
alguém sapateou em cima da ‘autoridade’ do titular da Justiça.
5.
Por que Patriota apanha sozinho na Esplanada?
Ao “punir” Antonio Patriota transferindo-o para a representação
brasileira na ONU, em Nova York, Dilma lavou o bebê e jogou fora a água do
banho. Se não fizer nada com Celso Amorim, superior dos fuzileiros que
escoltaram o fugitivo, jogará fora o bebê junto com a água do banho. Se além de
Amorim a presidente poupar o petista José Eduardo Cardozo, roçará o inusitado:
com bebês demais à sua volta, Dilma se auto-arremessará bem longe. Sem água e
sem banho.
6.
Por que a polícia da Bolívia não prendeu o senador fugitivo em cinco postos de
fiscalização?
No trajeto entre La Paz e Corumbá, o senador Roger Pinto e seus
acompanhantes tiveram de passar por pelo menos cinco postos policiais. Parados
e observados, não foram importunados. Numa inspeção, um policial chegou a
lançar fachos de lanterna no interior do carro. E nada. Cruzaram a froteira sob
céu claro. Nenhum entrevero.
Líder da oposição a Evo Morales, Roger Pinto é personagem manjado em seu
país. Ora, se a polícia de Evo Morales não algemou sua presença de espírito,
não pode agora reclamar da sua ausência de corpo.
Fonte: Circula nas redes sociais