sábado, 9 de julho de 2016

JUSTIÇA SELETIVA: PAULO BERNARDO




Esse é o título de um artigo escrito pelo desembargador Edison Vicentini Barroso, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que está provocando alvoroço no mundo jurídico. O magistrado faz duras críticas a Dias Toffoli.
“A rigor, a decisão do ministro Dias Toffoli, do STF, de revogar a prisão preventiva do ex-ministro Paulo Bernardo, marido da senadora Gleisi
Hoffmann, ambos petistas, não causa perplexidade. Basta se veja da
história de vida do dito magistrado.

Antes de chegar ao maior tribunal do país, por indicação política do ex-
presidente Lula, Toffoli havia sido reprovado duas vezes em concurso de
ingresso na magistratura paulista. Então, ornava-lhe a biografia a só
condição de ex-advogado geral da União, também por indicação de Lula –
Visceralmente ligado ao PT, em especial às pessoas de Lula e José Dirceu,
chegou à Suprema Corte aos 41 anos de idade. Como outros, sem nunca ter
sido juiz – por sistema de indicação exclusivamente político e nada
meritório, a não referendar nomeação positivamente confiável e séria.

A decisão revogada foi da 6a Vara Federal Criminal de São Paulo, do juiz
Paulo Bueno de Azevedo. Por ela, vê-se presente a hipótese do artigo 312
do Código de Processo Penal – apta à prisão preventiva de quem, enquanto
ministro de estado, suspeito de recebimento de pelo menos R$ 7,1 milhões
em propinas de esquema que atingiu empréstimos consignados a milhões
O juiz federal usou como fundamento „o risco à ordem pública e à
aplicação da lei penal‟, destacado do vulto dos valores desviados dos cofres
públicos, inda não recuperados e suscetíveis de tentativas de ocultação e
“O risco à ordem pública não pode ser justificado apenas no caso de
investigados ou acusados com histórico de violência contra as pessoas, o
que fatalmente ensejaria uma justiça seletiva apenas contra os mais
pobres”, assinalou o magistrado, em decisão de 75 páginas.

“Risco à ordem pública existe também quando, em tese, desviados milhões
de reais dos cofres públicos, máxime na situação conhecida de nosso País,
que enfrenta grave crise financeira e cogita aumento de impostos e
diminuição de gastos sociais”, prosseguiu Paulo Bueno de Azevedo.

E continuou: “O desvio de milhões de reais do Erário representa, em tese,
um perigo concreto, porém invisível, para a sociedade brasileira, que não
vê, pelo menos a olho nu, ao contrário do que acontece com os autores de
crimes violentos, que o dinheiro desviado poderia ter sido aplicado na
infraestrutura do país e na melhoria dos serviços públicos, como a saúde e a
educação. O risco de que tal dinheiro desviado não será recuperado
também representa perigo concreto à aplicação da lei penal.”

O juiz ponderou que „a decretação de prisão preventiva não significa
antecipação de juízo de culpabilidade, decorrente de uma combinação de
indícios suficientes de materialidade e autoria delitiva e da presença dos

Ora, tratando-se Paulo Bernardo de ex-ministro, não mais o favorece o
famigerado foro privilegiado; com o que, no mínimo estranha a supressão
de instâncias capazes de tomar conhecimento da questão e sobre elas
decidir – por exemplo, o Tribunal Regional Federal da 3a Região, ao qual
não dirigido, convenientemente, qualquer pedido da defesa de Bernardo.
Essa queima de etapas não pega bem e fala em desfavor da presunção de
legitimidade, no contexto da conveniência e oportunidade, da intervenção
de ofício do ministro do STF, de raiz petista de todos conhecida. Também
se pode indagar: qual a razão de Toffoli sequer ter ouvido a Procuradoria-
Geral da República antes de decidir?

Por outro lado, a 11a turma do TRF-3, à unanimidade, negara habeas corpus
impetrado pelo também investigado Daisson Silva Portanova – na mesma
operação. Então, o tribunal não viu qualquer ilegalidade a justificar sua
soltura imediata. Dois entendimentos, para uma só Justiça!

E não mais basta, nos dias de hoje, o só jogo de palavras de que, no
processo, inexistem elementos que justifiquem a manutenção da prisão,
como possível fuga ou risco de interferência nas investigações e
reincidência em crimes, caso colocado em liberdade o investigado.
Aos olhos da lei, muito mais consistente a linha de argumentação do juiz
federal. Sobretudo, quanto da perspectiva de novas lavagens do dinheiro
desviado no esquema e inda não encontrado – da ordem de cem milhões de
reais, surrupiados de pessoas humildes. Estas, sim, carentes da assistência e
proteção de uma Justiça qualificada e aparentemente ausente.

Toffoli alude a constrangimento ilegal de Paulo Bernardo. Constrangida,
em verdade, senhor ministro, está a sociedade brasileira e o senso comum
do que de direito, diante da constatação de decisão revocatória que só faz
justiça ao jeito petista de pensar, de agir e de ser – na medida em que, fosse
qualquer outro na situação de Bernardo, intocada estaria a correta prisão
preventiva determinada pelo MAGISTRADO Paulo Bueno de Azevedo.
A prevalecer a tese de Dias Toffoli, doravante, a prisão preventiva só se
aplicará aos pobres – desassistidos, que parecem estar, das benesses da
visão complacente de certos ministros da mais alta corte do País.

E faço minhas as palavras do jornalista Diego Casagrande, no sentido de
que „O ministro do STF Dias Toffoli, ex-advogado do PT e ex-funcionário
de Zé Dirceu na Casa Civil, esquartejou a Operação Custo Brasil‟ e de que
„Diante do descalabro de corrupção e impunidade no Brasil, a decisão do
ministro Dias Toffoli, ao liberar o participante de uma quadrilha que
saqueou em R$ 100 milhões os aposentados, constitui-se em um atentado
contra o Estado Democrático de Direito e a própria República. É
simplesmente impossível a qualquer nação e seus cidadãos continuarem
agindo normalmente frente a tamanha violência fantasiada de justiça. Se a
linha for esta daqui para frente esqueçam a expressão "a nossa
democracia". Ela servirá apenas de adorno nos discursos vazios e
manipuladores dos canalhas‟.

Há indicativos, pois, seguros quão inequívocos, de que se está diante de
decisão Suprema seletiva, destinada a beneficiar a quem não merece o
benefício, a marcar mais um gol contra o Brasil, seu povo e sua Justiça, à
espera dum STF no qual se possa confiar e no qual verdadeiros juízes se
hajam de espelhar, sem partidarismos ou acertos que firam de morte a
lógica da inteligência média do brasileiro.

Assim, só ao Tribunal cabe fazer do que deve, desfazendo ato que o leva ao
descrédito e restabelecendo o primado do Direito incondicional, na
irrestrita perseguição do que justo e jurídico. Com a palavra o plenário do
STF, a traçar sua história nos pequenos grandes atos de salvaguarda da
legalidade, apercebido da impossibilidade atual de manipulação judicial à
distância da intuição popular da verdade dos fatos postos sob sua análise.”

Edison Vicentini Barroso – Desembargador em São Paulo. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP.

sábado, 2 de julho de 2016

HOMICÍDIOS NO BRASIL



O Brasil que mata seu futuro a bala Número de vítimas de homicídio entre 1 e 19 anos cresce 475% em 23 anos. Negros são mais atingidos

HOMICÍDIOS NO BRASIL

A cada 24 horas, 29 crianças e adolescentes entre 1 e 19 anos de idade são assassinados no Brasil, uma sala de aula inteira morta por dia.
A grande maioria das vítimas é negra. Ao final de um ano, a contagem chega a 10.520 vítimas fatais. E o mais assustador é que no período de 1980 a 2013 este número cresceu 475%, e segue em tendência de alta. Se analisada a taxa de homicídios por 100.000 habitantes, o aumento foi de 426%, de 3,1 para 16,3. A Organização das Nações Unidas (ONU) considera como epidêmicas taxas acima de 10. Comparado com outros 85 países, o Brasil fica em 3º lugar no ranking de homicídios de crianças e adolescentes, atrás apenas de México e El Salvador, nações que enfrentam sérios problemas de disputa de gangues e cartéis de drogas.
Os dados estão no relatório Violência Letal contra as Crianças e Adolescentes do Brasil, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) e divulgado nesta quinta-feira. O documento, que utiliza dados do Ministério da Saúde, mostra o retrato de um país que conseguiu avançar em algumas áreas, mas não soube progredir em outras. As mortes por causa natural de crianças e adolescentes, por exemplo, são um exemplo do Brasil que andou para frente: em 1980 a taxa de mortes por causas naturais desta parcela da população era vergonhosa, 387 por 100.000 habitantes. Já em 2013, caiu drasticamente para 83,4, redução de 78,5%, reflexo da ampliação do sistema de saúde pública, saneamento básico, educação e melhoria nas condições de vida da população.
No entanto, se levados em conta os homicídios, andamos para trás. O cenário é ainda mais preocupante se considerado apenas a evolução dos homicídios na faixa etária dos 16 aos 17. O aumento no período foi de 640%, de 506 em 1980 para 3.749 em 2013. Quase metade das mortes matadas de crianças e adolescentes acontecem nesta idade. “Na contramão da realidade, inclusive a do Brasil, onde a história recente marca decisivos avanços na esperança de vida da população, ao observar a evolução da violência homicida na faixa de 16 e 17 anos de idade, as previsões são sombrias e preocupantes”, diz o relatório.
O coordenador do estudo, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, critica o posicionamento do Congresso Nacional no enfrentamento do problema: “Se as coisas continuarem nesse ritmo, vamos precisar de mais necrotérios e não mais prisões, já que os parlamentares só querem saber de reduzir a maioridade penal”, lamenta o professor. As armas de fogo estiveram presentes em 78,2% dos homicídios de crianças adolescentes de até 17 anos de idade em 2013.
Para Julio, a disparada nestes números só é possível devido ao processo de “naturalização e aceitação social da violência”. Segundo ele, existe um processo de “culpabilização” das vítimas como mecanismo para justificar as violências dirigidas “contra setores mais vulneráveis”. “Assim como no caso do estupro frequentemente se evoca a roupa curta da mulher, no caso dos homicídios do relatório o adolescente que é vítima é apontado como marginal, delinquente e drogado”, afirma.
Assim como na população em geral, as crianças e adolescentes negros são as principais vítimas das mortes matadas. A chance de que sejam vítimas de homicídio é 178% maior do que a de brancos, levando em conta o tamanho das respectivas populações. Em 2013, no conjunto da população de até 17 anos de idade, a taxa de homicídios de brancos foi de 4,7 por 100.000, enquanto que a de negros, 13,1. Proporcionalmente, morreram quase três vezes mais negros que brancos.
Julio aponta ainda que o perfil dos mortos, majoritariamente negros, moradores das periferias dos grandes centros urbanos e com baixo grau de escolaridade são um indicativo claro de uma ausência de políticas públicas eficazes. “Nossas políticas públicas estaduais e federais se concentram majoritariamente na proteção da população branca, enquanto a população negra é desassistida”, afirma o professor.
Indígenas
O relatório também traz informações sombrias sobre a epidemia de suicídios de crianças e adolescentes indígenas. Os municípios que aparecem nos primeiros lugares nas listas de mortalidade suicida “são locais de amplo assentamento de comunidades indígenas, como São Gabriel da Cachoeira, Benjamin Constant e Tabatinga, no Amazonas, e Amambai e Dourados, no Mato Grosso do Sul”. Nesses municípios, do total de suicídios indígenas, os suicídios na faixa de 10 a 19 anos representam entre 33,3%, em São Gabriel da Cachoeira, e 100%, em Tacuru (MS), “uma verdadeira situação pandêmica de suicídios de jovens indígenas”.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

UNIÃO EUROPEIA EM CRISE



O Estado-nação como patologia,                          por Vladimir Safatle

Muito já foi dito a respeito da decisão inglesa de sair da União Europeia. Ela é certamente um dos fatos mais importantes deste curto século por aquilo que explicita.
A União Europeia nasceu com a promessa de ser o início de uma era pós-nacional, na qual os Estados-nação se submeteriam paulatinamente a uma engenharia institucional capaz de garantir a existência de sujeitos políticos pós-nacionais.
Aos poucos, atribuições dos parlamentos nacionais passaram ao Parlamento Europeu, a criação de uma moeda única levou a um banco central transnacional, as universidades criaram sistemas de intercâmbio contínuo tendo em vista a formação de cidadãos europeus.
Nesse sentido, não se tratava apenas de um espaço de livre comércio, mas da tentativa de criação de um espaço político que deixaria para trás as estruturas dos Estados nacionais. Diferente da Organização das Nações Unidas, que sempre foi algo mais próximo a um fórum de debates, a União Europeia representou, pela primeira vez, um processo efetivo de transferência de poder.
No entanto, mais de 20 anos depois de sua instauração, a ira de parcelas expressivas de populações do velho continente contra a União Europeia é visível. A decisão inglesa, por mais suicida que seja do ponto de vista econômico e político (com a saída iminente da Escócia do Reino Unido), é apenas a ponta do iceberg. A razão de tal ira talvez esteja involuntariamente bem expressa na representação visual de sua maior invenção, a saber, o euro. Há uma certa ironia em perceber como as notas de euro não representam seres vivos (personagens históricos, animais, flora), mas objetos mortos, como pontes, viadutos e outras construções de infraestrutura. A ideia era louvar a circulação. Para ser mais preciso, a circulação de riquezas, de produção, de capital. Mas, de forma sintomática, nestas representações não há pessoas.
De fato, durante todos estes anos a União Europeia foi uma engenharia institucional que só esteve de acordo em dois pontos: organizar políticas massivas de salvamento do sistema financeiro combalido desde a crise de 2008 e estabelecer políticas comuns de limitação de circulação de imigrantes. Os projetos iniciais de criação de uma Europa social, com estruturas transnacionais de garantias trabalhistas e defesa social, naufragaram rapidamente. No caso da Grécia, por exemplo, a União Europeia demonstrou toda sua irracionalidade ao impor medidas de austeridade durante anos com resultados catastróficos, decididas por tecnocratas sem rosto e sem disposição alguma para corrigir seus equívocos.
No entanto, o voto britânico foi um dos mais impressionantes passos na direção errada da história recente. Ele foi animado por dois fatores: a crença de que o fortalecimento do Estado-nação serviria de contrapeso a estas políticas que levaram à pauperização do continente e o medo diariamente alimentado pelo próprio governo e por setores da imprensa local contra o além-mar (imigrantes, refugiados e estrangeiros).
O primeiro fator é apenas a tentativa de ressuscitar um arcaísmo. O Estado-nação não existe mais e melhor seria que ele fosse desmantelado de vez. Ele é apenas um zumbi que se alimenta de algumas das piores patologias sociais de nossa época, como a paranoia identitária, a ilusão das fronteiras, a paixão pelo isolamento.
O Estado-nação não decide mais nada, mesmo quando ainda tem o controle de sua moeda, como no caso inglês. Apenas implementa políticas decididas por um sistema econômico global. Por isso, ele será usado todas as vezes que for o caso de desviar o eixo do descontentamento não para cima, ou seja, em direção àqueles que realmente decidem, mas para o lado, a saber, em direção àqueles que servirão de bode expiatório da vez, sejam poloneses, ciganos, negros ou árabes.
Nos últimos dias, os ingleses descobriram uma obviedade: sair da Comunidade Europeia é impossível, daí esta situação digna de Monty Python de um país tentando adiar a implementação de uma decisão que ele mesmo tomou. As economias nacionais não existem mais.
Por essa razão, a luta pela defesa contra a espoliação econômica não passa pelos Estados nacionais, mas pela politização das decisões econômicas impostas por organismos transnacionais, como a União Europeia, o FMI e o Banco Mundial. Mas faz parte de uma certa gestão da política atual desviar continuamente os eixos reais dos problemas para espaços imaginários.