Por THEDIANO BASTOS
Expatriado e considerado uma das
principais vozes dissidentes de Moscou, gênio enxadrista vê ameaça existencial
à democracia americana e defende vitória da Ucrânia como única forma de conter
líder russo
Nascido na ex-União Soviética, o ex-campeão mundial
de xadrez e ativista político Garry Kasparov, de 62 anos, vive há dez anos em
Nova York, onde se tornou uma influente voz dissidente contra Moscou. Chegou a
se candidatar à Presidência da Rússia, em
2008, mas, seis anos depois, deixou o país alegando
perseguição pelo governo de Vladimir Putin. Defensor das democracias
liberais, Kasparov é também um feroz crítico do presidente americano, Donald
Trump, que considera uma ameaça existencial à democracia.
— Os EUA estão passando por um processo de
‘putinização’ — afirma.
- Guerra
na Ucrânia: UE
apresenta novo pacote de sanções contra Moscou e quer acelerar fim das
importações de gás russo
- Entenda: Os
bastidores da operação da Otan que mobilizou quatro países e sete
aeronaves contra drones russos na Polônia
Aposentado dos tabuleiros, mas considerado um dos
maiores gênios da história do xadrez, Kasparov virá a São Paulo nesta semana
para a cerimônia de abertura de um campeonato da modalidade, o Grand Chess
Tour, e falou com exclusividade ao GLOBO sobre política, tecnologia e a
evolução do esporte.
Em seu livro “Winter is Coming” (“O
inverno está chegando”), publicado há dez anos, o senhor escreveu sobre a
ameaça que Putin representava à democracia na Rússia. Como vê a Presidência de
Trump? Esse inverno está chegando aos EUA?
É isso que tenho defendido. Estou terminando a
trilogia de uma série de artigos para a revista The Atlantic em que meu
argumento é que os EUA estão passando por um processo de “putinização”. Essa é
uma ameaça existencial e um teste. As eleições de meio de mandato testarão se a
democracia americana sobreviverá a um ataque direto de Donald Trump. Acredito
que ele representa uma ameaça real aos valores e tradições da democracia
liberal americana.
A popularidade de Putin segue alta na
Rússia mesmo após três anos de guerra com a Ucrânia. Como explicar isso?
Tenho dúvidas sobre a popularidade de Putin. A
popularidade é medida por eleições ou por pesquisas de opinião, que só
funcionam quando as pessoas não têm medo de falar. A
Rússia agora é uma ditadura de um homem só. Quase ninguém responderia à
pergunta sabendo das consequências. Quanto a sua permanência no poder, até
agora ele está lá... Mas ele chegou a um ponto em que a guerra se tornou o
principal motor de sua estabilidade no poder. Ele não pode parar a guerra porque teria de lidar com as
consequências disso. Uma delas é como absorver mais de um milhão de “assassinos
em potencial” (soldados e mercenários que voltariam do front). Mesmo com
apenas alguns milhares deles retornando da guerra, temos histórias sobre
estragos causados por eles. Algumas dezenas de milhares de veteranos que
voltaram do Afeganistão criaram uma cultura criminosa e uma atmosfera de
extorsão na Rússia na década de 1990. Agora, os números são dez vezes maiores,
se não vinte vezes.
Enquanto Putin
permanecer no poder, a guerra continuará. A maneira de desafiá-lo é basicamente
a Ucrânia vencer a guerra. Essa vitória não significa colocar
tanques ucranianos em Moscou. Mas é preciso derrotar as tropas russas no campo
de batalha e também destruir a infraestrutura de guerra de Putin. A propósito,
a Ucrânia está indo bem, considerando as circunstâncias. Eles provavelmente
destruíram cerca de 20% dos sistemas de refinaria russos e estão atacando-os
com força. A tão alardeada ofensiva de verão de Putin fracassou completamente.
Agora vemos uma guerra de atrito que, na verdade, não funciona bem para Putin.
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