sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

CHAPECOENSE: CONMEBOL RECOMENDAVA A LAMIA



Guilherme Costa, Leandro Carneiro, Pedro Ivo Almeida, Pedro Lopes e Rodrigo Mattos - Do UOL, em São Paulo, 30/11/2016

A companhia aérea que levava a delegação da Chapecoense de Santa Cruz de la Sierra (Bolívia) para Medellín (Colômbia) foi fundada em 2009, fracassou na tentativa de operar com voos comerciais, mudou sua composição em 2015 e contava com apenas uma aeronave em funcionamento. Ainda assim, era usada regularmente por clubes e seleções em deslocamentos na América do Sul. Segundo o UOL Esporte apurou, o sucesso da Lamia no futebol do continente tem uma explicação: havia uma orientação informal da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) para que o serviço fosse escolhido.

A informação foi confirmada por quatro clubes brasileiros e dois prestadores de serviço associados a essas equipes. De acordo com relatos, a Conmebol usava o know-how como argumento e chegou a fazer pressão para que a Lamia fosse selecionada como meio de transporte em viagens no continente.

A aeronave usada pela Lamia era um Avro Regional Jet 85, quadrimotor fabricado pela British Aerospace que também era conhecido como Jumbolino. Tinha 17 anos de uso. A companhia já havia prestado serviços a seleções de Argentina, Bolívia e Venezuela, além de clubes como Atlético Nacional (Colômbia), The Strongest, Blooming, Oriente Petrolero, Real Potosí (Bolívia) e Olimpia (Paraguai) e da própria Chapecoense.

"Fizemos uma viagem com esse avião na partida contra o Cerro Porteño [Paraguai]. Tivemos uma condição climática muito ruim e, pela logística já definida, deveríamos voltar logo depois do jogo. No entanto, depois de falar com oficiais de segurança, achamos melhor esperar tudo ficar mais calmo e seguir apenas no dia seguinte. A própria agência aceitou isso", disse Juan Carlos De La Cuesta, presidente do Atlético Nacional, em entrevista coletiva concedida na Colômbia. "Voltei de Assunção a Medellín na cabine do comandante. Enfrentamos mau tempo, passamos por uma tempestade, que inclusive teve gelo e neve, e eles me explicavam as coisas. Era um avião que tinha todas características de uma boa aeronave", completou Reinaldo Rueda, técnico da mesma equipe, em entrevista à rádio brasileira "Bradesco Esportes FM".

Existem muitas dúvidas sobre os motivos de uma marca tão modesta ser usada com tamanha frequência na América do Sul. "Ocorre que a empresa escolhida tinha tradição de transportar as equipes de futebol e já tínhamos usados serviços deles anteriormente para uma viagem à Colômbia. Como deu certo da última vez, decidimos usar de novo", relatou Luiz Antônio Palaoro, vice-presidente jurídico da Chapecoense. O time catarinense chegou a pedir à CBF (Confederação Brasileira de Futebol) uma indicação de companhia aérea que fizesse trajetos na América do Sul. A entidade nacional pediu 24 horas para responder, e nesse ínterim soube que a cúpula da equipe havia fechado com a Lamia.

A Chapecoense disse ter pago US$ 100 mil (R$ 338,73 mil) apenas pelo voo fretado entre Santa Cruz de la Sierra e Medellín. Empresa consultada pelo UOL Esporte afirmou que uma companhia de porte maior poderia fazer diretamente a viagem São Paulo/Medellín por algo entre US$ 150 mil (R$ 508,10 mil) e US$ 170 mil (R$ 575,84 mil).

A ideia inicial da cúpula da Chapecoense era fazer um voo com a Lamia do Brasil para a Colômbia. No entanto, como a empresa não está baseada em nenhum dos países, essa possibilidade foi vetada pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).

Se tivesse comprado passagens em voo de carreira, a Chapecoense também poderia ter voado de São Paulo para Medellín com um custo muito próximo do que a equipe gastou apenas com o último trecho da viagem.

Lamia foi fundada por ex-parlamentar e fracassou duas vezes

A Lamia foi fundada em 2009, em Mérida (Venezuela), cidade usada no acrônimo que batizou a companhia (Línea Aérea Merideña Internacional de Aviación). Fundada por Ricardo Albacete Vidal, ex-parlamentar da Venezuela, a empresa surgiu na esteira de um acordo do governo de Hugo Chávez para fomentar o setor aéreo no país.

Curiosamente, porém, a companhia foi registrada como uma empresa de ciência e tecnologia. Recebeu aporte de um fundo de investimento oriundo da China e chegou a anunciar projeção de operar com 12 aeronaves, mas não conseguiu lançar nenhum voo comercial – na época, Albacete responsabilizou a burocracia e o governo de Mérida, que era do chavista Marcos Díaz Orellana.

Em 2013, antes de lançar um voo sequer, a Lamia migrou sua operação para o Estado de Nova Esparta, que na época era gerido por Carlos Matta Figueroa, chavista ainda mais ferrenho. Mais uma vez, contudo, a empresa não conseguiu se estabelecer. A justificativa de Albacete para o segundo fracasso teve como base a crise financeira enfrentada pelo país.

Albacete lançou uma terceira investida em novembro de 2015, quando fundou na Bolívia a Lamia Corporation SRL. A companhia tinha inicialmente uma autorização para atuar como pequena operadora.

A partir do reposicionamento da Lamia, a empresa também passou a ter novos donos no registro. Os sócios listados desse ponto em diante são Marco Antônio Rocha e Miguel Quiroga, que conduzia o avião da Chapecoense.

Na madrugada de terça-feira (29), quando fazia o voo de Santa Cruz de la Sierra para Medellín, a aeronave da Lamia não conseguiu prioridade de pouso. Depois, ficou sem combustível, relatou pane elétrica e caiu. O acidente matou 71 pessoas – havia 77 pessoas na aeronave.

Conmebol nega ter feito campanha por uso da Lamia

Nesta quarta-feira (30), em nota oficial publicada em seu site, a Conmebol negou ter feito campanha em favor do uso da Lamia. Segundo o texto, a entidade "esclarece que entre as atividades de logística que a confederação oferece para realizar torneios não está incluída a coordenação de nenhum tipo de transporte, assim como a recomendação de provedores".

Na nota, a Conmebol também diz que "desmente os rumores que estão circulando nos meios durante esse momento de tanta dor".

* Colaboraram Bruno Freitas, Danilo Lavieri, Felipe Vita e Luiza Oliveira, do UOL, em Chapecó - 

Fonte: esporte.uol.com.br/30/11/16



quinta-feira, 24 de novembro de 2016

OS ESTUDANTES QUEREM UM OUTRO BRASIL E UM OUTRO TIPO DE POL[ITICA




Os estudantes querem um outro Brasil e um outro tipo de política,
por Leonardo Boff, Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor.

“Seria ingênuo pensar que o movimento dos estudantes ocupando escolas e universidades se esgota na crítica de um dos mais vergonhosos projetos já havidos, da reforma do ensino médio, ou no protesto contra a PEC 241 da Câmara e agora PEC 55 do Senado, PEC da brutalização contra os mais vulneráveis da nação. O que se esconde atrás das críticas é algo mais profundo: a rejeição do tipo de Brasil que até agora construímos e da política corrupta, feita por parlamentares em proveito próprio. Junto vem o lado mais positivo: a demanda por uma outra forma de construir o Brasil e de reinventar uma democracia, não de costas para o povo, mas com ele participando nas discussões e decisões das grandes questões nacionais.
Já abordei neste espaço este tema, a propósito do movimento dos jovens de 2013. Este movimento retorna com mais vigor e mais capacidade de se impor aos responsáveis pelos destinos de nosso  país. Três autores continuam a nos inspirar, pois sempre lutaram por um outro Brasil e sempre foram derrotados.
O primeiro é 
Darcy Ribeiro: num texto de 1998, como prefácio ao meu livro “O caminhar da Igreja com os oprimidos”, ele afirma: “Nós brasileiros surgimos de um empreendimento colonial que não tinha nenhum propósito de fundar um povo. Queria tão-somente gerar lucros empresariais exportáveis, com pródigo desgaste de gentes”. Esta lógica do ultraliberalismo atual se radicalizou no Brasil.
O segundo é de 
Luiz Gonzaga de Souza Lima, na mais recente e criativa interpretação do Brasil (“A refundação do Brasil: rumo à sociedade biocentrada”, São Carlos, 2011). Diz ele: “Quando se chega ao fim, lá onde acabam os caminhos, é porque chegou a hora de inventar outros rumos; é hora de outra procura; é hora de o Brasil se refundar; a refundação é o caminho novo e, de todos os possíveis, é aquele que mais vale a pena, já que é próprio do ser humano não economizar sonhos e esperanças; o Brasil foi fundado como empresa. É hora de  refunda-lo como sociedade” (cf. a contracapa). Essa hora chegou.
O terceiro é um escritor francês, François-René de Chateaubriand (1768-1848), que afirma: “Nada é mais forte do que uma ideia, quando chegou o momento de sua realização”. Tudo indica que este momento de realização está a caminho.
Os jovens que estão ocupando os lugares de ensino estão revelando mais inteligência (a exemplo da jovem Ana Júlia Ribeiro, falando na Câmara Legislativa do Paraná), do que a maioria dos representantes sentados em nossas casas parlamentares, interessados mais em seus negócios e na própria reeleição, do que no destino do povo brasileiro.
Sem definição partidária, com seus cartazes incisivos, os estudantes nos querem dizer:: “estamos cansados do tipo de Brasil que vocês nos apresentam, com democracia de baixa intensidade, que faz políticas ricas para os ricos, e pobres para os pobres; políticas nas quais as grandes maiorias são feitas invisíveis e jogadas nas periferias, sem estudo, sem saúde, sem segurança e sem lazer Queremos outro Brasil, que esteja à altura da nossa consciência, feito de povo misturado e junto, alegre, sincrético e tolerante.
Efetivamente, até hoje, o Brasil foi e continua sendo um apêndice do grande jogo econômico e político do mundo. Mesmo politicamente libertados, continuamos sendo recolonizados, esta é a palavra exata; recolonizados, pois as potências centrais antes colonizadoras, nos querem manter colonizados, condenando-nos a ser uma grande empresa neocolonial que exporta commodities: grãos, carnes, minérios. Desta forma, nos impedem de realizarmos nosso projeto de nação independente, soberana e altiva.
Diz, com fina sensibilidade social, Souza Lima: “Ainda que nunca tenha existido na realidade, há um Brasil, no imaginário e no sonho do povo brasileiro. O Brasil vivido dentro de cada um é uma produção cultural. A sociedade construiu um Brasil diferente do real histórico, o tal país do futuro, soberano, livre, justo, forte, mas, sobretudo, alegre e feliz” (p.235). No movimento atual renasce este sonho exuberante de Brasil.
Caio Prado Júnior em sua “A revolução brasileira”, Brasiliense 1966, acertadamente escreveu: ”O Brasil se encontra num daqueles momentos em que se impõem, de pronto, reformas e transformações capazes de reestruturarem a vida do país de maneira consentânea com suas necessidades mais gerais e profundas e as aspirações da grande massa de sua população, que -no estado atual- não são devidamente atendidas” (p. 2).
Com os personagens que estão aí na cena política, grande parte acusada de corrupção ou feita réu ou condenada, não podemos esperar nada senão mais do mesmo. Devem ser democraticamente alijados da história, para termos campo limpo para o novo.
Sobre que bases se fará a Refundação do Brasil? Souza Lima nos diz que é sobre aquilo que temos de mais fecundo e original: a cultura nacional, tomada no seu sentido mais amplo, que envolve o econômico, o político e o especificamente cultural: “É através de nossa cultura que o povo brasileiro passará a ver suas infinitas possibilidades históricas. É como se a cultura, impulsionada por um poderoso fluxo criativo, tivesse se constituído o suficiente para escapar dos constrangimentos estruturais da dependência, da subordinação e dos limites acanhados da estrutura socioeconômica e política da empresa Brasil, e do Estado que ela criou só para si. A cultura brasileira então escapa da mediocridade da condição periférica e se propõe a si mesma, com pari dignidade, em relação a todas as culturas, apresentando ao mundo seus conteúdos e suas valências universais” (p.127).
Por este texto,  Souza Lima se livra da crítica justa de Jessé Souza, feita à maioria de nossos intérpretes do status quohistórico: “A tolice da inteligência brasileira”, Leya 2015, completada com “A radiografia do golpe”, Leya 2016.
A maioria destes clássicos intérpretes olhou para trás e tentou mostrar como se construiu o Brasil que temos. Souza Lima, como os jovens de hoje, olha para frente e tenta mostrar como podemos refundar um Brasil na nova fase planetária, ecozoica, rumo ao que ele chama de “uma sociedade biocentrada”.
Ou o Brasil diferente nascerá destes jovens estudantes, ou corremos o risco de perdermos novamente o carro da história. Eles podem ser os protagonistas daquilo que deve nascer”