terça-feira, 8 de março de 2022

O VEXAME DE VLADIMIR, O PEQUENO

 

Por Vilma Gryzinski

Ele queria ser Pedro, o Grande, mas se sai mal até dentro de casa 

Com escritores prodigiosos, músicos grandiosos e história convulsionada, tendo durante um breve período do século passado se apresentado como pioneira de uma revolução que abarcaria todo o planeta, a Rússia causa uma mistura de fascínio e repulsa ao resto do mundo há pelo menos 400 anos. De Ivan, o Terrível, o czar que matou o próprio filho, a Josef Stalin, o monstro que devorou pelo menos 20 milhões de vidas, a Rússia também tem uma tradição de líderes com algum tipo de psicopatia. Nas suas duas décadas no poder, Vladimir Putin parecia a negação disso: frio, calculista, determinado, cabeça de estrategista e mão de jogador de pôquer. Tirou a Rússia da dissolução sistêmica que castigou o país imediatamente depois do fim da União Soviética e chegou a ter 88% de aprovação popular. Com o poder cada vez mais absoluto sussurrando as seduções de praxe, imaginou-se Pedro, o Grande, o czar da grande modernização do século XVII. Deu para mergulhar em obras históricas e ouvir as teorias do filósofo barbudo Alexander Dugin sobre “o grande projeto eurasiático”, a emergência de um novo centro de poder mundial, com os russos bem no alto dele.                                                                 “Putin talvez não contasse com a reação mais importante de todas: a dos próprios russos”                                                         

O que poderia dar errado em avançar mais um passo nesse projeto e engolir um país fraco e mal organizado como a Ucrânia? Estados Unidos e países europeus já tinham assimilado a anexação da Crimeia, com sanções que mal arranhavam a couraça russa. Estavam debilitados pela pandemia e suas sequelas econômicas, incluindo inflação e preços do petróleo disparando. A economia russa, em compensação, estava bem-arrumada; o exército, reequipado; a opinião pública, controlada.

“Os deuses, quando querem nos castigar, atendem as nossas preces.” Sem ligar a mínima para a advertência deixada por Oscar Wilde, Putin projetou entrar na Ucrânia como Vlad, o Conquistador. Talvez imaginasse que a população etnicamente russa receberia os invasores de braços abertos, legitimando o abuso inominável. E talvez não contasse com a reação mais importante de todas: a dos próprios russos, e não apenas da pequena minoria oposicionista. De filhas da elite que deve tudo a Putin a milionários idem, passando por jornalistas e artistas que dependem da aprovação do Estado para existir, esboçou-se um clamor de repúdio propagado via TikTok, Instagram e Facebook.

Em 25 de agosto de 1968, poucos dias depois que tropas soviética entraram na Checoslováquia para acabar com o movimento reformista conhecido como a Primavera de Praga, apenas oito cidadãos russos, num ato sem precedente, sentaram-se na Praça Vermelha com pequenos cartazes de protesto escritos a mão. Todos acabaram em campos de trabalho ou hospitais psiquiátricos. Na era das redes sociais, a praça é virtual. Putin pode não ligar a mínima para posts no Instagram, mas não pode mudar o fato de que, em vez de mobilizar a alma russa, o ente coletivo que salva o país nas grandes crises, está provocando memes em que é ridicularizado. (Obs. Putin de 1,68m de altura...) De grande czar da era moderna, agora parece recalcado, descontrolado e, por mais que subjugue um país mais fraco, inevitavelmente pequeno.                                 Publicado em VEJA de 9 de março de 2022, edição nº 2779

 

5 comentários:

  1. Rubens Pontes, 99 anos, Capim Branco/MG: Thede

    Inquietou-me a advertência de Oscar Wilde;
    'Os deuses, quando querem nos castigar, atendem nossas preces",

    que me leva a outra advertência, a de Jeremias (25:32-34) sobre o Armagedom:

    "Não acontecerá em apenas uma área, mas abrangerá a Terra inteira".
    Não sou de transferir a Deus, com orações de apelo, a solução dos problemas que nós criamos, deturpando Sua obra.
    Mas, sei não, se não descer novamente do céu uma espada de fogo fulminando os ímpios, iremos voltar às nossas origens, nos galhos

    de uma árvore, reiniciando o processo da evolução a partir dos primatas

    Pessimismo ou realismo?

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  2. Orlando Eller:

    Na mosca, Rubens. Tenho um amigo auditor, doutorado, esquerda, com quem troco ideias. Dias atrás ele não respondeu ao que me parece óbvio e que lhe ofereci como fermento: "Nosso problema não é político; é espiritual".

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  3. Sílvio Moraes, Vitória/ESRealismo. Depois da destruição total talvez possamos reconstruir tudo novamente através da evolucao dos primatas mas com uma nova ideia menos destruidora como fazemos hoje.

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  4. Maria do Carmo Bastos: Tem muita sabedoria o comentário de Rubens Pontes

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  5. Rita Salles, Serra/ES: Temos que acreditar e ter fé. Vou apostar no pessimismo.

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